Internacional

Primeira cimeira Espanha-Marrocos desde 2015 sela nova fase nas relações bilaterais, com 'imigração ilegal' a dominar a agenda

Em Ceuta, é visível o drama dos migrantes que querem passar do porto de Marrocos para Espanha
Em Ceuta, é visível o drama dos migrantes que querem passar do porto de Marrocos para Espanha
TIAGO MIRANDA

Cimeira entre os dois países ocorrerá em 2023, numa aproximação iniciada em abril, quando Madrid mudou de posição em relação ao Saara Ocidental

Espanha e Marrocos anunciaram esta semana a primeira cimeira desde 2015, o selo que falta à "nova etapa" das relações bilaterais iniciada em abril passado, quando Madrid mudou de posição em relação ao Saara Ocidental.

A cimeira, segundo revelou Marrocos na terça-feira, será no início de 2023 e "um momento importante", que vai "refletir o espírito positivo" e "a nova fase" das relações hispano-marroquinas.

Também Espanha, através do ministro dos Negócios Estrangeiros, José Manuel Albares, destacou dois dias depois, o "excelente estado da relação" entre os dois países e a "sintonia" atual entre Rabat e Madrid.

Combate à ‘imigração ilegal’

Há algumas semanas, em 21 de setembro, sentado ao lado do homólogo marroquino, Naser Burita, numa reunião à margem da Assembleia Geral das Nações Unidas em Nova Iorque, Albares já havia saudado esta "nova etapa", assim como "os frutos" que já gerou, nomeadamente, no combate à imigração ilegal.

Segundo o ministro, entre maio e setembro, os fluxos de migração ilegal entre Marrocos e Espanha diminuíram 20%, comparando com os mesmos meses de 2021, naquilo que considerou ser uma prova da "excelente cooperação" bilateral no combate à imigração irregular.

Albares anunciou naquela ocasião o reforço dessa cooperação, agora "na fachada atlântica", ou seja, no controlo de grupos que querem alcançar o arquipélago espanhol das Canárias a partir de Marrocos.

Esta semana, o Conselho de Ministros espanhol aprovou a concessão de 30 milhões de euros a Marrocos, dentro do âmbito da cooperação policial internacional, com o objetivo de financiar meios de combate ao tráfico de pessoas e à gestão de fluxos migratórios.

Mas a cooperação neste âmbito e o novo estado das relações bilaterais já tinham ficado bem patentes muito antes dos anúncios desta semana, em 24 de junho, quando milhares de pessoas tentaram saltar a vedação da fronteira de Marrocos com a cidade de Melilla, que, tal como Ceuta, é um enclave espanhol em território marroquino.

A tentativa de salto da fronteira é considerada a mais violenta da última década e acabou com a morte de pelo menos 23 migrantes e mais de 200 feridos, entre migrantes e elementos das forças de segurança marroquinas e espanholas.

Repressão de migrantes por Marrocos ciondenada por ONG

Organizações não-governamentais (ONG) têm denunciado a repressão violenta dos migrantes por Marrocos naquele dia, assim como o tratamento dado às pessoas que foram detidas e ficaram feridas.

O provedor de Justiça espanhol questionou a ação das forças policiais espanholas e o Alto Comissariado dos Direitos Humanos das Nações Unidas pediu explicações e informações a Marrocos.

Os governos de Rabat e Madrid defenderam as respetivas polícias e saudaram a cooperação bilateral naquele dia.

O episódio foi bem diferente dos de maio de 2021, em Ceuta, quando 10 mil pessoas entraram na cidade porque, num momento de más relações entre os dois países, Marrocos aligeirou os controlos fronteiriços e fez sentir a Espanha o peso da pressão migratória e do descontrolo dos fluxos de pessoas que querem entrar em territórios europeus.

As relações diplomáticas entre Marrocos e Espanha foram conflituosas durante quase um ano, entre abril de 2021 e março deste ano.

Na origem do conflito esteve a estada em Espanha em abril de 2021 do líder do movimento independentista sarauí Frente Polisário, para ser tratado na sequência de uma infeção causada pela covid-19.

Para resolver o conflito, em março passado, o primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, enviou uma carta ao Rei marroquino, Mohamed VI, na qual afirmava que a proposta apresentada por Rabat em 2007, para que o Saara Ocidental seja uma região autónoma controlada por Marrocos, é "a base mais séria, credível e realista para a resolução deste litígio".

O Saara Ocidental é uma antiga colónia espanhola ocupada por Marrocos há 47 anos, no contexto de um processo de descolonização.

Espanha defendeu durante muito tempo que o controlo de Marrocos sobre o Saara Ocidental era uma ocupação e que a realização de um referendo patrocinado pela ONU deveria ser a forma de decidir a descolonização do território.

Depois da carta que enviou ao Rei de Marrocos, Sánchez visitou Rabat e os dois países fizeram a declaração conjunta, em abril, que normalizou o tráfego fronteiriço e as relações bilaterais.

Nesta declaração, Marrocos reconheceu implicitamente ter fronteiras terrestres com Espanha, ao acordar a instalação de alfândegas em Ceuta e Melilla, territórios que tradicionalmente reclama, considerando-as "cidades ocupadas".

Ainda assim, na semana passada, Sánchez teve de afirmar no parlamento espanhol que Ceuta e Melilla "são Espanha, ponto", depois de confrontado com documentos diplomáticos marroquinos que asseguram à ONU que Marrocos não tem fronteiras terrestres com Espanha.

O governo marroquino já corrigiu os documentos, mas a declaração de Sánchez teve um reforço dias depois, quando o mesmo Conselho de Ministros que desbloqueou apoios para Marrocos aprovou também os prometidos planos de desenvolvimento para Ceuta e Melilla, que preveem mais de 711 milhões de euros para as duas cidades, entre 2023 e 2026.

As verbas vão servir para fortalecer serviços públicos, responder a carências de infraestruturas e impulsionar "o progresso económico e social" de Ceuta e Melilla, segundo o Governo espanhol.

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