Internacional

Câmaras escondidas captam práticas racistas nas praias particulares da Côte d'Azur, dizem ativistas

"Quando liguei de volta e dei um nome francês, estranhamente ainda havia lugares"
"Quando liguei de volta e dei um nome francês, estranhamente ainda havia lugares"
John Phillips

As imagens mostram um casal com aparência caucasiana a receber espreguiçadeiras, logo após um casal que aparentava ser "do norte de África" ter sido informado de que estavam reservadas

Um casal descrito como tendo "aparência norte-africana" que solicitou espreguiçadeiras na praia foi informado de que todas estavam reservadas. Alguns minutos depois, um casal caucasiano que fez o mesmo pedido no local recebeu espreguiçadeiras na primeira fila, perto do mar. Este foi apenas um dos casos detetados e enquadrados como discriminatórios por ativistas antirracismo que filmaram secretamente praias particulares na Côte d'Azur. Os integrantes da organização SOS-Racisme enviaram casais de diferentes origens para pontos exclusivos na costa francesa, e usaram câmaras escondidas para registarem como cada um foi recebido. Agora, conta o jornal "The Guardian", os ativistas estão a planear uma ação legal, alegando discriminação na Riviera Francesa.

De acordo com a equipa do SOS-Racisme, várias pessoas não conseguiam fazer uma reserva para espreguiçadeiras em praias particulares se dessem um nome que com sonoridade estrangeira. "Com um nome que soa africano, o lugar estava cheio; quando liguei de volta e dei um nome francês, estranhamente ainda havia lugares", denunciou um ativista ao jornal "Le Monde".

A SOS-Racisme realizou operações secretas semelhantes para destacar a discriminação desde a década de 1990, mas é a primeira vez que testa praias particulares na Riviera. Alega que um terço das praias privadas de Juan-les-Pins e Antibes são discriminatórias ilegalmente e dois terços das boates e bares testados em Marselha e Aix-en-Provence estão operando uma seleção ilegal de clientes com base em suas origens.

“Descobrimos que a discriminação pode ser baseada na roupa, na cor da pele, na aparência física e na origem da pessoa. É injusto e intolerável viver assim”, disse Karima Es-slimani, da SOS Racisme Nice, à televisão France 3 após o teste na praia.

"Claro fracasso das autoridades"

A organização está a juntar um arquivo para apresentar aos advogados, revelou Paula Cornette, da SOS-Racisme. "Estamos a trabalhar com advogados pro-bono que precisam de muitos detalhes para tomar medidas legais. Também usarão essas informações para elaborar relatórios anuais descrevendo a discriminação em cada área."

“Esta situação é o resultado de um claro fracasso das autoridades em proibir a discriminação racial”, afirmou também Dominique Sopo, presidente da SOS-Racisme, em declarações aos jornalistas. As descobertas das organizações serão enviadas à polícia e às autoridades locais. “Observaremos de perto para ver que ação legal se seguirá”, acrescentou o responsável.

A SOS-Racisme não especificou os estabelecimentos particulares que visitou em Juan-les-Pins e Antibes.

Um relatório do Comitê Consultivo Nacional de Direitos Humanos sobre racismo em França, publicado no mês passado, expôs que a sociedade francesa estava a tornar-se mais tolerante. O “índice de tolerância” anual fixava-se em 68/100 (68%), o mais alto de todos os tempos, de acordo com a secretária-geral do comitê, Magali Lafourcade.

No entanto, o mesmo documento evidencia que o preconceito contra certas comunidades – incluindo muçulmanos e comunidade cigana – ainda é uma preocupação relevante.

O Comitê Consultivo Nacional de Direitos Humanos detalha que cerca de 1,2 milhão de pessoas são vítimas de agressão por motivos raciais todos os anos em França, mas há apenas mil condenações pelos delitos relatados em tribunal. Muitas vezes isso acontece devido à relutância das vítimas em denunciar os ataques à polícia, admite o Comitê.

“Vemos que há uma falha das instituições em perceber que este é um problema criminal”, declarou Magali Lafourcade. “Se houvesse muitas queixas, muitas ações legais e muitas condenações, poderíamos esperar que os incidentes diminuíssem”, conclui.

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