Impasse político na Catalunha tira força aos independentistas
O primeiro-ministro Pedro Sánchez numa receção ao dirigente catalão Pere Aragonès no palácio da Moncloa, sede do Governo espanhol
Alberto Ortega/Europa Press/Getty Images
A coligação nacionalista que governava a região rompeu-se este mês. Cinco anos depois da declaração unilateral de independência de 2017, os partidos que querem cortar laços com Espanha assumiram a sua própria separação.
Foi a 27 de outubro de 2017 que o Parlamento regional da Catalunha aprovou uma declaração unilateral de independência que levou, no mesmo dia, à suspensão, pelo Senado espanhol, da autonomia catalã. Seguiu-se a destituição do então governo autonómico, chefiado por Carles Puigdemont, e, mais tarde, a detenção dos líderes da tentativa separatista.
Este mês os dois partidos protagonistas da tentativa de secessão de 2017 — Juntos pela Catalunha (JxC), de Puigdemont, e Esquerda Republicana da Catalunha (ERC) — assumiram a rutura, por defenderem caminhos diferentes para a independência. O JxC abandonou a o governo de coligação chefiado por Pere Aragonès, da ERC.
Para o professor de Ciência Política Oriol Bartomeus, da Universidade Autónoma de Barcelona, o movimento independentista “ficou sem objetivo, sem realmente nada que oferecer aos seus” depois de 2017. Deteta “desorientação e cansaço”. “Não se sabe muito bem qual é a proposta do independentismo, como será a partir de agora, qual é o plano. Estamos num standby complicado”, afirmou o politólogo à Lusa.
Sequestrados por Puigdemont
Parece ter ficado provado que “a saída unilateral não funciona”, acrescenta. A via de negociar um acordo com o Governo espanhol para convocar um referendo, defendida pela ERC, já foi ensaiada no passado e, para boa parte dos independentistas, nunca levou a lado nenhum.
O presidente do governo catalão, Pere Aragonès, numa reunião com deputados espanhóis em Madrid
A fragmentação entre JxC e ERC sempre existiu. Na última década, foram superando diferenças para unir cada vez mais forças em torno do objetivo da independência. Agora, a passagem de uma das maiores forças independentistas para a oposição a um governo do outro grande partido independentista (JxC tem 32 deputados e a ERC 33) põe fim de uma década de união. É uma “mudança radical” ou “um ponto de inflexão” na política catalã, segundo os analistas que vão escrevendo na imprensa regional.
Não é, porém, “o fim do problema político”, nas palavras de Josep Martí Blanch, do jornal catalão “La Vanguardia”. Foi responsável pela comunicação nos dois governos regionais de Artur Más, que presidiu à extinta Convergência Democrata da Catalunha (CDC, centro-direita liberal), uma das forças políticas independentistas que deram origem ao JxC.
Se a ERC tem duas bandeiras, independentismo e esquerda, o JxC, explicou Blanch à Lusa, só tem a primeira. Tornou-se uma “amálgama de pessoas de convivência muito difícil”, com “tendências diferentes”, ainda “emocionalmente sequestradas por Puigdemont”. Este fugiu para a Bélgica e mantém-se partidário da confrontação, recusando o diálogo com Madrid por que aposta a ERC.
A declaração de independência falhada, em 2017 fez perder simpatias no exterior e “o capital político” conseguido com a consulta popular (referendo ilegal) de 1 de outubro daquele ano, em vez de usá-lo para projetar o futuro e continuar a mobilizar forças. No atual contexto, a rutura entre independentistas era “o caminho natural”, defendeu. Para tal contribuíram ainda, acrescentou Blanch, a covid-19, a inflação, a crise energética ou a guerra na Ucrânia, novas prioridades políticas que preocupam a sociedade e retiram peso à questão nacionalista.
Um empate que custa a desfazer
O JxC, sem bandeira que não o independentismo, dificilmente pode ser visto “como alternativa, por exemplo, na política fiscal, de segurança, de habitação”, afirmou Blanch. Já a ERC tenta reafirmar-se como partido de esquerda social-democrata.
Longe vão os tempos em que o presidente do governo catalão, Pere Aragonès (à frente na imagem), da Esquerda Republicana da Catalunha, e o seu antecessor Carles Puigdemont, do Juntos pela Catalunha, concertavam posições
O politólogo Oriol Bartomeus diz que o impasse é o culminar do “empate” eleitoral de 20 anos entre duas fações independentistas. “Enquanto continuarem empatados, não se avançará em nenhum sentido”. O “cansaço” do eleitorado levou, nas últimas regionais, em fevereiro de 2021, à perda de 700 mil votos pelos independentistas. Mas o empate manteve-se.
Para Blanch, a ERC está “a medir melhor a temperatura aos cidadãos de filiação independentista” e é “muito possível” que venha a aumentar a diferença, com o JxC a perder terreno. Para este analista, quem mais tem ganho é aquele que já venceu as últimas eleições regionais, o Partido dos Socialistas Catalães (ramo regional do Partido Socialista Operário Espanhol, do primeiro-ministro Pedro Sánchez)
À procura de normalidade
O PSC elegeu os mesmos 33 deputados que a ERC. O seu líder, Salvador Illa, “entendeu que o grande momento de divisão entre catalães foi em 2017 e que isso passou”. Percebeu também, defende Blanch, que para conquistar terreno no “campo constitucionalista” (da integração com Espanha), é preciso “arrefecer” a tensão, “naturalizar o independentismo como ator politico que veio para ficar, procurar espaços de conciliação e esperar que as coisas passem”.
Bartomeus acrescenta que Sánchez, no poder desde 2018 em coligação com a Unidas Podemos (esquerda populista), “tentou dissolver o conflito, sem transigir nas reivindicações independentistas, é claro”. Os indultos aos independentistas presos desde 2017 desbloquearam “uma possível normalização da situação na Catalunha”.
Foto publicada por António Costa no Twitter após um acordo que venceu a histórica resistência francesa sobre as interligações
“Hoje há conversações, uma mesa de diálogo”, sendo que o plano do PSOE, diz o investigador, não passa por autorizar um referendo, como quer a ERC, mas pelo “regresso a uma situação de normalidade institucional, isto é, dizer que há um governo autonómico, com o qual se pode tratar temas normais, financiamento, infraestruturas, o normal”.
Aguentar até 2025, com outros testes nas urnas em 2023
A legislatura tem quatro anos, ou seja, não deveria haver eleições até 2025. Mas ninguém parece acreditar que a ERC resista tanto tempo a governar só com 33 dos 135 deputados regionais. Só o presidente catalão, Aragonés, pode dissolver a assembleia Uma moção de censura para o derrubar obrigaria a unir uma oposição demasiado diversa, entre independentistas, extrema-direita e direita espanhola, socialistas e extrema-esquerda.
Em maio de 2023 há eleições municipais, que servirão para medir forças de cada partido no terreno. No final do próximo ano haverá legislativas em Espanha, que ditarão aquilo com que os independentistas poderão contar no Governo central.
A história diz que entre os separatistas e a direita espanhola não há possibilidade de diálogo, mas que a tensão com Madrid dá força ao independentismo. Os estudos de opinião vaticinam uma viragem política a nível nacional, com o Partido Popular (direita) à frente do PSOE, mas a precisar do Vox (extrema-direita) para governar o país. Segundo uma sondagem do Centro de Estudos de Opinião da Catalunha, em julho, 52% dos catalães eram contra a independência, a percentagem mais elevada desde 2015.
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