Afeganistão. General norte-americano adverte para perigo de guerra civil
OMAR SOBHANI / REUTERS
As tropas dos Estados Unidos da América estão na iminência de completar a retirada do Afeganistão. Muitas posições abandonadas pelos americanos têm sido capturadas pelos talibãs, que controlam cada vez mais território. Em paralelo, grupos de civis, sobretudo de minorias étnicas, estão a formar milícias armadas para responder a possíveis ataques dos talibãs
O general que comanda a missão dos Estados Unidos no Afeganistão fez, terça-feira, uma avaliação preocupante da deterioração da situação de segurança no país. As forças armadas americanas estão prestes a pôr fim à sua presença no território.
O general Austin S. Miller declarou que a perda rápida de distritos em torno de território dominado pelos talibãs — alguns dos quais com importância estratégica significativa — é preocupante. O militar advertiu também que as milícias enviadas para ajudar as forças de segurança nacional sitiadas poderão arrastar o país para a guerra civil.
Miller disse a um pequeno grupo de repórteres na capital afegã, Cabul, que por enquanto detém as armas e a capacidade para ajudar as Forças de Segurança e Defesa Nacional afegãs, mas defendeu que pacificar o país devastado pela guerra exige uma solução política. “Só um acordo político trará paz ao Afeganistão. E não foram só os últimos 20 anos [de conflito]. Foram, na realidade, os últimos 42”, sublinhou.
O general referia-se não só à guerra com os Estados Unidos, iniciada na sequência dos atentados de 11 de Setembro de 2001, como ao dez anos de ocupação pela União Soviética, que terminou em 1989. A esse conflito seguiu-se violenta guerra civil travada por alguns dos mesmos dirigentes afegãos que agora estão a enviar milícias armadas para combater os talibãs. A guerra civil deu poder a estes, que tomaram o poder em 1996.
As autoridades norte-americanas indicaram que a retirada das tropas estará provavelmente concluída a 4 de julho, mas Miller escusou-se a fixar uma data ou prazo, remetendo para a data-limite de 11 de setembro, apontada pelo Presidente Joe Biden em abril, quando anunciou a saída dos 2500 a 3500 soldados que restavam no Afeganistão.
Entretanto, os talibãs têm tomado o controlo de distritos uns a seguir aos outros, muitos no norte do país, dominado pelas minorias afegãs. O norte também é reduto tradicional de antigos líderes mujahidin que têm sido uma força dominante no Afeganistão desde que expulsaram os talibãs do poder, em 2001, em conjunto com a coligação internacional liderada pelos Estados Unidos. Vários desses distritos situam-se em rotas importantes e um deles na fronteira norte, com o Tajiquistão.
Os talibãs emitiram comunicados dizendo que centenas de efetivos das forças de segurança afegãs se renderam e exibiram vídeos que os mostram a irem para casa. depois de receberem dinheiro dos talibãs para o transporte. Miller comentou que são muitas as razões para a queda dos distritos, algumas relacionadas com o cansaço das tropas e sua rendição, derrota psicológica e perda militar.
O perigo de armar civis
Os talibãs advertiram, terça-feira, que o recente armamento de dezenas de milhares de civis no Afeganistão, como parte dos esforços para fazer frente a uma ofensiva rebelde quando as tropas internacionais se retiram do país, só contribuirá para intensificar o conflito.
A foto de família da 31ª cimeira da NATO, em Bruxelas. Portugal está representado pelo primeiro-ministro António Costa
A maioria dos civis armados está sob o mando de antigos “senhores da guerra”, os mujahidines que lutaram contra a URSS nos anos 80, ao passo que o Governo afegão anunciou o seu apoio com material militar. “Vocês não puderam fazer nada quando as forças armadas de 50 países lutavam ao vosso lado, e agora também não podem fazer nada”, criticou esta terça-feira um dos líderes dos talibãs, o mullah Amir Khan Mutaqi.
O dirigente afirmou que esta revolta em armas da população civil se deve “aos interesses pessoais” dos senhores da guerra, acrescentando que a iniciativa fará das aldeias campos de batalha. “Já centenas de mujahidines em cada aldeia e vale, ninguém consegue fazer-lhes frente”, disse Mutaqi, classificando as milícias civis como experiência falhada no passado. Referia-se à fracassada resistência dos senhores da guerra quando, nos anos 90, os talibãs combateram para tomar o controlo do Estado, após o final do regime comunista.
Muitos distritos nas mãos dos talibãs
Nas últimas semanas, dezenas de milhares de civis pegaram em armas no Afeganistão; ex-líderes jihadistas, como o ex-comandante tajique Atta Mohammad Noor e o líder uzbeque Abdul Rashid Dostum, mostraram-se dispostos a mobilizar combatentes para a luta contra os talibãs; também o Governo afegão prometeu apoiar os civis com armas, munições e financiamento.
A criação de milícias cidadãs surge após uma ofensiva talibã, nos últimos dois meses, durante a qual capturaram quase 80 capitais de distrito em diferentes zonas do país, o maior número num tão reduzido período de tempo. Os talibãs controlam agora 140 dos 407 distritos do Afeganistão.
Assine e junte-se ao novo fórum de comentários
Conheça a opinião de outros assinantes do Expresso e as respostas dos nossos jornalistas. Exclusivo para assinantes