O advogado britânico e ativista de direitos humanos, David Haigh, diz ter ficado "horrorizado" ao perceber que o seu telemóvel foi 'apanhado' na rede de espionagem que recorrer ao software israelita Pegasus, após um ano e meio de chamadas secretas com a princesa Latifa do Dubai, que permanece presa por ordem do seu pai, o xeque Mohammed bin Rashid al-Maktoum. Uma análise forense da Amnistia Internacional detetou que os telefonemas de David Haigh foram intercetados pela poderosa rede de 'spyware' a 3 e 4 de agosto de 2020, segundo avança o "The Guardian".
David Haigh é a primeira vítima no Reino Unido confirmada de infiltração através do Pegasus e está a pedir ao governo de Boris Johnson que se comece a fazer investigação em solo britânico, uma vez que este ataque equivale a "assédio patrocinado pelo Estado".
O telemóvel de David Haigh que foi intercetado continha dezenas de mensagens e vídeos da princesa Latifa, que tinha obtido um telefone e feito algumas gravações na casa-de-banho, o único local onde pode permanecer à porta fechada no sítio onde se encontra enclausurada por ordem do seu pai, o xeque Mohammed bin Rashid al-Maktoum, governante do Dubai e primeiro-ministro dos Emirados Árabes Unidos.
Alguns destes videos foram emitidos na BBC em fevereiro, por iniciativa da campanha Free Latifa (de que Haigh faz parte), em que a princesa Latifa, atualmente com 35 anos, declarava que "nunca mais verei o sol", e que a polícia a tinha ameaçado que ia ficar detida a vida inteira.
Na ocasião em que o telemóvel do advogado britânico foi intercetado foram subitamente perdidas as ligações telefónicas que mantinha com a princesa Latifa na sua prisão domiciliária. Na ocasião, David Haigh também estava a apoiar a equipa jurídica da princesa Haya, mulher do xeque Mohammed, na batalha jurídica contra o emir do Dubai pela custódia dos filhos menores, que continua a decorrer nos tribunais ingleses.
Não foi possível obter declarações do Governo do Dubai sobre o assunto, mas os Emirados Árabes Unidos já reagiram dizendo serem falsas todas as notícias dando conta que havia sido ordenado o 'hacking' de chamadas de telemóvel do lado dos seus governos. "As alegações feitas em reportagens recentes na imprensa afirmando que os Emirados Árabes Unidos estão entre vários países acusados de suposta vigilância contra jornalistas e indivíduos não têm base probatória e são categoricamente falsas", sublinhou um comunicado emitido na semana passada pelo Ministério das Relações Exteriores dos Emirados Árabes.
Fabricado pelo Grupo NSO, de Israel, o Pegasus é um poderoso sistema de 'spyware' de vigilância que está licenciado apenas para os governos, no objetivo de combater o terrorismo ou o crime organizado, com capacidade para intercetar todos os conteúdos de um telemóvel e funcionar como um dispositivo de vigilância.
Sem responder diretamente ao caso das chamadas intercetadas ao telemóvel do advogado britânico, o grupo NSO alegou ser uma "empresa de tecnologia" sem acesso aos dados dos clientes governamentais do sistema Pegasus, e avançou em comunicado que iria "investigar qualquer prova confiável de uso indevido das suas tecnologias". Segundo o "The Guardian", uma lista que inclui 50 mil telefones intercetados desde 2016, contém números de jornalistas, ativistas de direitos humanos e líderes políticos. A Aministia Internacional e a Forbidden Stories, organização de jornalismo sem fins lucrativos com sede em Paris, tiveram acesso a esta lista e partilharam-na com 16 meios internacionais de comunicação, incluindo o jornal britânico.
A princesa Latifa, filha do emir do Dubai e que está "refém" em prisão domiciliária por ordem do pai - tendo um movimento internacional de apoio, o Free Latifa Campaign - pediu em fevereiro à polícia britânica para que seja reaberto o caso do rapto da sua irmã mais velha, Shamsa, que está a passar por um processo semelhante ao seu e que desapareceu numa rua de Cambridge, há cerca de 20 anos, quando tentava fugir. Agora com 39 anos, a princesa Shamsa nunca mais foi vista em público desde os seus 18 anos.
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