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O nordeste brasileiro que apoia Lula como Presidente: “O povo quer é voltar a ter carne na mesa”

Lula da Silva junto de populares em Penedo, no estado de Alagoas, numa imagem de arquivo
Lula da Silva junto de populares em Penedo, no estado de Alagoas, numa imagem de arquivo
PAULO WHITAKER/Reuters
No estado de Alagoas, onde o grupo português Vila Galé inaugurou um resort, grande parte da população, incluindo políticos, quer mudanças de fundo com o candidato do Partido dos Trabalhadores como chefe de Estado. Mas as presidenciais brasileiras preveem-se renhidas e a radicalização entre apoiantes de Lula e de Bolsonaro até está a dividir famílias

“Esperança” é a palavra mais ouvida no estado de Alagoas, na região nordeste do Brasil, junto dos que apoiam o candidato do Partido dos Trabalhadores (PT, esquerda), Lula da Silva, nas eleições presidenciais de 2 de outubro. O apoio ao ex-Presidente, que representa uma viragem em relação ao Governo de Jair Bolsonaro, é visível entre populares, mas também junto de políticos, e, apesar de recolher o favoritismo nas sondagens, o resultado final é considerado uma incógnita, devido ao ambiente polarizado que se criou.

“Torço para que o Lula ganhe numa primeira volta e tenho esperança de que possa fazer as mudanças económicas necessárias, no sentido de gerar emprego e combater a fome”, considera Renan Filho, que foi prefeito, deputado federal e governador de Alagoas durante seis anos. Deixou boas memórias com as suas políticas, que tornaram o estado do nordeste, que era um dos mais perigosos do Brasil e conhecido como “terra de coronéis”, num dos que são hoje considerados dos mais seguros.

Renan Filho, agora candidato a senador federal, afirma que a prioridade está em “acabar com o orçamento secreto criado pelo Governo de Bolsonaro, que é um cancro para o país”. O político garante que “a reforma tributária, com políticas públicas para os mais pobres, será a principal medida para o primeiro ano do Governo de Lula”.

Contra o discurso do ódio

“Bolsonaro não conseguiu lidar bem com as dificuldades que o mundo enfrenta, como a pandemia e essa guerra que vivemos”, salienta o emblemático ex-governador de Alagoas. “E o seu Governo propaga o ódio, o que é muito ruim. Sinto que o Brasil precisa de um Presidente mais humano, mais generoso, capaz de unir em vez de desunir. A região do nordeste, que é uma das mais pobres do país, certamente será muito olhada pelo Presidente Lula.”

"O Governo de Bolsonaro não conseguiu lidar bem com as dificuldades que o mundo enfrenta, como a pandemia e a guerra que vivemos. O Brasil precisa de um Presidente mais humano, mais generoso, capaz de unir em vez de desunir", considera Renan Filho, ex-governador de Alagoas

“Precisamos de corrigir o rumo do Brasil, tirando o Presidente Bolsonaro e trazendo de volta o Lula”, concorda Paulo Dantas, atual governador de Alagoas. Foi eleito em maio para substituir Renan Filho, e é candidato à reeleição nas eleições de outubro.

“Temos de momento um Governo autoritário, que no plano económico criou um desequilíbrio fiscal, tirando dinheiro do que é essencial, como saúde e educação, e até cortou recursos em atividades que já estavam em andamento nas universidades”, aponta Dantas. “Num momento difícil como o da pandemia, em que morreu muita gente, Bolsonaro foi contra a ciência e a medicina, em particular no uso de máscara, e não incentivou a vacinação.”

À direita, Renan Filho, ex-governador de Alagoas, com Paulo Dantas, atual governador (ambos apoiantes de Lula), Jorge Rebelo de Almeida, presidente da Vila Galé, e o filho Gonçalo, administrador do grupo
V.G.

Na perspetiva de Dantas, que também foi prefeito e deputado federal, “o Brasil precisa de encarar o mundo mais adiante, e Lula tem esse perfil, já demonstrou que tem condições de promover uma melhor governança, e quer investir mais em ciência, na cultura, nas artes, ou em dar condições necessárias de educação às crianças e jovens.

Lula também irá investir fortemente em infraestruturas para obras que possam gerar emprego e renda. Temos um débito social enorme no Brasil, e não podemos de uma hora para a outra enveredar por políticas neoliberais”, realça o governador de Alagoas.

Olhar mais de 20 milhões de famílias carenciadas

No amplo ato eleitoral em que, além do Presidente, serão eleitos deputados federais e estaduais, governadores e senadores o ambiente é de radicalização de posições entre os que apoiam Bolsonaro ou Lula, ao ponto de o tema ser quase um tabu em conversas sociais, ou até dividindo famílias.

Criou-se um ambiente muito polarizado. Existe um grande fanatismo pró-Bolsonaro e pró-Lula, que impede que a reflexão se centre num Presidente que faça o melhor pelo Brasil, nota Marcius Beltrão, ex-secretário de Turismo do estado de Alagoas e ex-prefeito do município de Penedo, que em agosto desistiu de disputar o mandato como deputado federal. O próximo Presidente da República tem um grande desafio pela frente, de unir o país e colocar de volta a esperança na cabeça dos brasileiros.

No grande labirinto em que o nosso país se encontra, precisamos é de um líder, para que não haja tantas diferenças sociais. O Presidente tem um papel fundamental para unir as pessoas em torno de causas. E sem esquecer que o Brasil passa um momento difícil, com mais de 20 milhões de famílias em situação de vulnerabilidade social”, aponta Beltrão, destacando a necessidade de resgatar o respeito da comunidade internacional” pelo Brasil, que frisa ter caído com Bolsonaro, a par do respeito pelo ambiente, as mulheres ou as minorias.

"Existe um grande fanatismo pró-Bolsonaro e pró-Lula. No grande labirinto em que o nosso país se encontra, precisamos é de um líder, para que não hajam tantas diferenças sociais", nota Marcius Beltrão, ex-prefeito de Penedo

O seu voto vai para Lula ou Bolsonaro? Nenhum dos dois, votaria no Ciro Gomes, nome do centro-esquerda que olha o povo e também o empresariado, tem uma visão de colocar o produto brasileiro no mercado internacional, num modelo com menos impostos, explicita Beltrão. Na cegueira do ambiente eleitoral que se vive, explica, as pessoas votam no Bolsonaro para não elegerem Lula, e Deus permita que ganhe o que seja melhor Presidente para o povo, não para os políticos.

Apesar de o candidato do PT ser favorito nas sondagens, o resultado final das eleições prevê-se “muito disputado, os grandes empresários no Brasil apoiam Bolsonaro, mas o povo está com Lula”, nota Mozart Luna, jornalista do estado de Alagoas especializado em turismo. Sublinha que o atual Presidente “conseguiu fazer um jogo de matemática, cortou o imposto sobre circulação de mercadorias e serviços [ICMS], com isso o combustível baixou 50% e a inflação também caiu, essa foi a sua grande jogada”.

Os professores universitários Bárbara Pinheiro (ao centro) e Tiago Teixeira (à esq.) frisam que o bolsonarismo paralisou o investimento em educação
C.A.

“Vivemos hoje no Brasil um cenário político muito polarizado, temos de volta os fatores de capital e de trabalho no conflito de que falava Karl Marx”, conclui o jornalista.

Desfazer os “retrocessos” na cultura

Nos meios culturais e académicos, também é notório o apoio dos nordestinos a Lula, pelo descontentamento face à situação atual. “Um dos grandes retrocessos do Brasil com o bolsonarismo foi na cultura, que sensibiliza o povo para a crítica, e tudo o que uma sociedade tirana precisa é de eliminar a cultura”, considera Bárbara Carine Pinheiro, escritora e professora da Universidade Federal da Bahia. Foi fundadora da primeira escola afro-brasileira no país, em Salvador, a Escolinha Maria Felipa.

O Governo de Lula terá de desfazer toda a desgraça dos últimos seis anos, e um dos pleitos da sociedade civil é o investimento em saúde e educação”, sustenta Pinheiro. Havia políticas públicas em curso nas universidades, bolsas de estudo ou programas de intercâmbio, e tudo isso cessou, houve um total congelamento de verbas em educação, e também na saúde.

Se Lula ficou com a imagem manchada há alguns anos com escândalos como o do ‘Mensalão’ acabando por ser libertado da prisão e isento de culpas perante a justiça esse não é mais o foco dos brasileiros, segundo a escritora. “O povo quer é voltar a ter carne na mesa, poder mobilar a casa ou apoiar os filhos nos estudos, e por isso está do lado do Lula”, sublinha Pinheiro.

“Da maneira que está, o custo de vida é impossível para quem tem de comprar comida ou pagar colégio”, frisa o artesão Eduardo Faustino

“Do ponto de vista moral, o bolsonarismo é um movimento de validação da violência”, constata a universitária. “É esta ideologia da violência que está na base de processos de discriminação contra a população negra ou indígena. Mesmo quando o Lula tomar posse, a 1 de janeiro, as pessoas vão continuar reverberando ódio. Isto não acaba de um dia para o outro.”

Na perspetiva do filósofo Tiago Teixeira, “o Brasil tem passado por cima de muitas mazelas que têm de ser solucionadas, e viveu um retrocesso nestes anos de Bolsonaro. O também professor universitário prossegue: Se ele continuar, iremos regredir aos tempos anteriores a Pedro Álvares Cabral. Tenho muita esperança no Lula, mas vivemos numa bolha: a coisa ainda não está ganha”.

Falando com o povo, a tónica cai sempre no aumento dos preços que tem tornado a vida dura aos mais pobres. “Quero que as coisas melhorem, da maneira que está é impossível para quem precisa de comprar comida ou pagar o colégio”, diz Eduardo Faustino, oleiro de Alagoas. A situação é grave, diz, “particularmente para nós, artesãos, que não vendemos um produto de primeira necessidade”.

“Não tenho dúvidas que o Lula vai ganhar, é o favorito, pelo menos aqui no nordeste”, refere. Quer ver mudanças “sobretudo a nível de emprego, estamos numa situação difícil por conta de tanto desemprego”.

Também Marília Lauane, empregada de mesa do resort Vila Galé Alagoas em Maceió, sublinha que “com o Bolsonaro veio o aumento de tudo, e nós, nordestinos, que somos a população mais pobrezinha, gostamos muito do Lula, ele ajudou muito no preço da gasolina ou da comida”.

“Com o Bolsonaro veio o aumento de tudo. Nós, nordestinos, somos a população mais pobrezinha e gostamos muito do Lula”, destaca Marília Lauane, empregada de mesa.

Para o grupo português Vila Galé, que inaugurou em agosto um espaço em Maceió, no estado de Alagoas, a sua décima unidade hoteleira no Brasil, onde atua há 20 anos, ter de lidar com mudanças políticas no ‘país-irmão’ não é novidade. “Estamos com investimentos grandes no Brasil e vamos continuar a fazê-los, seja qual for o desfecho das eleições. Já passámos por várias situações aqui”, garante Jorge Rebelo de Almeida, presidente da Vila Galé.

“O que achava importante para o Brasil é que não houvesse uma radicalização política tão grande, e esta eleição vai ser uma grande incógnita até ao último minuto”. faz notar o hoteleiro português. “Não podemos tomar partido, o povo é que vai escolher no exercício da democracia, e o nosso negócio no Brasil vai continuar, com crise ou sem crise.”

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: cantunes@expresso.impresa.pt

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