O acordo assinado entre o Reino Unido e o Ruanda para enviar migrantes e requerentes de asilo para este último país continua a receber críticas. Este domingo, Justin Welby, arcebispo da Cantuária e líder espiritual da Igreja Anglicana, afirmou que o plano levanta "sérias questões éticas".
No seu sermão de Domingo de Páscoa, o arcebispo acusou os governantes britânicos de delegar noutros países responsabilidades que deveriam ser do Reino Unido. Também sublinhou a "responsabilidade nacional" e os "valores cristãos" do país. "Os detalhes são para a política e para os políticos" mas "o princípio deve encarar o julgamento de Deus", disse.
Migrantes podem ter uma "vida nova"... mas no Ruanda
O Reino Unido anunciou esta semana que determinados migrantes e requerentes de asilo que cheguem ao país vão ser enviados para o Ruanda, onde receberão alojamento e apoio até os seus pedidos de asilo serem processados. Se receberem uma resposta positiva ao pedido, vão ser ajudados a construir uma "vida nova" no Ruanda, com acesso a "formação, habitação e cuidados de saúde" durante cinco anos, segundo o Governo britânico. Se não lhes for concedido asilo, têm apenas duas hipóteses: pedir autorização para permanecer no Ruanda ou voltarem para os seus países de origem ou outros países onde estejam autorizados a residir.
Segundo a BBC, o plano destina-se, sobretudo, a homens solteiros que cheguem ao Reino Unido de forma irregular. Apesar deste alvo específico, terá uma grande abrangência, conforme deu a entender Priti Patel. De acordo com a ministra britânica do Interior, que se deslocou à capital do Ruanda esta semana, Kigali, para assinar o acordo, "uma vasta maioria" dos que chegam ao Reino Unido "ilegalmente" vão ser considerados elegíveis para esta transferência entre países.
O número de migrantes que chega ao país através do norte de França, escondidos em camiões ou em ferries — e, desde que a pandemia de covid-19 obrigou ao bloqueio de várias rotas, também em jangadas e pequenas embarcações —, é cada vez maior. Mais de 28 mil pessoas entraram no país em pequenas embarcações no ano passado, segundo dados do Governo britânico. No ano anterior, foram 8500 e, em 2018, 300. Muitas morrem durante a travessia.
O plano, que deverá ser implementado nas próximas semanas, segundo uma indicação oficial, tem efeitos retroativos, aplicando-se a migrantes e requerentes de asilo que estão no Reino Unido desde 1 de janeiro deste ano.
Com esta "parceria de desenvolvimento económico", como lhe chamou o Governo britânico, espera-se travar as entradas irregulares no país, "quebrando" o modelo de negócio de quem trafica estas pessoas. "Se tivermos um acordo com o Governo ruandês para um tratamento adequado e humano destas pessoas, então os bandos criminosos aperceber-se-ão de que a sua potencial fonte de rendimento irá secar", afirmou, esta semana, Simon Hart, ministro do Governo do País de Gales. O plano vai custar ao Reino Unido cerca de 120 milhões de libras (144,5 milhões de euros).
"Cruel" e um "desperdício" de dinheiro. As críticas ao plano
Ao longo da semana, várias organizações criticaram o novo plano britânico. Líderes políticos como Keir Starmer (Partido Trabalhista britânico), e Nigel Farage (Partido Brexit) também teceram críticas, embora recorrendo a argumentos diferentes.
O Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) sublinhou que estão em causa violações da Convenção de Genebra sobre os Refugiados, que o Reino Unido assinou.
O diretor da Amnistia Internacional do Reino Unido, Steve Valdez-Symonds, considerou que o plano não só "causará sofrimento" como vão ser "desperdiçadas enormes quantidades de dinheiro público". O responsável chamou ainda a atenção para o "registo sombrio" do Ruanda em termos de direitos humanos.
Mais de 160 instituições e organizações não-governamentais britânicas assinaram uma carta em que descrevem as medidas como "vergonhosamente cruéis". Enver Solomon, diretor executivo do Conselho para os Refugiados, uma dessas organizações, acusou o Governo do país de tomar uma decisão "cruel e desagradável", que na prática não terá o efeito desejado.
Dentro do Governo, há quem tenha dúvidas
As mesmas dúvidas sobre a eficácia da medida existem dentro do Governo britânico. Numa troca de correspondência entre Priti Patel, ministra britânica do Interior, e Matthew Rycroft, secretário deste ministério, a viabilidade do plano, em termos económicos, foi colocada em causa.
Numa carta enviada a Priti Patel em abril do ano passado, divulgada recentemente pelo próprio Governo britânico, Matthew Rycroft refere que, embora o plano seja "adequado e exequível", há "incerteza" sobre o seu benefício para a economia. "Parar a entrada ilegal de pessoas no Reino Unido pode poupar dinheiro ao Estado, mas o custo-benefício do plano depende do quão bem se consiga travar estas travessias."
Segundo o secretário britânico, não há muitas provas de que a medida possa ter o "efeito dissuasor" pretendido ou, se há, são "altamente incertas". O que significa que não se pode garantir que o plano terá mais benefícios do que custos e que "possa resultar".
Na resposta à carta, a ministra do Interior sublinhou que é impossível saber se o plano vai resultar antes de ser aplicado, mas sublinhou estar "confiante". "É o melhor instrumento que temos para dissuadir [migrantes e requerentes de asilo]. Sem ação, vamos continuar a ter custos e vão continuar a morrer pessoas."
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