Liberdade na Internet cai pelo 12.º ano consecutivo, China encabeça repressão online
Protesto da Amnestia Internacional contra a censura da Internet na China
GREG WOOD/AFP/Getty Images
China é campeã da censura digital, indica relatório da organização Freedom House. Análise a 70 países revela ligeiras melhorias, mas sobretudo estratégias como dividir a internet para melhor a controlar
A liberdade global na internet diminuiu pelo 12.º ano consecutivo, com os direitos humanos em ambiente digital degradarem-se em 28 países e os governos a aumentar a repressão em espaços virtuais, alertou a Freedom House esta terça-feira. No seu relatório anual, “Liberdade na Rede 2022: Contrariando uma revisão autoritária da Internet”, a organização sem fins lucrativos com sede em Washington indicou que os países que mais pioraram neste indicador foram Rússia, Mianmar, Sudão e Líbia. A China continua a ser, pelo oitavo ano seguido, o país com o ambiente online mais repressivo do mundo.
“Em pelo menos 53 países, os utilizadores enfrentaram repercussões legais por se expressarem na net, muitas vezes levando a penas de prisão draconianas”, lamentou a organização. O relatório sublinha que os governos estão a dividir a internet global para criar espaços mais controláveis.
“Um número recorde de governos nacionais bloqueou sites com conteúdo político, social ou religioso não violento, minando os direitos de liberdade de expressão e acesso à informação. A maioria desses bloqueios visava fontes fora do país. Novas leis nacionais representam uma ameaça adicional ao livre fluxo de informações, ao centralizar a infraestrutura técnica e ao aplicar regulamentações a plataformas de redes sociais e dados de utilizadores”, lê-se no documento.
Maior quebra da liberdade na Rússia
A queda mais acentuada na liberdade na internet ocorreu na Rússia. O Kremlin intensificou esforços “para sufocar a oposição doméstica e amordaçar a imprensa independente após a sua invasão ilegal e não provocada da Ucrânia”, apontou a Freedom House.
Numa visão mais global, estima que dos mais de 4500 milhões de pessoas com acesso à internet no mundo, 76% vivem em países onde indivíduos foram detidos ou presos por publicarem conteúdo sobre questões políticas, sociais ou religiosas, e 64% residem em Estados onde pessoas foram atacadas ou mortas pelas suas atividades online desde junho de 2021.
“O declínio global foi impulsionado por líderes repressivos nos seus países e no cenário internacional, onde procuraram dividir a internet aberta numa ‘manta de retalhos’ de enclaves repressivos que promovam os seus interesses e consolidem o seu poder”, observou a Freedom House. O relatório identifica três causas principais de fragmentação: restrições ao fluxo de notícias e informações, controlo estatal centralizado sobre a infraestrutura da Internet e barreiras às transferências internacionais de dados de utilizadores.
Um número crescente de utilizadores só tem acesso a um espaço online, que reflete as visões do seu Governo e os seus interesses. “Diplomatas da China e da Rússia fizeram incursões em instituições como a União Internacional de Telecomunicações [UIT], procurando transformar a agência das Nações Unidas num regulador global da internet que promova interesses autoritários”, denuncia-se no relatório.
Apesar do cenário negativo, um número recorde de 26 países tiveram melhorias na liberdade na internet. Duas das maiores melhorias ocorreram na Gâmbia e no Zimbabué. A Islândia foi, mais uma vez, o país com melhor desempenho. “Apesar do declínio global geral, as organizações da sociedade civil em muitos países têm feito esforços colaborativos para melhorar a legislação, desenvolver a resiliência dos media e garantir a responsabilidade entre as empresas de tecnologia. Ações coletivas bem-sucedidas contra o desligamento da Internet garantiram um modelo para mais progresso noutros problemas, como spyware comercial.”
Nos Estados Unidos, a liberdade na Internet melhorou ligeiramente, pela primeira vez em seis anos. A poucas semanas das eleições para o Congresso, agendadas para 8 de novembro, “o ambiente online estava repleto de desinformação política, teorias da conspiração e assédio online direcionado a oficiais e funcionários eleitorais”.
O relatório da Freedom House é um dos principais estudos anuais sobre direitos humanos na esfera digital, examinando tendências globais, descobertas específicas sobre cada país e melhores práticas sobre como proteger os direitos humanos online. Resulta de uma análise feita entre junho de 2021 e maio de 2022 e analisa a liberdade na internet em 70 países, representando 89% dos utilizadores de internet do mundo. Avalia ainda como os governos exercem controlo sobre o que milhares de milhões de pessoas podem consultar e partilhar online, inclusive bloqueando sites estrangeiros, acumulando dados pessoais e aumentando o controlo sobre a infraestrutura técnica dos seus países.
O documento atribui à China o pior ambiente do mundo para a liberdade na internet pelo oitavo ano consecutivo. “A censura intensificou-se durante os Jogos Olímpicos de Pequim 2022 e depois de a tenista Peng Shuai acusar um alto funcionário do Partido Comunista Chinês [PCC] de agressão sexual. O Governo continuou a reforçar o seu controlo sobre o crescente setor de tecnologia do país, incluindo de novas regras que exigem que as plataformas usem os seus sistemas algorítmicos para promover a ideologia do PCC.”
Também o conteúdo relacionado com a covid-19 permaneceu fortemente censurado. Além disso, jornalistas, ativistas de direitos humanos, membros de grupos religiosos e minorias étnicas e civis foram detidos por partilharem conteúdo virtual, tendo alguns enfrentado duras penas de prisão.
Segundo a Freedom House, funcionários do Executivo chinês instituíram novas políticas para aumentar o controlo sobre as empresas de tecnologia do país. O principal regulador da Internet emitiu orientações exigindo que as plataformas alinhem os seus sistemas de moderação e recomendação de conteúdo com o “Pensamento Xi Jinping” – a ideologia oficial do atual líder do PCC, consagrada na Constituição do país.
“Outro conjunto de projetos de regras imporia pesadas penalidades às empresas que permitem que os utilizadores chineses de internet contornem a ‘Great Firewall’ [conjunto de mecanismos de controlo]. Enquanto isso, a estrutura de proteção de dados do país, que entrou em vigor em novembro de 2021, estabeleceu salvaguardas básicas para dados pessoais mantidos por empresas chinesas, embora sem aplicar os mesmos padrões aos dados mantidos ou solicitados pelo Governo”, sublinha o relatório.
A Freedom House garante que regimes autoritários em países como China, Irão e Rússia estão a tentar isolar o seu povo do resto do mundo. “Na China, o Governo tem tido bastante êxito ao combinar a censura sistemática de serviços estrangeiros com investimentos robustos em plataformas domésticas que estão em dívida com o partido no poder.”
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