Iraque. Muqtada al-Sadr anunciou a sua retirada da política. Facto ou ficção?
Uma iraquiana beija o retrato do clérigo xiita Muqtada al-Sadr, numa vigília no exterior do edifício do Parlamento, em Bagdade
AHMAD AL-RUBAYE / AFP / GETTY IMAGES
Quase onze meses depois das legislativas, o Iraque continua sem Governo. Um dos principais protagonistas políticos defendia, até agora, a dissolução do Parlamento e a convocação de novas eleições. Esta segunda-feira, anunciou que sai da política. Já há apoiantes revoltados e multiplicam-se receios do regresso aos dias da violência
Vencedor das últimas eleições legislativas no Iraque, mas sem apoios parlamentares suficientes para fazer passar a sua solução de Governo, o poderoso líder xiita Muqtada al-Sadr anunciou, esta segunda-feira, que vai abandonar a política.
“Decidi não me intrometer nos assuntos políticos. Portanto, anuncio agora a minha reforma definitiva”, escreveu, no Twitter, o clérigo que chefia uma poderosa fação xiita, a sensibilidade islâmica maioritária entre a população do Iraque.
De Bagdade, a agência Reuters escreveu que a decisão “provocou protestos dos seus seguidores”, muitos deles envolvidos, desde há semanas, num protesto permanente (sit-in) nos jardins do Parlamento, e que “levantou receios de mais instabilidade”.
Também presente na capital iraquiana, a cadeia televisiva Al-Jazeera testemunhou, esta segunda-feira, que “mais apoiantes de Al-Sadr juntaram-se aos que têm participado no sit-in junto ao Parlamento, originando receios de uma escalada que possa desestabilizar o país ainda mais”.
Apoiantes de Muqtada al-Sadr ocupam o Parlamento do Iraque. Um deles, levanta uma fotografia do líder
Um grupo de sadristas invadiu mesmo o Palácio Republicano e afirmou o seu poder lançando-se à piscina. À semelhança do Parlamento, este edifício cerimonial situa-se na chamada Zona Verde, a área com mais segurança de Bagdade.
Respondendo à agitação e aos alertas de violência iminente, o Exército iraquiano declarou um recolher obrigatório a partir das 15h30 desta segunda-feira.
Apoiantes de Muqtada al-Sadr tomaram, esta segunda-feira, o Palácio Republicano, em Bagdade
AHMAD AL-RUBAYE / AFP / GETTY IMAGES
A decisão de Muqtada al-Sadr tem como cenário uma grave crise política que tem paralisado o Iraque há quase um ano. O país realizou eleições legislativas a 10 de outubro de 2021. O Movimento Sadrista (de Muqtada) foi a formação mais votada, mas no Parlamento os diferentes partidos políticos não conseguiram acordar a formação de um novo Executivo.
Após ordenar aos seus deputados que se demitissem e incitar os seus seguidores a invadirem o Parlamento — a 30 de julho ocuparam-no e posteriormente montaram tendas nos jardins —, Al-Sadr apelou à dissolução do Parlamento e à convocação de eleições antecipadas.
Sábado passado, refez a estratégia. Defendeu que, para se resolver a crise, “mais importante” do que dissolver o Parlamento e ir de novo a votos é que “todos os partidos e personalidades que têm integrado o processo político” desde a invasão norte-americana do Iraque e a queda de Saddam Hussein, em 2003, “deixem de participar”. E esclareceu, para que não restassem dúvidas: “Isso inclui o Movimento Sadrista”.
Esta segunda-feira, paralelamente à sua retirada da política, o clérigo anunciou que “todas as instituições” ligadas ao Movimento Sadrista serão encerradas. Haverá uma exceção: o mausoléu do pai, o Grande Ayatollah Muhammad Sadiq al-Sadr, importante líder religioso xiita, assassinado a tiro em 1999, mandava ainda no país o sunita Saddam Hussein.
Sob a imagem de Muqtada al-Sadr e do seu pai, militantes sadristas montaram uma tenda de protesto junto ao Supremo Tribunal de Justiça, em Bagdade
AHMAD AL-RUBAYE / AFP / GETTY IMAGES
Muqtada al-Sadr integra uma linhagem política importante no Iraque. Aos 48 anos de vida, é já um líder experiente, com provas dadas à frente de uma milícia numerosa na luta contra as tropas dos Estados Unidos e as forças iraquianas que pactuaram com a ocupação estrangeira.
Nos corredores políticos, o clérigo é tido como figura camaleónica, que toma decisões e depois reverte-as. Os próximos dias permitirão perceber se o tweet de Al-Sadr é para valer ou se é uma forma de fazer pressão sobre as formações políticas rivais.
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