Internacional

Trump: “O Irão nunca ganhou uma guerra”. As reações ao ataque dos EUA que matou um dos mais poderosos generais iranianos

3 janeiro 2020 9:36

Helena Bento

Helena Bento

Jornalista

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Irão ameaça com “vingança severa” e aponta à “brutalidade e estupidez das forças terroristas americanas no assassinato do comandante Soleimani”. Nancy Pelosi, presidente da Câmara dos Representantes, diz que Donald Trump agiu “sem autorização”. General iraniano assassinado era considerado um dos mais poderosos do Irão e, para alguns, o futuro líder do país

3 janeiro 2020 9:36

Helena Bento

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Jornalista

Ao fim de várias horas, Donald Trump escreveu a primeira frase após o ataque, ordenado pelo próprio, que marca a atualidade mundial esta manhã. Voltou ao Twitter, onde tinha publicado apenas uma imagem com a bandeira dos EUA, para dar uma bicada ao Irão. “O Irão nunca ganhou uma guerra”, escreveu, acrescentando depois: “mas nunca perdeu uma negociação”. A segunda parte da mensagem está a ser lida como uma nova bicada, esta ao antecessor, Barack Obama, que negociou um acordo nuclear com o país.

Pouco depois, na mesma rede social, o presidente norte-americano considerou que o general assassinado, Qassem Soleimani, já “devia ter sido abatido há muitos anos”. “O general Qassem Soleimani matou ou feriu gravemente milhares de americanos por um longo período de tempo e planeava matar muitos mais”, escreveu ainda Donald Trump. “Mas foi apanhado!”.

O líder da Casa Branca diz que o Irão “nunca terá capacidade de admitir” que Soleimani “era tanto odiado como temido no país”. As pessoas, acredita Trump, “não estão tão tristes quanto os líderes farão o mundo exterior acreditar”.

Antes de partilhar o tweet do Secretário de Estado norte-americano, Mike Pompeo, em que se vê uma suposta celebração de iraquianos pela morte de Soleimani (ver abaixo), Trump ainda escreveu que os iraquianos “não querem ser dominados e controlados pelo Irão”, como considera que tem acontecido “nos últimos 15 anos”. “Isto nunca vai acabar bem!”

O ano ainda mal começou e o mundo já levou o primeiro abalo. O ataque aéreo dos EUA sobre o aeroporto internacional de Bagdade, capital do Iraque, que na noite desta quinta-feira matou um general de elite iraniano, Qassem Soleimani, suscitou reações imediatas. A primeira veio logo que a morte foi confirmada — o ayatollah Ali Khamenei, líder supremo do Irão, ameaçou com uma “vingança severa” contra os EUA, por ele definidos como “os criminosos que sangraram as mãos sujas com o sangue” do general.

A mensagem foi publicada no site oficial do líder iraniano, onde se lê ainda que “todos os amigos, assim como todos os inimigos, sabem que o caminho da resistência continuará” e que “uma vitória definitiva aguarda os mujahidin [combatentes] neste caminho abençoado”. O ayatollah homenageou ainda o general morto no ataque, afirmando que “durante anos foi seu desejo tornar-se um mártir. “Finalmente Deus concedeu-lhe o seu mais alto cargo.”

Além de Soleimani, comandante da força de elite iraniana Al-Quds, o ataque vitimou pelo menos outras sete pessoas, entre as quais Abu Mehdi al-Muhandis, responsável da coligação de grupos paramilitares pró-iranianos no Iraque Mobilização Popular [Hachd al-Chaabi]. O Irão tem pela frente três dias de luto nacional.

Chamas no Aeroporto Internacional de Bagdade, depois do ataque aéreo norte-americano que matou um general de elite do Irão

Chamas no Aeroporto Internacional de Bagdade, depois do ataque aéreo norte-americano que matou um general de elite do Irão

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Presidente iraniano promete vingança e Hezbollah também

Também o presidente do país, Hassan Rouhani, foi rápido a reagir, num comunicado em que diz que “o martírio de Soleimani tornará o Irão mais decisivo na resistência ao expansionismo americano e na defesa dos valores islâmicos”. Também Rouhani não deixou de parte a ideia de vingança. “Sem dúvida, o Irão e outros países em busca da liberdade na região vingar-se-ão.”

Não menos incisivo, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Mohammad Zarif, aponta à “brutalidade e estupidez das forças terroristas americanas no assassinato do comandante Soleimani”.

Quem também prometeu vingança e uma “justa punição aos assassinos criminosos” foi o movimento xiita libanês Hezbollah, grande aliado do Irão, que em comunicado citado pelos media internacionais afirmou que punir os responsáveis pelo ataque é “uma responsabilidade de toda a resistência e de todos os combatentes espalhados pelo mundo”.

Rússia antecipa agressões na região e Governo sírio acusa EUA de “cobardia”

Por outros “países em busca da liberdade na região”, nas palavras do Presidente Rouhani, entenda-se, por exemplo, a Rússia, aliada do Irão na Síria. Citado pela agência de notícias estatal TASS, o ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergei Lavrov, afirmou que o ataque aéreo norte-americano que resultou na morte de Qassem Soleimani “irá tornar a situação ainda mais tensa no Médio Oriente” ofereceu as suas “condolências ao povo iraniano” e ao general assassinado, “que protegeu devotamente os interesses nacionais do Irão”.

Antes dele, pronunciou-se sobre o assunto o senador russo Konstantin Kosachev, que num comunicado divulgado nas redes sociais considerou a morte de Soleimani um “erro” que poderá “prejudicar os EUA a longo prazo” e “destruir” todos os esforços para manter incólume o acordo nuclear com o Irão. “Isto é mais uma prova do típico hábito americano de personalizar todo e qualquer problema”, afirmou, referindo-se ao afastamento de líderes como Saddam Hussein e Bin Laden.

Já o Governo sírio falou em “cobardia” por parte dos EUA e antecipou também uma “grave escalada” da tensão no Médio Oriente, prometendo “resistência” (assim o afirmou uma fonte do ministério dos Negócios Estrangeiros em Damasco, citado pela agência Sana).

De Bagdade, onde tudo aconteceu, o ataque está a ser visto como uma “violação da sua soberania que levará à guerra no Iraque, na região e no mundo”. As palavras são do primeiro-ministro, Adel Abdul Mahdi, que acrescenta que o ato viola as condições da presença militar norte-americana no país. Convocada para data por enquanto indeterminada está uma sessão extraordinária no Parlamento iraquiano para decidir os próximos passos, conforme avançou a CNN.

Na região está também a Palestina e de lá chega uma reação do porta-voz do movimento islâmico Hamas, Bassem Naim. Também no Twitter, o responsável escreve que “o assassinato do major-general Qassim Soleimani, líder da brigada Alquds, abre a porta da região a todas as possibilidades, exceto as da calma e estabilidade”.

Trump agiu “sem autorização”, mas “nenhum americano irá fazer luto pela morte de Qassem Soleimani”

Entre as principais figuras da política norte-americana, sente-se sobretudo divisão. Joe Biden, vice-presidente durante a administração Obama, é disso exemplo. “O presidente Trump acabou de atirar um dinamite”, escreveu, alertando o chefe da Casa Branca “que deve ao povo americano uma explicação sobre a estratégia e o plano para manter a segurança” das tropas americanas na região. Recorde-se que, já esta manhã, a embaixada norte-americana pediu aos seus cidadãos que abandonassem o Iraque.

Apesar dos alertas, o mesmo Biden publicou no Twitter um comunicado em que garante que “nenhum americano irá fazer luto pela morte de Qassem Soleimani”. “Ele merecia ser trazido à Justiça pelos seus crimes contra as tropas americanas e contra os milhares de inocentes na região. Ele apoiou o horror e o caos”, lê-se ainda na nota.

Mike Pompeo, Secretário de Estado norte-americano, foi ainda mais visual na crítica ao comandante da força de elite iraniana Al-Quds, morto pelos EUA. Num vídeo publicado no Twitter, Pompeo deixa a seguinte legenda: “Iraquianos a dançarem na rua pela liberdade, gratos por Soleimani já não existir.”

Donald Trump, também no Twitter, recorreu também à imagem, mas optou por apenas uma: a bandeira dos EUA. Sem qualquer comentário.

Por outro lado, Nancy Pelosi, presidente da Câmara dos Representantes, diz que Trump ordenou o ataque sem autorização e quer saber mais detalhes. “O ataque aéreo desta noite arrisca-se a provocar mais uma escalada perigosa de violência. Os Estados Unidos — e o mundo — não podem dar-se ao luxo de aumentar as tensões até um ponto sem retorno.” No comunicado emitido pelo speaker da câmara baixa do Congresso americano [leia AQUI], lê-se ainda que “o Governo conduziu os ataques no Iraque sem autorização para o uso de força militar (AUMF) contra o Irão. Além disso, essa ação foi tomada sem a consulta do Congresso.” Na noite de quinta-feira, foi imediatamente pedido à administração de Trump que informasse os legisladores sobre os detalhes do ataque e os planos para o que se seguirá.

Do lado dos republicanos, o senador Lindsey Graham elogiou o presidente pela iniciativa de atacar as lideranças iranianas. “Obrigado sr. Presidente, por defender a América”, escreveu, não sem lhe juntar um cheiro a ameaça. “Se a agressão iraniana continuar e eu trabalhasse numa refinaria de petróleo iraniana, pensaria numa nova carreira.”

Mas se entre os republicanos a morte de Qassem Soleimani é vista como um bom sinal, do lado democrata a tónica está no potencial perigo por vir. O senador Bernie Sanders, candidato democrata à Casa Branca nas próximas eleições, chamou ao ataque “uma escalada perigosa”, que aproxima os EUA “de outra guerra desastrosa no Médio Oriente que pode custar inúmeras vidas e triliões de dólares”.

Aliado norte-americano, o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, elogiou Donald Trump, considerando que os EUA tinham “o direito de se defender”. “Soleimani é responsável pela morte de cidadãos norte-americanos e outros inocentes e planeava novos ataques”, acredita Netanyahu, para quem Trump “agiu com rapidez, força e sem hesitação”. “Israel está com os Estados Unidos na sua luta pela paz, segurança e no seu direito à autodefesa.”

“O mundo não pode permitir outra guerra no Golfo”

António Guterres juntou a sua voz à de outros líderes mundiais a pedir moderação aos países envolvidos no ataque. O secretário-geral da ONU emitiu um curto comunicado a apelar “aos líderes para mostrarem o máximo de contenção” neste momento tenso, acentuado pelas ameaças de vingança que chegam do Irão. “O mundo não pode permitir outra guerra no Golfo”, enfatizou o português

China pede “contenção” a todos os envolvidos mas sobretudo aos EUA

Outra reacão de que importa dar nota, devido aos importantes laços com o regime iraniano, é a do Governo chinês, que pediu “contenção sobretudo aos EUA” para “prevenir um escalada da tensão na região”. Em declarações esta sexta-feira de manhã, citadas pela CNN, Geng Shuang, porta-voz do ministro dos Negócios Estrangeiros chinês, afirmou também que a “soberania e integridade territorial do Iraque deve ser respeitada e deve ser mantida a paz e estabilidade no Médio Oriente e na região do Golfo”. “Estes acontecimentos são da maior importância para nós. A China sempre se opôs ao uso da força nas relações internacionais e defende que sejam respeitados os princípios da Carta das Nações Unidos”.

Da Palestina chegou entretanto uma reação do porta-voz do movimento islâmico Hamas, Bassem Naim, que no Twitter escreveu que “o assassinato do major-general Qassim Soleimani, líder da brigada Alquds, abre a porta da região a todas as possibilidades, exceto as da calma e estabilidade”.

Europa exige fim da escalada de violência

O ministro dos Negócios Estrangeiros britânico, Dominic Raab, pediu a “todas as partes” envolvidas que reduzam a tensão após o ataque dos Estados Unidos a Bagdad. “Sempre reconhecemos a ameaça agressiva que representava a força Quds iraniana liderada por Qassem Soleimani”, diz o responsável político, em comunicado. “Um grande conflito não é do nosso interesse.”

Também a Alemanha revelou “grande preocupação” pelas consequências do incidente, referindo-se à mesma “escalada de tensão”. “Agora é importante contribuir para uma redução desta com cautela e contenção”, afirmou Ulrike Demmer, porta-voz da Chancelaria alemã, numa conferência de imprensa.

França fala “num mundo mais perigoso” desde a noite de quinta-feira e pediu, através da secretária de Estado para Assuntos Europeu, Amélie de Montchalin, “estabilidade e um decréscimo [da escalada] acima de tudo”. O Governo francês pediu a todos os seus cidadãos no Irão que não vão a quaisquer manifestações ou ajuntamentos públicos.

A palavra repetida aparece também no discurso de Charles Michel, presidente do Conselho Europeu. “O ciclo de violência, provocações e retaliações a que temos vindo a assistir nas últimas semanas no Iraque tem de acabar. Tem de se evitar uma maior escalada a todo o custo. O Iraque continua a ser um país frágil. Demasiadas armas e milícias estão a atrasar o processo de regresso a uma vida normal por parte dos cidadãos iraquianos”, lê-se em comunicado.

Notícia atualizada às 14h05, com reações de Donald Trump e Benjamin Netanyahu