A luta do congressista norte-americano John Lewis pela defesa dos direitos cívicos nos EUA teve vários marcos - verbais mas também físicos (entre 1960 e 1966, por exemplo, foi detido 40 vezes e agredido outras tantas, seja por brancos seja por polícias brancos). Rui Tavares, historiador, destacaria um instante em particular - a marcha de Selma a Montgomery, ou o “Domingo Sangrento” dos EUA, que terminou com Lewis a levar com um bastão da polícia - e a cair e a tentar levantar-se, e o bastão de novo, e a cair de novo, mas também com a aprovação, depois disso, da lei do direito de voto de 1965 pelo então presidente norte-americano Lyndon B. Johnson, que veio acabar com os pré-requisitos ao voto impostos à população negra em alguns estados americanos que, na prática, impediam que os negros votassem em eleições no país. Para Mamadou Ba, dirigente do SOS Racismo, Lewis “representa o que de mais consistente se registou no longo património de luta pela dignidade humana” e a certeza “é a de que as novas gerações saberão mobilizar o seu legado para continuar a luta contra o racismo”.
“Excecional dignidade”: a primeira detenção
É um recorde difícil de bater e também não será muito invejável: em seis anos, entre 1960 e 1966, John Lewis foi detido 40 vezes - e, já agora, agredido outras tantas. A primeira vez em que isso aconteceu, a detenção e a agressão, foi precisamente em 1960, quando Lewis, já depois de ter escrito uma carta a um dos mais que admirava, Martin Luther King, e de ter sido convidado por este a visitá-lo em Montgomery em 1958, sentou-se ao balcão de vários restaurantes em Nashville, juntamente com outros estudantes, e exigiu ser atendido, na altura um privilégio só concedido à população branca. Um dos jornais locais escreveu sobre o assunto, afirmando que os protestos “foram realizados com excecional dignidade” e elogiando a “cortesia” e determinação “pelos mais básicos direitos” daqueles que neles participaram, conforme recorda o “New York Times”.
Mas não terminou de forma pacífica - segundo o mesmo jornal, os estudantes foram “agredidos por gangues de jovens brancos” que chegaram mesmo a apagar cigarros no corpo das vítimas. Foi apenas o primeiro de muitos protestos em que John Lewis participaria, e de muitas detenções e muitas agressões. Mas resultou: meses depois de várias iniciativas do género e de muita pressão, Nashville começou a pôr fim às suas políticas de segregação em estabelecimentos públicos, tornando-se a primeira cidade do sul dos EUA a fazê-lo. Foi também por esta altura que John Lewis ajudou a formar o Comité de Coordenação dos Estudantes Não Violentos (que viria, aliás, a liderar em 1963), o qual, diz a Reuters, “rapidamente se transformou na guarda avançada do movimento [pela defesa dos direitos cívicos], ajudando a organizar protestos com ativistas sentados e manifestações um pouco por todo o sul do país”.
Os “viajantes da liberdade”
Em 1961, terminados os seus estudos no American Baptist Theological Seminary (hoje em dia conhecido como American Baptist College), John Lewis decidiu juntar-se aos “13 Viajantes da Liberdade”, um grupo de ativistas negros e brancos que viajavam de autocarro entre os vários estados do sul dos EUA para protestar contra a segregação racial que ali era, sem exceção, imposta. Lewis participou logo na primeira viagem do grupo: o autocarro saiu de Washington, D.C. no dia 4 de maio e era suposto chegar a Nova Orleães a 17 maio, mas mais uma vez não foi pacífico. Quando ele e os restantes ativistas tentaram entrar na sala de espera de uma paragem de autocarros, local que também lhes estava vedado, em Rock Hill, na Carolina do Sul, foram agredidos. Dias mais tarde, Lewis foi detido em Birmingham, no Alabama, e de novo em Montgomery, onde os restantes ativistas que o acompanhavam foram agredidos, tendo um deles, aliás, ficado paralisado para o resto da vida.
A marcha em Washington de Martin Luther King (e dele também)
O acontecimento ficará marcado para sempre (“200 mil marcham pelos direitos humanos num protesto pacífico em Washington”, destaca a edição do “New York Times” publicada no dia seguinte, 29 de agosto de 1963) e John Lewis, então com 23 anos, tornou-se uma das referências desse dia histórico. Desde logo porque ajudou a organizá-lo. Martin Luther King disse que tinha um “sonho” e Lewis deu uma ordem: “Temos de dizer: ‘Acorda América. Acorda! Porque não podemos parar e não vamos nem podemos ser pacientes”.
Artigo Exclusivo para assinantes
Assine já por apenas 1,63€ por semana.
Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: hrbento@expresso.impresa.pt
Assine e junte-se ao novo fórum de comentários
Conheça a opinião de outros assinantes do Expresso e as respostas dos nossos jornalistas. Exclusivo para assinantes