Nicarágua: o escalar de tensões que levou à detenção do bispo Rolando Álvarez
Jeffrey Arguedas/EPA
Na sexta-feira, o bispo Rolando Álvarez foi detido na Nicarágua, levando as Nações Unidas a expressarem preocupação com o encolher do espaço civil e democrático no país. A ação policial deu-se depois do encerramento de estações de rádio católicas e de ter sido anunciada uma investigação contra o bispo por tentativas de “desestabilizar” o Estado
Em outubro de 2021, o Presidente da Nicarágua, Daniel Ortega, apelidou bispos católicos que atuaram como mediadores no diálogo nacional de serem “terroristas” e afirmou que “em qualquer outro país do mundo estariam a ser julgados”. Menos de um ano depois, Rolando Álvarez, bispo da Diocese de Matagalpa, foi preso dentro do palácio do bispo provincial, junto com outras figuras religiosas.
Na sexta-feira, a polícia da Nicarágua entrou na residência do bispo antes do amanhecer, detendo-o e a outros padres. As detenções foram confirmadas pelas autoridades num comunicado em que indicaram que a operação foi levada a cabo para as “famílias e cidadãos de Matagalpa recuperarem a normalidade”, noticiou a Associated Press. Estava sob vigilância numa casa em Managua, enquanto os outros detidos estavam a ser processados.
A Conferência Episcopal da Nicarágua publicou no Facebook que o cardeal Leopoldo Solórzano conversou com Álvarez e que este estava mais fraco fisicamente mas “espiritualmente forte”.
Quando a detenção ocorreu as tensões entre o Governo e a igreja já se faziam sentir. A polícia nacional da Nicarágua lançou no início do mês uma investigação contra o bispo Rolando Álvarez Lagos, acusando-o de “tentar organizar grupos violentos”. O propósito? Na altura, a France 24 escreveu que as autoridades alegavam que tentava “desestabilizar o Estado da Nicarágua e atacar as autoridades constitucionais”.
De acordo com a Agência de Notícias Católicas (CNA), desde o dia 4 de agosto que Álvarez e outras pessoas estavam impedidas de sair da residência e de comunicar com o mundo exterior pela polícia. As autoridades terão dito que aguardaram por uma “comunicação positiva” com o bispo mas que isso “nunca aconteceu”. Anteriormente, foram encerradas sete estações de rádio católicas ligadas ao bispo. “Todas as nossas estações de rádio foram fechadas, mas não vão cancelar a palavra de Deus”, disse Alvarez no Twitter, citado pela Reuters.
A ABC News deu conta em maio de que Rolando Álvarez entrou em jejum dentro de uma igreja em protesto por alegar ter sido seguido pela polícia nacional. É ainda descrito que o bispo apoiou manifestantes nos protestos de 2018 e chegou a criticar o Governo nos seus sermões.
Como é o regime na Nicarágua?
Ao longo dos últimos anos, o líder da Nicarágua, Daniel Ortega, tem sido conhecido pelo silenciamento de vozes da oposição, no seguimento de protestos sociais que surgiram em 2018 e resultaram em violência. Depois das eleições do ano passado, o Conselho da União Europeia escreveu que o Nicarágua se tinha convertido num “regime autocrático”.
Em declarações feitas em maio deste ano, Liz Throssell, porta-voz do gabinete de direitos humanos da ONU disse que pelo menos 209 organizações foram encerradas na Nicarágua desde 2018, das quais 137 este ano – desde organizações não governamentais a trabalharem em prol dos direitos das mulheres a associações médicas. Além disso, uma dúzia de universidades viram a sua entidade legal cancelada ou passaram a estar sob controlo do Executivo.
ONU com preocupações acentuadas
As Nações Unidas (ONU) reagiram às detenções. Farhan Haq, porta-voz adjunto do secretário-geral da ONU disse aos jornalistas que António Guterres “está muito preocupado com o fecho do espaço civil e democrático na Nicarágua e as ações recentes contra organizações de sociedade civil, incluindo as da Igreja Católica”, acrescentando que os relatos de uma rusga à residência de um bispo acentuavam essas inquietações.
Mensagens divulgadas pela Diocese de Matagalpa no Facebook mostram o apoio recebido pela comunidade religiosa. Os bispos do Chile deixaram uma mensagem onde afirma que fazem “parte deste clamor para estabelecer caminhos de diálogo entre as autoridades e os diversos atores políticos e sociais pelo bem do país”, enquanto a Conferência do Episcopado Mexicano escreveu que houve um “atentado aos direitos fundamentais” e apelou à libertação de Álvarez e dos seus colaboradores.
Sem mencionar diretamente a detenção do bispo de Matagalpa, o Papa Francisco expressou que está “a acompanhar de perto, com preocupação e dor a situação na Nicarágua, que afeta pessoas e instituições”.
Assine e junte-se ao novo fórum de comentários
Conheça a opinião de outros assinantes do Expresso e as respostas dos nossos jornalistas. Exclusivo para assinantes