“Esperança” é a palavra mais ouvida no estado de Alagoas, na região nordeste do Brasil, junto dos que apoiam o candidato do Partido dos Trabalhadores (PT, esquerda), Lula da Silva, nas eleições presidenciais de 2 de outubro. O apoio ao ex-Presidente, que representa uma viragem em relação ao Governo de Jair Bolsonaro, é visível entre populares, mas também junto de políticos, e, apesar de recolher o favoritismo nas sondagens, o resultado final é considerado uma incógnita, devido ao ambiente polarizado que se criou.
“Torço para que o Lula ganhe numa primeira volta e tenho esperança de que possa fazer as mudanças económicas necessárias, no sentido de gerar emprego e combater a fome”, considera Renan Filho, que foi prefeito, deputado federal e governador de Alagoas durante seis anos. Deixou boas memórias com as suas políticas, que tornaram o estado do nordeste, que era um dos mais perigosos do Brasil e conhecido como “terra de coronéis”, num dos que são hoje considerados dos mais seguros.
Renan Filho, agora candidato a senador federal, afirma que a prioridade está em “acabar com o orçamento secreto criado pelo Governo de Bolsonaro, que é um cancro para o país”. O político garante que “a reforma tributária, com políticas públicas para os mais pobres, será a principal medida para o primeiro ano do Governo de Lula”.
Contra o discurso do ódio
“Bolsonaro não conseguiu lidar bem com as dificuldades que o mundo enfrenta, como a pandemia e essa guerra que vivemos”, salienta o emblemático ex-governador de Alagoas. “E o seu Governo propaga o ódio, o que é muito ruim. Sinto que o Brasil precisa de um Presidente mais humano, mais generoso, capaz de unir em vez de desunir. A região do nordeste, que é uma das mais pobres do país, certamente será muito olhada pelo Presidente Lula.”
"O Governo de Bolsonaro não conseguiu lidar bem com as dificuldades que o mundo enfrenta, como a pandemia e a guerra que vivemos. O Brasil precisa de um Presidente mais humano, mais generoso, capaz de unir em vez de desunir", considera Renan Filho, ex-governador de Alagoas
“Precisamos de corrigir o rumo do Brasil, tirando o Presidente Bolsonaro e trazendo de volta o Lula”, concorda Paulo Dantas, atual governador de Alagoas. Foi eleito em maio para substituir Renan Filho, e é candidato à reeleição nas eleições de outubro.
“Temos de momento um Governo autoritário, que no plano económico criou um desequilíbrio fiscal, tirando dinheiro do que é essencial, como saúde e educação, e até cortou recursos em atividades que já estavam em andamento nas universidades”, aponta Dantas. “Num momento difícil como o da pandemia, em que morreu muita gente, Bolsonaro foi contra a ciência e a medicina, em particular no uso de máscara, e não incentivou a vacinação.”
Na perspetiva de Dantas, que também foi prefeito e deputado federal, “o Brasil precisa de encarar o mundo mais adiante, e Lula tem esse perfil, já demonstrou que tem condições de promover uma melhor governança, e quer investir mais em ciência, na cultura, nas artes, ou em dar condições necessárias de educação às crianças e jovens”.
“Lula também irá investir fortemente em infraestruturas para obras que possam gerar emprego e renda. Temos um débito social enorme no Brasil, e não podemos de uma hora para a outra enveredar por políticas neoliberais”, realça o governador de Alagoas.
Olhar mais de 20 milhões de famílias carenciadas
No amplo ato eleitoral — em que, além do Presidente, serão eleitos deputados federais e estaduais, governadores e senadores — o ambiente é de radicalização de posições entre os que apoiam Bolsonaro ou Lula, ao ponto de o tema ser quase um tabu em conversas sociais, ou até dividindo famílias.
“Criou-se um ambiente muito polarizado. Existe um grande fanatismo pró-Bolsonaro e pró-Lula, que impede que a reflexão se centre num Presidente que faça o melhor pelo Brasil”, nota Marcius Beltrão, ex-secretário de Turismo do estado de Alagoas e ex-prefeito do município de Penedo, que em agosto desistiu de disputar o mandato como deputado federal. “O próximo Presidente da República tem um grande desafio pela frente, de unir o país e colocar de volta a esperança na cabeça dos brasileiros.”
“No grande labirinto em que o nosso país se encontra, precisamos é de um líder, para que não haja tantas diferenças sociais. O Presidente tem um papel fundamental para unir as pessoas em torno de causas. E sem esquecer que o Brasil passa um momento difícil, com mais de 20 milhões de famílias em situação de vulnerabilidade social”, aponta Beltrão, destacando a necessidade de resgatar “o respeito da comunidade internacional” pelo Brasil, que frisa ter caído com Bolsonaro, a par do “respeito pelo ambiente, as mulheres ou as minorias”.
"Existe um grande fanatismo pró-Bolsonaro e pró-Lula. No grande labirinto em que o nosso país se encontra, precisamos é de um líder, para que não hajam tantas diferenças sociais", nota Marcius Beltrão, ex-prefeito de Penedo
O seu voto vai para Lula ou Bolsonaro? “Nenhum dos dois, votaria no Ciro Gomes, nome do centro-esquerda que olha o povo e também o empresariado, tem uma visão de colocar o produto brasileiro no mercado internacional, num modelo com menos impostos”, explicita Beltrão. Na cegueira do ambiente eleitoral que se vive, explica, “as pessoas votam no Bolsonaro para não elegerem Lula, e Deus permita que ganhe o que seja melhor Presidente para o povo, não para os políticos”.
Apesar de o candidato do PT ser favorito nas sondagens, o resultado final das eleições prevê-se “muito disputado, os grandes empresários no Brasil apoiam Bolsonaro, mas o povo está com Lula”, nota Mozart Luna, jornalista do estado de Alagoas especializado em turismo. Sublinha que o atual Presidente “conseguiu fazer um jogo de matemática, cortou o imposto sobre circulação de mercadorias e serviços [ICMS], com isso o combustível baixou 50% e a inflação também caiu, essa foi a sua grande jogada”.
“Vivemos hoje no Brasil um cenário político muito polarizado, temos de volta os fatores de capital e de trabalho no conflito de que falava Karl Marx”, conclui o jornalista.
Desfazer os “retrocessos” na cultura
Nos meios culturais e académicos, também é notório o apoio dos nordestinos a Lula, pelo descontentamento face à situação atual. “Um dos grandes retrocessos do Brasil com o bolsonarismo foi na cultura, que sensibiliza o povo para a crítica, e tudo o que uma sociedade tirana precisa é de eliminar a cultura”, considera Bárbara Carine Pinheiro, escritora e professora da Universidade Federal da Bahia. Foi fundadora da primeira escola afro-brasileira no país, em Salvador, a Escolinha Maria Felipa.
“O Governo de Lula terá de desfazer toda a desgraça dos últimos seis anos, e um dos pleitos da sociedade civil é o investimento em saúde e educação”, sustenta Pinheiro. “Havia políticas públicas em curso nas universidades, bolsas de estudo ou programas de intercâmbio, e tudo isso cessou, houve um total congelamento de verbas em educação, e também na saúde.”
Se Lula ficou com a imagem manchada há alguns anos com escândalos como o do ‘Mensalão’ — acabando por ser libertado da prisão e isento de culpas perante a justiça — esse não é mais o foco dos brasileiros, segundo a escritora. “O povo quer é voltar a ter carne na mesa, poder mobilar a casa ou apoiar os filhos nos estudos, e por isso está do lado do Lula”, sublinha Pinheiro.
“Do ponto de vista moral, o bolsonarismo é um movimento de validação da violência”, constata a universitária. “É esta ideologia da violência que está na base de processos de discriminação contra a população negra ou indígena. Mesmo quando o Lula tomar posse, a 1 de janeiro, as pessoas vão continuar reverberando ódio. Isto não acaba de um dia para o outro.”
Na perspetiva do filósofo Tiago Teixeira, “o Brasil tem passado por cima de muitas mazelas que têm de ser solucionadas, e viveu um retrocesso nestes anos de Bolsonaro”. O também professor universitário prossegue: “Se ele continuar, iremos regredir aos tempos anteriores a Pedro Álvares Cabral. Tenho muita esperança no Lula, mas vivemos numa bolha: a coisa ainda não está ganha”.
Falando com o povo, a tónica cai sempre no aumento dos preços que tem tornado a vida dura aos mais pobres. “Quero que as coisas melhorem, da maneira que está é impossível para quem precisa de comprar comida ou pagar o colégio”, diz Eduardo Faustino, oleiro de Alagoas. A situação é grave, diz, “particularmente para nós, artesãos, que não vendemos um produto de primeira necessidade”.
“Não tenho dúvidas que o Lula vai ganhar, é o favorito, pelo menos aqui no nordeste”, refere. Quer ver mudanças “sobretudo a nível de emprego, estamos numa situação difícil por conta de tanto desemprego”.
Também Marília Lauane, empregada de mesa do resort Vila Galé Alagoas em Maceió, sublinha que “com o Bolsonaro veio o aumento de tudo, e nós, nordestinos, que somos a população mais pobrezinha, gostamos muito do Lula, ele ajudou muito no preço da gasolina ou da comida”.
“Com o Bolsonaro veio o aumento de tudo. Nós, nordestinos, somos a população mais pobrezinha e gostamos muito do Lula”, destaca Marília Lauane, empregada de mesa.
Para o grupo português Vila Galé, que inaugurou em agosto um espaço em Maceió, no estado de Alagoas, a sua décima unidade hoteleira no Brasil, onde atua há 20 anos, ter de lidar com mudanças políticas no ‘país-irmão’ não é novidade. “Estamos com investimentos grandes no Brasil e vamos continuar a fazê-los, seja qual for o desfecho das eleições. Já passámos por várias situações aqui”, garante Jorge Rebelo de Almeida, presidente da Vila Galé.
“O que achava importante para o Brasil é que não houvesse uma radicalização política tão grande, e esta eleição vai ser uma grande incógnita até ao último minuto”. faz notar o hoteleiro português. “Não podemos tomar partido, o povo é que vai escolher no exercício da democracia, e o nosso negócio no Brasil vai continuar, com crise ou sem crise.”
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