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Os desafios republicanos e o poder que Biden segurou: seis pontos para perceber a política norte-americana nos próximos dois anos

Os desafios republicanos e o poder que Biden segurou: seis pontos para perceber a política norte-americana nos próximos dois anos
Kent Nishimura

A frágil vitória do Partido Republicano nas eleições intercalares vai começar a ser testada imediatamente: há divisão interna, investigações ao trabalho de Biden a serem preparadas e um risco de um impasse legislativo (outra vez). Trump, que anunciou a recandidatura para 2024, também poderá ser um problema

Os votos ainda não estão todos contados, mas o povo norte-americano já tomou as principais decisões: o Partido Republicano recuperou a maioria na Câmara dos Representantes e ganhou as eleições intercalares (mas sem “onda vermelha”), e o Partido Democrata foi capaz de segurar o Senado numa derrota que soube a vitória, já que foi o melhor resultado em eleições intercalares de um Presidente em exercício nos últimos 20 anos.

Num país conhecido pelos pesos e contrapesos do seu sistema democrático, estas eleições vieram baralhar ainda mais o já complexo tabuleiro político dos Estados Unidos. Eis seis pontos que vão ser decisivos durante os próximos dois anos – até às próximas eleições presidenciais em 2024.

Os testes à coesão republicana

A primeira batalha vermelha foi travada já esta semana: insatisfeito com os resultados eleitorais e em representação da ala (ainda) mais à direita do Partido Republicano, o senador Rick Scott desafiou Mitch McConnell para a liderança do Senado, queixando-se de pouca autonomia legislativa. McConnell lidera os destinos republicanos no Senado há 16 anos e derrotou-o facilmente (37-10). “Não vou a lado nenhum”, afirmou quando questionado se este seria o seu último mandato (tem 80 anos).

Contudo, o aviso ficou dado e a fricção promete continuar – até porque também não parece haver unidade vermelha na Câmara dos Representantes. Kevin McCarthy, atual líder da minoria republicana, chegou-se à frente na noite eleitoral para substituir a democrata Nancy Pelosi como Presidente da Câmara. O partido deu-lhe a nomeação esta semana, mas 31 dos seus colegas votaram no seu adversário: Andy Biggs, negacionista próximo de Trump eleito por Arizona.

Assim, McCarty ainda não sabe se será capaz de garantir os 218 votos republicanos que são necessários para ficar com o lugar. “A minha posição é a minha até novo aviso: ninguém tem 218 votos. Temos de nos sentir e estabelecer as mudanças fundamentais que são necessárias”, apontou Chip Roy, eleito pelo Texas e um dos congressistas extremistas que apoiou a candidatura de Biggs.

As investigações à Administração Biden

Mesmo sem unidade interna, o Partido Republicano vai aproveitar a maioria na câmara baixa do Congresso para passar a pente fino as decisões do Presidente desde que assumiu a Casa Branca.

Os primeiros sinais foram dados ainda antes da campanha e estão neste momento a ser reforçados: “No 118º Congresso, este comitê vai avaliar o estado da relação de Joe Biden com os parceiros estrangeiros da sua família, e apurar se o Presidente está comprometido [com o país] ou a ceder à influência e ao dinheiro estrangeiro”, afirmou esta quinta-feira James Corner, republicano eleito pelo Kentucky e líder do comitê de supervisão e reformas.

“Quero ser claro: esta é uma investigação a Joe Biden e será o foco deste comitê no próximo Congresso”, insistiu Corner. A forma como a saída militar do Afeganistão foi planeada e executada será certamente outro dos temas que vai merecer a atenção republicana, assim como a gestão da fronteira com o México e a crise migratória que a Casa Branca tarda em resolver.

O risco de um impasse legislativo

Com uma maioria republicana dividida e focada no escrutínio do Presidente, há o risco de a Câmara dos Representantes entrar num impasse legislativo: “Tenho a perceção que há um pequeno grupo [de republicanos] que está a tentar por-nos em gridlock [bloqueio]”, admitiu o congressista Don Bacon, eleito pelo GOP no Nebraska, esta quinta-feira.

Situações semelhantes aconteceram no passado: há quase 12 anos, uma recém eleita maioria republicana prometeu diálogo com os democratas durante o primeiro mandato de Barack Obama, mas o resultado foi uma câmara baixa que viveu de conflito partidário em conflito partidário até à eleição seguinte, com poucos ou nenhuns avanços legislativos.

O cenário pode ser o mesmo desta vez. O GOP já sinalizou que pretende aprovar uma série de leis na Câmara dos Representantes que certamente serão travadas no Senado de maioria democrata: cortes no serviço interno de receita do governo federal, aumento dos fundos para a segurança pública, ou novas regras de identificação de eleitores, por exemplo.

Consensos: tentativas e dificuldades

“Quero dizer a todos os republicanos que não são MAGA [Make American Great Again, o slogan de apoio a Trump]: trabalhem connosco”, disse o ainda líder democrata no Senado Chuck Schumer, numa entrevista esta segunda-feira, fazendo um apelo direto aos eleitos republicanos mais próximos do ex-presidente. “O que nos dá abertura é o facto de eles saberem que apoiar Trump será um fracasso. Nem todos os republicanos sabem isso, mas muitos sabem”, continuou Schumer.

Na noite eleitoral, Biden ensaiou um discurso similar: garantiu que está “pronto” para trabalhar com os republicanos, mas também sublinhou que tem linhas vermelhas intocáveis: o Medicare, o sistema de seguros de saúde público dos EUA, não pode ser tocado, por exemplo.

Enquanto congressista, Biden ganhou a reputação de fazedor de pontes: foi capaz de dialogar com o lado republicano para aprovar legislação durante vários anos. E desde que assumiu a Casa Branca, várias leis estruturais foram aprovadas com o apoio dos dois partidos (como a lei das infraestruturas, aprovada no ano passado). Desta vez, Biden terá uma tarefa mais difícil.

O que fazer com Trump?

Um dos temas que mais ameaça a coesão interna republicana tem dois nomes e uma data: Donald Trump, 2024. O ex-Presidente oficializou a recandidatura à Casa Branca esta semana, mas vários pesos pesados do Partido Republicano já assumiram a sua preferência por Ron DeSantis: apesar de já ter sido avisado pelo ex-Presidente para não correr contra ele nas primárias, o governador da Flórida foi reeleito com facilidade e a sua popularidade está em alta.

Muitos dos republicanos extremistas que receberam o apoio de Trump tiveram derrotas eleitorais: a fação moderada do GOP está receosa que isso se repita em 2024, e por isso já começaram a surgir nomes alternativos – e com menos anticorpos – para levar a cabo a tarefa de devolver a Casa Branca aos republicanos. Mike Pence, ex-vice de Trump que esta semana o criticou pelo seu papel no ataque ao Capitólio, é um deles.

“Estamos a navegar pela luta de poder entre as fações pró-Trump e anti-Trump dentro do partido, sobretudo entre os doadores”, escreveu num memorando interno Paul Cordes, chefe de gabinete republicano no Michigan, esta quinta-feira. Ao The Guardian, uma eleitora republicana que apoiou Trump nas duas últimas presidenciais, fez uma previsão pertinente sobre o futuro do partido: vai haver “muito sangue no chão”.

Os poderes presidenciais que restam

Apesar de ter perdido a maioria na Câmara dos Representantes, o Partido Republicano conseguiu manter o Senado – e isso será essencial para Joe Biden nos próximos dois anos. Com a maioria, o Presidente pode continuar a fazer nomeações para a Casa Branca e restante máquina do Estado, incluindo para os tribunais federais.

A manutenção deste poder será particularmente relevante caso abra uma vaga para juiz no Supremo Tribunal (cujo cargo é vitalício). Em 2016, por exemplo, o juiz que Barack Obama queria nomear não foi sequer ouvido no Congresso – cortesia de Mitch McConnell, que na altura liderava a maioria republicana no Senado.

Além disto, Biden continuará a ter poder executivo: já assinou mais de 100 ordens presidenciais desde que assumiu o cargo, mexendo no legado de Trump e avançando propostas progressistas que de outra forma seriam travadas no Congresso. O corte no financiamento do muro com o México, o perdão de parte da dívida dos estudantes universitários ou o perdão dos condenados por posse de marijuana a nível federal são três exemplos desse poder executivo posto em prática.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: tsoares@expresso.impresa.pt

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