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Liz Truss já enfrentou a primeira sessão de perguntas no parlamento - e foi uma viagem no tempo. Bem-vindos ao regresso da ideologia

Liz Truss já enfrentou a primeira sessão de perguntas no parlamento - e foi uma viagem no tempo. Bem-vindos ao regresso da ideologia
Carl Court/Getty Images

As perguntas semanais ao primeiro-ministro, que no Reino Unido acontecem todas as quartas-feiras pelo meio dia, foram um sucesso para Truss. E também o foram para a oposição. Contraditório? Não. Truss conseguiu martelar a ideologia que a fez ser eleita, os trabalhistas conseguiram mostrar que ela nunca irá taxar os mais ricos

Primeiro dia de Liz Truss na Câmara dos Comuns, para responder às perguntas que todos os deptados britânicos têm direito de colocar semanalmente ao chefe de Governo e poucos minutos chegaram para entender que as batalhas de Truss vão ser carregadas de ideologia. Até porque Truss nunca fez segredo da forte componente ideológica que acompanha as políticas que defende e propõe - e isso explica parte do seu sucesso no partido conservador. “Sou uma das mais ideológicas entre todos os meus colegas”, disse Truss várias vezes nos diversos encontros que foi organizando com membros conservadores este verão.

Neste primeiro debate parlamentar em que teve de enfrentar o líder da oposição, Keir Starmer, muito possivelmente a pessoa com que terá de se bater nas eleições gerais quando elas acontecerem, Truss não desiludiu quem esperava uma reencarnação de Margaret Thatcher nos seus dias mais liberais (é que mesmo Thatcher chegou ao Governo a subir impostos e só mais tarde impôs a sua agenda).

Starmer também não se deixou ficar - e conseguiu perguntar sete vezes a mesma coisa à primeira-ministra sem obter dela mais do que a cartilha que trouxe estudada. Começou logo por indagar se Truss “quis mesmo dizer o que disse quando disse que era contra um imposto extraordinário” sobre as empresas de energia. Sim, Truss está certa do que disse. “Um imposto extraordinário impediria as empresas de investir no Reino Unido quando a economia precisa de crescer”.

Round 2. Starmer: “O sector da energia vai apresentar lucros de 170 mil milhões nos próximos dois anos. A primeira-ministra sabe que não terá outra hipótese senão a de congelar os preços da energia, o que não será barato. A escolha política é simples: quem vai pagar o pacote de ajuda? Ela está realmente a dizer-nos que não vai sequer tocar estes lucros extraordinários, que vai deixar a conta para os trabalhadores, para os contribuintes?”. Explosão de aplausos na bancada trabalhista.

Truss responde com o seu plano de longo prazo: mais exploração de petróleo no Mar do Norte. “Entendo que as pessoas no nosso país estão numa luta por causa do aumento do custo de vida e das contas de energia (...) mas não podemos lidar só com os problemas do imediato, colocar um penso rápido sobre os problemas, temos de aumentar o nosso fornecimento de energia a longo prazo e por isso vamos aumentar a exploração no Mar do Norte, algo a que o senhor se tem oposto, e vamos construir centrais nucleares, algo que os trabalhistas não fizeram quando estiveram no Governo”.

Starmer volta à carga, e toca numa das principais críticas que os conservadores têm feito a Truss: a sua relativa negligência com o aumento da dívida do país. “O dinheiro tem de vir de algum lado. A primeira-ministra sabe que cada libra que ela escolhe não taxar é mais uma libra no dinheiro que vamos ter de pedir emprestado e que os trabalhadores terão de pagar, ao longo das próximas décadas”. Truss responde como já tinha respondido a quem lhe fez as mesmas perguntas nos debates para a liderança conservadora. “Não podemos taxar e ao mesmo tempo crescer economicamente. Só vamos fazer a economia crescer que atrairmos mais investimento e mantivermos os impostos em baixo. Só assim se podem criar empregos e oportunidades em todo o país”.

E para resumir a posição de Truss…

Starmer como que resumisse a posição de Truss para ficar “escrita”, diz: “A primeira medida desta primeira-ministra é pedir mais dinheiro emprestado simplesmente porque se recusa a tocar nos lucros das empresas de petróleo e de gás”. E depois lança uma pergunta que nunca teria resposta, mas o que interessa a Starmer é precisamente isso. “Quanto é que os cortes de impostos vão render às empresas”? Truss não adianta um número mas diz que Starmer “está a olhar o problema de um prisma errado”. Aplausos estrondosos do lado conservador. “Da última vez que cortámos os impostos às empresas, aumentámos a receita porque mais empresas vêm investir no país”. Depois acrescenta o mesmo por outras palavras “mais impostos irá desencorajar o investimento”.

Mais um gritos, numa sessão de perguntas especialmente animada por ser a primeira em que Truss se apresentava perante a oposição, mais insistência de Starmer na questão dos lucros das empresas, e até se chegou a falar do famoso conceito trickle down economics, resumidamente uma teoria que menos impostos, menos regulamentação, mais ajudas às empresas acaba por beneficiar toda a sociedade - mais empregos, salários mais altos conforme os lucros das empresas sobem, etc. Quem o mencionou, em jeito de acusação (a teoria já foi desacreditada por imensos economistas desde que surgiu, na altura Ronald Reagan e, sim, Margaret Thatcher) foi Starmer, sem surpresas. Mas Liz Truss acusou-o de não entender o que é “aspirar a mais”.

Theresa May, a segunda mulher a tornar-se primeira-ministra no Reino Unido, pergunta a Liz Truss por que razão apenas os conservadores parecem ser capazes de eleger mulheres. Mais aplausos. Truss diz que “realmente é extraordinário que os trabalhistas não consigam encontrar mulheres para liderar, de facto, nem sequer conseguem encontrar alguém que não seja de Londres”. E a casa quase caiu. Jeremy Corbyn, o antigo líder, da ala mais à esquerda do partido, reside numa zona do norte de Londres, tal como Starmer. Mas Boris Johnson, que Truss não se cansa de defender, há muito que vive na mesma área.

O resto da sessão decorreu com várias perguntas mais específicas, normalmente focadas nas zonas de onde cada deputado provém, mas quase todas à volta do custo de vida e do aumento dos preços da energia. Esta quinta-feira ficaremos a conhecer os planos da nova primeira-ministra para resolver esta urgente questão.


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