Este congresso é para velhos: a voz do mais velho ex-dirigente do PC Chinês, com 105 anos, ainda é ouvida
Song Ping, o segundo a contar da direita, marcou presença no XX Congresso Nacional do Partido Comunista Chinês, no dia 16 de outubro
NOEL CELIS
Song Ping, de 105 anos, privou com todos os líderes desde a proclamação da República Popular da China, entre eles o mítico Mao Zedong e o atual Presidente, Xi Jinping. No passado domingo, esteve presente para ouvir o discurso de Xi naquela que foi a cerimónia de inauguração do XX Congresso Nacional do Partido Comunista Chinês
O XX Congresso Nacional do Partido Comunista Chinês (PCC) arrancou no passado domingo, juntando em Pequim os representantes dos cerca de 96 milhões de militantes do partido que governa o país desde 1949, data em que a República Popular da China foi oficialmente proclamada.
No total, são 2296 delegados, e alguns deles irão ascender aos mais altos órgãos do PCC ao longo da próxima semana - o período de tempo esperado até à conclusão do evento. No dia inaugural do Congresso, porém, outro delegado chamou à atenção, este sem qualquer aspiração futura a um lugar de destaque na máquina partidária comunista. Trata-se de Song Ping, de 105 anos, o mais velho ex-dirigente do PCC a marcar presença na reunião de ontem.
Nascido em 1917, Song Ping é mais velho do que o próprio Partido Comunista Chinês, fundado em 1921. Membro do partido desde 1937, privou com todos os líderes chineses desde a génese da República, entre eles o mítico Mao Zedong e o próprio Xi Jinping, o atual Presidente da China.
Song apareceu destacado na primeira fila do auditório do Grande Salão do Povo, num espaço diretamente atrás do pódio que acolheu o discurso de Xi Jinping e reservado tanto a um grupo seleto de militantes reformados do partido como aos atuais 25 membros do Politburo, o órgão mais importante na definição e execução dos objetivos políticos do país.
Também na primeira fila estavam o ex-Presidente Hu Jintao (2003-2013) e o ex-primeiro-ministro Wen Jiabao (2003-2013), dois quadros comunistas que partilham uma relação próxima com Song Ping. De facto, o centenário chinês sempre foi conhecido pelo seu faro político, tendo desempenhado cargos relevantes dentro dos vários departamentos de recursos humanos do PCC nos anos 80 e 90, incluindo no Departamento de Organização do Comité Central, responsável em parte por recomendar que membros devem ser promovidos.
Nesse papel, foi o principal responsável pelas promoções de Hu e Wen a cargos de destaque, através dos quais basearam a sua candidatura a posições de liderança na estrutura do partido. Por este talento, Song ganhou a alcunha de “o maior Bo Le da política chinesa", uma referência ao famoso avaliador de cavalos chinês Bo Le, que terá vivido no século VII a.C. e dá nome a um provérbio mandarim usado para elogiar a capacidade de descobrir novos talentos - “Bo Le sabe de cavalos".
Após a passagem pelo Departamento de Organização do Comité Central, a carreira do ex-dirigente do PCC culminou numa estadia de três anos no Comité Permanente do Politburo (1899-1992), o órgão de topo no partido. Reformou-se em 1992, com 75 anos.
Tradicionalmente longe de se afastarem da vida pública, os membros reformados exercem um papel importante nos destinos do país. Muitos deles têm uma influência direta na escolha dos novos membros do Comité Permanente do Politburo e do Comité Central, que, por sua vez, decide a composição do Politburo. Alguns têm ainda acesso a documentos confidenciais do PCC, permitindo-lhes sugerir à liderança as medidas económicas e políticas com que mais se identificam.
Até agora, a maioria acatou as instruções do líder comunista, mas o potencial para causar disrupção continua latente. O próprio Song Ping foi alegadamente filmado em setembro deste ano a proferir declarações que alguns analistas interpretaram como críticas para com Xi Jinping, dizendo que o único caminho para a China é a “reforma e a abertura". Apesar disso, muitos lembram que Xi é conhecido por usar expressões semelhantes, pelo que não é claro se a frase do ex-membro do Politburo representa uma crítica.
No entanto, o secretário-geral reconhece o perigo que os membros reformados representam, especialmente em termos simbólicos. Uma nota de discórdia vinda de um deles poderia abalar a imagem de unidade meticulosamente projetada pela máquina comunista, daí a habitual insistência para que os ex-dirigentes marquem presença nos Congressos Nacionais. Esta estratégia, contudo, parece estar a surtir efeito: Song Ping e os seus congéneres servem hoje como meros adereços políticos, estando mais longe do poder do que em qualquer ponto no passado.
Xi Jinping no Parlamento chinês em 2018. Passados quatro anos, o seu poder foi muito reforçado
NICOLAS ASFOURI/AFP/Getty Images
No passado domingo, o discurso de Xi refletiu precisamente esse fosso, prestes a ser alargado quando o líder chinês assumir um terceiro mandato de cinco anos - um claro desvio da constituição do próprio PCC, que, até ser alterada em 2018, previa um limite de dois mandatos por secretário-geral. Ao longo de duas horas, ignorou as críticas da comunidade internacional e traçou um roteiro para os próximos cinco anos caracterizado pela continuidade face às medidas já anunciadas e implementadas nos últimos meses.
Em resumo: a política de “covid-zero” vai prosseguir, mesmo pondo em causa a trajetória de crescimento económico. Sobre Taiwan, a China “nunca renunciará ao uso da força” para unir a ilha com o continente. Já a estratégia de combate à corrupção, veículo utilizado por Xi para afastar alguns dos seus potenciais opositores internos, "foi amplamente consolidada, eliminando os graves perigos latentes dentro do Partido, do Estado e do exército". E em Hong Kong, ações como a detenção de ativistas pró-democracia e a repressão de protestos pacíficos asseguraram uma “grande transição do caos para a governação” e marcaram “uma mudança para melhor na região”.
Texto de José Gonçalves Neves, editado por João Pedro Barros
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