Internacional

Dos combustíveis às escolas, transportes e energia: França paralisada por greve em "semana de fogo" para governo

Manifestação em Paris nesta terça-feira. No cartaz lê-se: "Bruno LeMaire (ministro da Economia), dá-me o meu salário"
Manifestação em Paris nesta terça-feira. No cartaz lê-se: "Bruno LeMaire (ministro da Economia), dá-me o meu salário"
BENOIT TESSIER

Inflação e descontentamento aumentam pressão sobre governo que quer aprovar reformas polémicas. Teme-se regresso do movimento dos coletes amarelos

França está esta terça-feira paralisada por uma greve em vários sectores que se estende a pelo menos 140 cidades. A paralisação ocorre dois dias após a "marcha contra o alto custo de vida e a inação climática", organizada pela Nupes (aliança de esquerda do Parlamento francês), que diz ter reunido mais de 140 mil pessoas em Paris, no domingo.

A greve desta terça foi convocada pelos quatro maiores sindicatos franceses (CGT, FO, FSU e Solidaires). O movimento começou nas refinarias francesas, que estão já na terceira semana consecutiva de paralisação.

Os trabalhadores da Esso-Exxo-Mobile entraram em greve a 21 de setembro para exigirem aumentos salariais de 7,5%. Na passada sexta-feira, chegaram a acordo com os patrões para um aumento de 6,5% e um bónus de três mil euros. Contudo, os trabalhadores da concorrente TotalEnergies mantiveram a exigência inicial de um aumento de 10%, tendo rejeitado a proposta dos patrões (para um aumento geral de 5% e individual de 2%) e mantendo a paralisação.

Os grevistas argumentam que a inflação de cerca de 6% em França desvalorizou os seus salários e lembram que a empresa registou lucros a rondar os 11 mil milhões de euros no primeiro semestre de 2022. Denunciam igualmente que o CEO da multinacional Patrick Pouyanné aumentou o seu próprio ordenado em 52% durante o ano passado, estando agora a receber - segundo a comunicação social francesa - 500 mil euros mensais.

Como consequência, quatro das sete refinarias do país continuam a ser afetadas pela greve enquanto as outras três (controladas pela Esso-Exxo-Mobile e Grupo Petroineos) já retomaram as operações, indica o Le Figaro. Ainda assim, esta segunda-feira, cerca de 30% dos postos de abastecimento estavam a ser afetados e falta diesel em várias cidades, de acordo com a AFP.

Os trabalhadores das refinarias e depósitos em greve reunem-se esta terça-feira ao final do dia para tomar decisões sobre a paralisação. "Vamos ver o que vem a seguir, se continuamos, ou não, ou parcialmente. Depende, em particular do dia de hoje, dá impulso e há sempre esse sentimento de raiva. Veremos se isso é suficiente para empurrar o movimento. E, no final das contas, são os funcionários que votarão ”, disse Eric Sellini (coordenador da CGT na TotalEnergies).

Durante esta segunda-feira, o ministro da Economia francês, Bruno Le Maire, subiu o tom ao afirmar que “acabou o tempo de negociação” nas refinarias. "É preciso libertar os depósitos de combustível, as refinarias que estão bloqueadas", disse no canal BFMTV.

No mesmo dia, o governo anunciou medidas. "Estamos a fazer isto pelos franceses, não contra os grevistas. As requisições são absolutamente necessárias para que as pessoas possam continuar a ir para o trabalho e aceder às suas necessidades básicas", justificou a ministra da Transição Energética, Agnès Pannier-Runacher.

Fora das refinarias, a greve manifesta-se esta terça-feira nos vários sectores da sociedade. A falta de combustíveis está a dificultar a mobilidade dos franceses, uma vez que também os transportes estão em greve.

Os comboios regionais e inter-cidades não estão a funcionar, enquanto os serviços low cost dos comboios de alta velocidade e as ligações a Espanha e Reino Unido estão a sofrer perturbações. Na região de Paris, os RER (rede ferroviária urbana que liga Paris à periferia), elétricos e autocarros também estão condicionados

A paralisação alarga-se também a outros sectores da sociedade, num momento de crescente tensão de social.

Em várias regiões, as escolas públicas do ensino básico anunciaram que estariam fechadas durante a tarde desta segunda-feira. A paralisação afeta também creches e pré-primárias, assim como o ensino médio técnico (que segundo os sindicatos se junta à paralisação porque os planos de reforma irão resultar no encerramento de vários serviços).

Segundo o The New York Times, também alguns estudantes do ensino secundário estão a participar nas manifestações a acontecer por todo o país. Algumas escolas foram bloqueadas pelos alunos que denunciam que as mudanças na política sobre a educação estão a tornar a vida dos estudantes mais precária. Protestam igualmente contra a violência policial.

No sector energético, os profissionais da distribuição da energia elétrica e de gás também anunciaram a participação. A AFP noticiava esta segunda-feira que haveria a possibilidade de cortes energéticos para certas empresas. Metade das 18 centrais nucleares foram igualmente visadas.

Participam na greve também os trabalhadores do sector público, incluindo nos serviços de limpeza urbana, serviços técnicos, administrativos e bibliotecas.

Houve igualmente convocatórias para os sectores do comércio e serviços.

Com o aumento da inflação e descontentamento, teme-se um retorno do movimento dos “coletes amarelos” que afetou o país em 2018 e 2019, noticia o POLITICO. Também na altura, uma manifestação contra um novo imposto transformou-se num movimento mais alargado que ficou marcado por violentos protestos que se prolongaram por semanas. Desta vez, contudo, a paralisação nas refinarias é menos popular entre os franceses por estar a causar perturbações no dia a dia das famílias, salienta um especialista ouvido por esta publicação.

Os próximos dias contudo advinham-se difíceis para o governo, com o Le Monde a antecipar “uma semana de fogo” para o executivo de Macron. “Vamos ter uma semana como nenhuma outra. Tudo começa a alinhar-se. Começamos nesta marcha”, dizia um dos líderes da Nupes, Jean-Luc Mélenchon, à multidão em Paris no domingo.

O governo de Emmanuel Macron está esta semana a tentar aprovar o orçamento de Estado e quer avançar com um polémico plano de reformas para as pensões e educação.

Nas eleições de junho, o Presidente falhou na obtenção de uma maioria do parlamento. Assim, antecipa-se que Macron irá recorrer à clausula 49.3 da constituição, que permitiria aprovar o orçamento sem votação. Apesar deste mecanismo já ter sido ativado 60 vezes desde que foi aprovado em 1958, a sua utilização neste momento de elevada tensão social e sem maioria parlamentar está a ser amplamente contestada tanto pela oposição como pelos manifestantes que estão nas ruas.

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