Portugueses no Peru encurralados pelo coronavírus

Cidadãos que estavam sobretudo de férias ficaram sem poder voltar, devido às medidas adotadas pelo Governo peruano para conter a pandemia. Não sabem quando voltarão a pisar solo português
Cidadãos que estavam sobretudo de férias ficaram sem poder voltar, devido às medidas adotadas pelo Governo peruano para conter a pandemia. Não sabem quando voltarão a pisar solo português
Juanjo Fernández, em Lima
Vítor Lopes (66 anos) e Maria Isabel Lopes (63) chegaram ao Peru no dia 5 de março. Ambos são viajantes experimentados e antes de irem àquele país sul-americano já tinham visitado 81 países de todos os continentes. Após um percurso pelo sul, onde passaram por Paracas, Ica, Nazca, Arequipa, vale do Colca e Puno, chegaram a Cuzco a 14 de março.
No dia anterior o Governo peruano anunciara o encerramento do espaço aéreo a voos provenientes da Europa, para proteger a população da propagação do coronavírus. No dia seguinte, domingo, 15, Martín Vizcarra, Presidente da República peruano, anunciou em direto em todos os canais televisivos a promulgação do estado de emergência nacional, que proibia toda a circulação de pessoas e de veículos, incluindo os voos.
Vítor e Maria Isabel nunca tinham passado pr uma situação semelhante, mas depressa entenderam a sua gravidade. Procuraram obter passagens para o Brasil, a fim de saírem do continente através da rede da LATAM Airlines, mas na hora de pagar a máquina dava sempre erro. Foi assim que ficaram encurralados no seu hotel, a quinze minutos da Praça de Armas da capital do antigo império inca.
A embaixada portuguesa no Peru anunciou esta sexta-feira que foi autorizado um voo para segunda-feira, 23 de março, que descolará de Lima. No dia 22 há outro voo anunciado pela embaixada espanhola, no qual, apurou o Expresso, irão viajar dois portugueses. Ambas as legações diplomáticas ibéricas trabalham por fazer regressar os seus cidadãos, mas há dificuldade em chegar aos que estão fora ca capital peruana. Só em Cuzco estão 28, segundo a embaixada da UE no Peru.
Sucedeu o mesmo que ao casal Lopes a um número ainda indeterminado de compatriotas seus. Soraia Moutinho pensa que devem ser 329. Enfermeira de 29 anos do Fundão, após um período laboral em Brighton, no Reino Unido, passou quatro meses a percorrer a América do Sul. A medida de Vizcarra também a encurralou em Cuzco. No dia 17 de março terminava a sua viagem, mas ficou sem poder partir. A sua estimativa baseia-se em dados do Governo peruano, mas os números apresentados pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros [português] não ultrapassam os 100 e, num grupo de WhatsApp criado de propósito para se manterem em contacto, existem apenas 38 participantes, alguns dos quais são familiares que estão em Portugal.
A confusão é permanente e a ela soma-se a preocupação pela incerteza criada face à falta de informação por parte de todos os organismos envolvidos no processo de repatriamento. Soraia pensava partir para o Canadá, onde tem família, e cumprir ali um período de isolamento antes de regressar a Inglaterra ou Portugal, mas só sabe que a embaixada está a dar prioridade à saída dos turistas que tinham bilhete de regresso antes de 16 de abril. A portuguesa está nos grupos de turistas britânicos e já começa a circular informação sobre a possibilidade de haver voos de regresso ao Reino Unido por preços entre os 3000 e os 3500 dólares (2800 a 3300 euros).
A embaixada centrou as suas comunicações através das redes sociais, sobretudo o Facebook, após ter suspendido o atendimento presencial na segunda-feira, 16, na sequência do decreto de emergência nacional peruano. No seu comunicado incentiva todos os portugueses que estejam no Peru a permanecerem no local onde estejam alojados, acatando as instruções de emergência impostas pelo Governo peruano. No mesmo comunicado publica um formulário para que os cidadãos nacionais de visita ao Peru se registem e possam começar a procurar solução para o regresso, em coordenação com o Executivo peruano e com as restantes legações europeias, que tentam resolver a situação de outros 12 mil turistas europeus que tiveram igual sorte, embora o número oscile de um dia para outro.
Vítor e Soraia não percebem estes esforços. Estão irritados com os seus serviços consulares e com a embaixada por não terem entrado em contacto com eles, apesar de lhes terem enviado os seus dados para o endereço de correio electrónico estabelecido para este caso, covid19@mne.pt.
A preocupação aumenta após as imagens do voo da Iberia proveniente de Madrid para repatriar turistas espanhóis, que não pôde aterrar por ordem da autarca de Guayaquil, Cynthia Viteri, que enviou camionetas municipais para bloquear a pista de aterragem. Veem-se notícias dessas na televisão do hotel, a par do endurecimento das medidas de isolamento por parte das autoridades de Lima, que ordenaram a imobilização social obrigatória e a proibição de circulação de veículos particulares entre as oito da noite e as cinco da manhã, na prática um recolher obrigatório com presença da polícia e do exército nas ruas para garantir que seja cumprido.
A situação parece controlada com estas medidas, há abastecimento de alimentos nos mercados, não houve nenhum tipo de alteração da ordem e o Presidente Vizcarra presta informações diárias, mas as notícias que chegam do mundo fazem suspeitar que isto não será coisa só para quinze dias e os nervos afloram.
Por enquanto, a vida decorre com tranquilidade no Peru. Maria Bandeira, que está com o seu marido e um amigo em Lima, resume a situação: “Estamos bem, num bom hotel, e cuidam de nós. A embaixada responde todos os dias, mas estamos longe de casa e queremos regressar”.
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