Uma mulher corre por uma colina, cada vez mais depressa, cada vez mais depressa. Parece que vai sair do chão e começar a voar, o lenço que lhe cobre o cabelo liberta-se e voa também, para longe. Parece a descrição de um ato de rebeldia como aqueles que estão a acontecer no Irão, mas esta página do livro de Ava Homa, sobre a vida de uma adolescente e depois jovem no Irão dos anos 2000, não acaba bem.
“Daughters of Smoke and Fire”, ou “Filhas do Fumo e do Fogo” (sem edição em português) é um importante relato, baseado em acontecimentos reais, alguns retirados da própria história familiar de Homa, que mostra quantos caminhos se fecham quando se nasce mulher. Como a protagonista, Leila, Ava é curda, também o seu pai foi preso quando ela era criança, também a sua família pagou um preço alto pela luta política. Ava fugiu para o Canadá, mas a sua personagem não. Só lhe restou voar colina abaixo.
Quando decidiu que tinha de deixar o Irão?
Deixei o Irão em 2017, era professora de inglês. Nos meus tempos de estudante escrevia em jornais, e sempre fui ativista, apesar de não falar disso em público. Recolhíamos assinaturas para mudar as leis que mais afetavam mulheres, mas tudo escondido. As histórias que escrevi foram quase todas censuradas. Fui perseguida por todo o tipo de razões ridículas. No Irão todas as formas de dissidência são sancionadas, mas, se fores mulher, ficam muito mais irritados.
Não esperam que uma mulher seja ativa na política, o nosso trabalho é estar em silêncio, nunca levantar a voz. Todas as minhas profissões foram um problema. Perseguiram-me porque não interrompia as aulas para oração e ensinava livros como “O Triunfo dos Porcos” [distopia de George Orwell sobre controlo social] e depressa entendi que poderia ser presa. Consegui uma bolsa para estudar Escrita Criativa no Canadá. Saí com um visto de estudante, mas pedi depois proteção internacional.
As pessoas perguntam-me, de todo o mundo, quem são estes iranianos que não temem as balas. E a resposta é que são pessoas que já sofreram muito mais do que as coisas que eu digo no meu livro.
Não viu forma de continuar a sua carreira no Irão?
Não. Sei que o impacto da literatura não é tão imediato como o do jornalismo, por exemplo, mas considero que é forte na mesma, e que é a contribuição que devo e posso dar para a luta dos iranianos. Enquanto escrevia o livro estive sempre muito consciente do meu papel como ponte entre a sociedade curda iraniana e o resto do mundo e percebi que o meu papel é único, porque muitas pessoas que viveram tanto tempo quanto eu no Irão tinham limitações no seu inglês, e as outras que podiam comunicar bem tinham crescido na diáspora, logo, com menos ligações à realidade no Irão.
Artigo Exclusivo para assinantes
Assine já por apenas 1,63€ por semana.
Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt
Assine e junte-se ao novo fórum de comentários
Conheça a opinião de outros assinantes do Expresso e as respostas dos nossos jornalistas. Exclusivo para assinantes