Libertaram Nassima, ativista pelos direitos das mulheres na Arábia Saudita. Mas esta é uma liberdade pouco livre
Presa há três, a ativista foi libertada pelas autoridades sauditas. Ainda assim cumpre agora um período de liberdade condicional e não pode viajar nos próximos cinco anos. Há relatos de abusos e maus tratos ao longo da sua detenção, acusações que são negadas pela Arábia Saudita
“Porque é que um rapaz menor de idade deve ser o guardião de uma mulher adulta? Porque é que quando uma mulher chega à idade adulta não se torna responsável pelas suas decisões e pela sua vida? Porque é que deve haver um homem responsável pela sua vida?” As perguntas são feitas por Nassima al-Sada. Foi presa exatamente um mês depois de na Arábia Saudita as mulheres ganharem o direito a conduzir. Ela, de 46 anos, xiita, jornalista, escritora e ativista, lutava desde que se lembra para que o país onde nasceu e vive concedesse os mesmos privilégios a mulheres e homens. Agora, quase três anos depois, foi libertada da prisão mas mantida presa dentro das fronteiras sauditas pelos próximos cinco anos.
“Embora as leis se tenham tornado mais flexíveis e as mulheres estejam autorizadas a conduzir desde 2018, continuam a existir mulheres presas por tornar essa mudança possível, sem terem conseguido ainda usufruir parte da sua conquista”, alerta a Amnistia Internacional, que recolheu milhares de assinaturas numa petição pela liberdade destas mulheres (de Portugal foram enviadas mais de 40 mil assinaturas para as autoridades sauditas, em todo o mundo contam-se mais de 770 mil). “Todas as que contribuem de forma pacífica para o respeito dos direitos humanos na Arábia Saudita devem ver as suas acusações retiradas e ser imediatamente libertadas.”
De acordo com a “Vice”, no final do ano passado 13 mulheres aguardavam julgamento por criticarem leis e regras que já não existem - como a proibição das mulheres conduzirem ou irem assistir a um jogo de futebol no estádio. Em novembro, pelo menos cinco, incluindo Nassima, continuavam em prisões.
“As autoridades sauditas devem imediatamente e incondicionalmente libertar todos os ativistas pelos Direitos Humanos detidos por lutarem precisamente pela defesa dos Direitos Humanos”, apelava nas redes sociais Adam Coogle, responsável pela área do Médio Oriente da organização não governamental Human Rights Watch.
Já desde o começo do ano que algumas das mulheres detidas nas prisões sauditas têm sido libertadas - mantém-se muitas vezes com outro tipo de restrições de movimento e não só. No começo do ano, por exemplo, a ativista Loujain al-Hathloul também foi libertada depois de três anos de detenção. Estas decisões têm criado nos familiares das ativistas a esperança de que estas voltem para casa brevemente.
Um crime chamado tweet
“Comunicar com entidades estrangeiras hostis ao Estado”: este é o crime de que Nassima é acusada. A prova? A sua confissão de que fazia publicações em redes sociais como Twitter e Facebook. Os vários tweets são críticos às políticas do regime saudita mas também apelos à instrução e educação de meninas e mulheres. Além da igualdade de género, Nassima é muitas vezes apresentada - e apresenta-se - como defensora do movimento xiita na região de Qatif (uma província no oriente do país, que tem uma gestão própria e que até ao ano passado estava em conflito com o Governo central).
“Nassima é uma figura proeminente na defesa dos direitos das mulheres. A sua voz ativa para que as mulheres pudessem conduzir e participar na vida política do país, assim como pelo fim do sistema de tutela masculina, atirou-a para a prisão em julho de 2018”, descreve a Amnistia. “Enquanto esteve presa, foi vítima de maus tratos e permaneceu em regime de prisão solitária durante cerca de um ano na prisão al-Mabahith, em Dammam, sem oportunidade de contactar a sua família, advogado ou de dirigir-se ao exterior.”
As acusações de tortura e maus tratos foram negadas pela Arábia Saudita.
Foi a 31 de julho de 2018 que Nassima e mais uma dezenas de outras ativistas foram levadas pelas autoridades. “Ela sabia todos os riscos. Ainda assim, para ela estas lutas não se baseiam em cálculos de custos e benefícios. Essencialmente, o seu espírito de luta é que faz dela quem ela é. Nem acho que ela possa ser definida de outra forma. Um juiz pediu a sua libertação em 2019 e acabou por ser retirado do tribunal. enquanto ela foi impedida de ter um advogado por mais de dois anos”, contava à “Vice” um familiar da ativista que por segurança não permitiu ser identificado, acusando o Tribunal Real de ser o responsável por toda e qualquer decisão relacionada com o caso de Nassima e das restantes ativistas. “Está nas mãos deles.”
Entre fevereiro de 2019 e fevereiro de 2020, Nassima esteve solitária.
Nassima chegou mesmo a concorrer a eleições municipais em 2015 mas acabou por ser desqualificada. Foi várias vezes ameaçada nas redes sociais.
Na Arábia Saudita, algumas mulheres ativistas ainda continuam presas por terem lutado pelo direito de ter passaporte e viajar, por terem o direito de registar os filhos, por terem o direito de viver longe do marido e por terem o direito de serem co-proprietárias de uma casa. Tudo isto já é hoje permitido e elas continuam presas.
Assine e junte-se ao novo fórum de comentários
Conheça a opinião de outros assinantes do Expresso e as respostas dos nossos jornalistas. Exclusivo para assinantes