Internacional

Eleições em Espanha. Mulheres serão decisivas num país em luto pela violência de género

27 abril 2019 17:42

Miguel Santos Carrapatoso

Miguel Santos Carrapatoso

Em Espanha

Jornalista

marcos del mazo/getty

Nos últimos dias, os partidos têm apostado tudo para captar o voto feminino. Percebe-se porquê: há mais indecisas do que indecisos e há mais eleitoras do que eleitores num país em que já morreram 19 mulheres desde janeiro vítimas de crimes de violência de género

27 abril 2019 17:42

Miguel Santos Carrapatoso

Miguel Santos Carrapatoso

Em Espanha

Jornalista

Ela não parece ter pressa. Tem o cabelo pintado de verde, arrumado num coque duplo, uma mini-saia aos quadrados, luvas pretas rasgadas, botas cardadas, top revelador e maquilhagem carregada. 16 anos ou menos. Segue segura, de auscultadores nos ouvidos. A menos de cinco metros, um grupo de homens, vencidos pelo vinho de pacote, foca-se nela. E o assédio começa. “Olé”, gritam, enquanto a devoram com os olhos. Repetem palavras e gestos irreproduzíveis. Tudo em plena luz do dia. Tudo perto da Estação Príncipe Pío, em Madrid, numa zona apinhada de gente. Ninguém faz nada. Ninguém diz nada. Ela encolhe-se e acelera o passo. Desaparece.

Desde o início do ano, pelo menos 19 mulheres foram assassinadas em crimes de violência de género. Quase um milhar desde 2003, de acordo com dados oficiais. O “La Manada”, como ficou conhecido o caso que envolve um grupo de cinco homens que violou uma jovem de 18 anos, em Sevilha, e gravou tudo com os telemóveis, foi o rastilho da indignação. Em abril, os homens foram condenados a nove anos de prisão por abuso sexual, mas não pela acusação mais grave, de violação. Os juízes alegaram que não tinha existido violência nem intimidação, condições para que a agressão fosse considerada violação à luz do Código Penal espanhol. Em junho, a justiça espanhola concedeu aos cinco homens liberdade condicional, sob fiança, enquanto avaliava os recursos apresentados pela defesa. Ainda não foi tomada qualquer decisão. Em março de 2018, e este ano outra vez, centenas de milhares de pessoas saíram à rua para protestar contra a violência de género e contra aquilo que dizem ser uma “justiça machista”. Segundo os relatos da imprensa espanhola, estava mais gente na Praça de Cibeles, em Madrid, do que quando o Real Madrid conquistou a Liga dos Campeões.

O problema da violência de género tornou-se um dos temas centrais em Espanha. A cada conversa, a cada entrevista, a cada debate, a questão tem sido usada ora como pin na lapela, ora como arma de arremesso. Todos os partidos propõem medidas nesse sentido, mesmo que com várias nuances. Há consenso generalizado de que é preciso reforçar moldura penal para os crimes de violência contra as mulheres e de que é preciso avançar no sentido de garantir mais igualdade de direitos entre homens e mulheres. A exceção é o partido de extrema-direita Vox, que propõe a extinção da “lei de violência de género” e a substituição por uma “lei de violência intrafamiliar”. O partido liderado por Santiago Abascal acredita que Espanha está cercada pelos lóbis da “ideologia de género” e, também por isso, quer acabar com o apoio público às associações feministas. A agenda ultra-conservadora (que partilha, em certa medida, com o PP) faz igualmente parte da estratégia.

Voto das indecisas determinante

Pedro Sánchez, líder do PSOE (Partido Socialista Operário Espanhol), pressionado à esquerda pelo Podemos de Pablo Iglésias, tentou assumir-se nesta campanha como campeão da luta contra a violência de género. À direita, o Partido Popular (PP) de Pablo Casado, pressionado pela direita musculada do Vox, tem mostrado algumas hesitações nessa matéria. No segundo debate entre os quatro principais candidatos, Pedro Sánchez não hesitou em atacar Casado. “Um ‘não’ é um ‘não’. Por mais que as candidatas do PP [digam o contrário]”. Era uma referência às palavras da candidata do PP por Barcelona, Cayetana Alvárez de Toledo, que, num debate televisivo, questionou a proposta dos socialistas de consentimento afirmativo nas relações sexuais. “É verdade que vocês dizem ‘sim, sim, sim…’ até ao final?”, provocou a candidata. As declarações causaram muita controvérsia em Espanha, e Sánchez aproveitou o flanco. Nesse mesmo debate, o socialista mostrou ainda uma suposta carta para provar que a Junta da Andaluzia (onde governam PP e C’s, com apoio do Vox) estava a fazer uma lista negra de todos os que trabalham em associações contra a violência de género. Era falsa. A iniciativa era de um cidadão particular e não da Junta da Andaluzia. Tanto Casado como Rivera acusaram o socialista de “usar a dor das mulheres” para fins eleitorais.

Curiosamente, nenhum dos partidos, nem mesmo o PSOE, leva a estas eleições uma lista absolutamente paritária. Os socialistas, aliás, são ultrapassados pelo PP nesse campeonato. Seja como for, nos últimos dias de campanha, todos os partidos têm-se empenhado em captar o voto do eleitorado feminino. Mesmo o Vox, que aposta numa estratégia que já deu resultado noutras eleições e noutros países: as mulheres não precisam das “feminazi” (Abascal dixit); elas sabem defender-se. Uma mensagem que colhe apoio junto das eleitoras mais conservadoras.

E percebe-se o porquê da estratégia dos vários partidos: de acordo com as últimas sondagens, há mais mulheres indecisas do que homens (45% contra 38%). Mais relevante: há mais mulheres eleitoras do que homens e elas são menos propensas à abstenção do que eles. O futuro de Espanha pode muito bem depender delas.