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"Crime de guerra e contra a Humanidade": familiares das vítimas do voo civil abatido pelo Irão pedem justiça a tribunal internacional

"Crime de guerra e contra a Humanidade": familiares das vítimas do voo civil abatido pelo Irão pedem justiça a tribunal internacional
NurPhoto

Depois de mais de dois anos sem respostas e em que foram hostilizados pelas autoridades iranianas, os familiares dos passageiros e tripulantes do voo 752 avançaram com um pedido ao procurador do Tribunal Penal Internacional

A Associação das Famílias das Vítimas do Voo PS752 submeteu esta quarta-feira um pedido ao procurador do Tribunal Penal Internacional (TPI) que visa a abertura de uma investigação ao incidente. Segundo o “The Guardian”, os familiares argumentam que este poderá constituir um crime de guerra e crime contra a humanidade.

Em causa está o abate do avião ucraniano PS752 a 8 de janeiro de 2020. A aeronave civil, que tinha como destino Kiev, foi atingida por dois mísseis terra-ar, apenas três minutos após ter descolado do aeroporto de Teerão.

A bordo seguiam 176 pessoas (167 passageiros e 9 tripulantes) de seis nacionalidades (82 iranianos, 63 canadianos, 11 ucranianos, 10 suecos, 4 afegãos e 3 britânicos). Tratava-se, sobretudo, de emigrantes iranianos e das suas famílias que regressavam a casa depois de uma visita ao país natal. Não houve sobreviventes.

Investigação internacional independente nunca avançou

Para as famílias, o fatídico dia foi apenas o início de uma complicada batalha que se estende há já 32 meses.

A informação de que o avião tinha sido abatido surgiu logo nas primeiras horas após o acidente. Contudo, só após três dias de negação é que as autoridades iranianas assumiram responsabilidade no incidente, que classificaram como um “erro desastroso”.

Seis dias após o avião ter sido abatido, o Irão anunciou a prisão dos militares responsáveis pelo lançamento dos mísseis. Contudo, não foram avançados detalhes sobre as detenções, não se sabendo quantos militares foram detidos, quais os seus nomes ou que cargos ocupavam.

Internamente, o país abriu um inquérito, divulgado em julho desse ano, que justificava o incidente com erro humano de baixas patentes. Segundo este documento, os radares do sistema de defesa anti-aérea foram mal calibrados e sinalizaram erradamente o voo PS752 aos operadores, que dispararam sem pedir autorização. O relatório é visto como pouco credível pela comunidade internacional, uma vez que o regime controla os tribunais do Irão.

Ao contrário daquilo que aconteceu com o voo da Malaysia Airlines 17, abatido por forças pró-russas quando sobrevoava o Donetsk, em 2014, não foi realizada uma investigação internacional independente.

A Ucrânia, bandeira sob a qual voava o PS752, assumiu inicialmente a investigação. O processo não teve grandes desenvolvimentos, primeiro devido à pandemia e agora como consequência da guerra na qual o país se vê envolvido. Por outro lado, o Irão não colaborou com a investigação, tendo-se inclusivamente recusado a entregar as caixas negras e outras peças aos investigadores.

Já o Canadá recusou-se a abrir o seu próprio inquérito e rejeitou o convite de Kiev para a realização de uma investigação conjunta. A decisão foi alegadamente justificada às famílias pela complexidade da investigação e pelo facto de as provas estarem fora de alcance, no Irão.

Embora a polícia canadiana tenha garantido que iria colaborar com a investigação ucraniana, os familiares das vítimas canadianas dizem que nunca foram ouvidos pelos investigadores ucranianos (mesmo antes da guerra).

De acordo com o “The Guardian”, o Canadá está contudo a participar numa iniciativa conjunta com a Suécia, Ucrânia e Reino Unido para negociar com o Irão o pagamento de indemnizações. O grupo terá também a intenção de levar o caso ao Tribunal Internacional de Justiça, o que seria um processo demorado.

Familiares acusam Teerão de obstrução, roubo, assédio, ameaças e agressão

As famílias acusam as autoridades iranianas de obstrução e dizem ter sido hostilizadas. Ao “The Guardian” descrevem como foram agredidos, assediados e ameaçados.

Mais ainda, as famílias relatam que quando os corpos dos seus familiares lhes foram finalmente entregues, os caixões que receberam continham partes de outros corpos. Acrescentam que os bens das vítimas tinham sido saqueados e que os funerais foram usados para fins publicitários pelo governo do Irão.

Sentido-se abandonados pelos seus países de acolhimento e sem alternativas, os familiares encontraram no pedido feito ao TPI esta quarta-feira uma forma inovadora de tentar obter respostas.

“Estamos determinados a descobrir a verdade e em saber por que é que um voo comercial foi abatido pelos mísseis do IRGC [Forças Armadas do Irão]. Procuraremos firmemente a justiça até que os culpados, perpetradores e comandantes deste crime atroz sejam identificados e levados à justiça perante um tribunal imparcial e independente”, explicam as famílias no site da associação (www.ps752justice.com/).

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