O que Portugal precisa para crescer

O tipo de investimento que faz falta à economia

A Sword Health inventou uma plataforma digital para fazer fisioterapia à distância
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Rui Duarte Silva

Análise: para crescer, Portugal tem de ser capaz de atrair mais capital para a criação de novas ideias e de produtos de valor acrescentador

Ana Baptista e Rui Duarte Silva

O ditado diz, e bem, que “querer é poder”, mas nos negócios, e quando se trata de novas ideias ligadas à transição digital, só a vontade e o conhecimento não chegam. É preciso dinheiro que, na sua maioria, é privado mas cuja disponibilidade e especificidade varia consoante o tipo de projeto e de empresa.

Por exemplo, para companhias tradicionais e estabelecidas, a banca portuguesa é uma solução, tal como os fundos comunitários do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) ou o Portugal 2030. Mas há também a possibilidade de abrir o capital ou fazer parcerias que, além de dinheiro, trazem conhecimento e novos mercados, diz Pedro Brás Silva, sócio associado da Deloitte.

Já no caso das startups — empresas criadas de raiz que aliam novas ideias e negócios à tecnologia — o tipo de investidor disponível é outro e, quase sempre, estrangeiro. É o caso do capital de risco que “investe em intangíveis, empresas baseadas no conhecimento, e não em ativos tangíveis, físicos”, explica António Murta, cofundador e CEO da Pathena. Ou seja, são investidores preparados para aplicar dinheiro numa empresa que pode não ter nem vendas nem garantia de sucesso, apenas uma ideia, diz Joaquim Sérvulo Rodrigues, CEO da Armilar Venture Partners. Contudo, são investidores que assumem que vale a pena correr o risco porque são startups com uma “alta possibilidade de crescimento”, acrescenta António Murta.

“Taxas e taxinhas”: mais de 50% do dinheiro vai para o Estado

De acordo com Pedro Brás Silva, os dois tipos de investimento são válidos quando se trata de inovação, porque inovar não tem de ser apenas desenvolver uma ideia de raiz. Pode ser algo tão simples como aumentar as exportações ou “mudar uma embalagem”. E há “muitas empresas estabelecidas, e não muito grandes, a fazer coisas muitas inovadoras”. A economista Isabel Horta Correia concorda, mas atenta que estas pequenas, médias e microempresas têm mais dificuldades em angariar dinheiro.

Por um lado, porque têm poucas poupanças e, por isso, investem pouco porque só investem o que poupam. Por outro, porque se tiverem um projeto maior, têm de recorrer à banca e/ou a capital estrangeiro, mas como já estão muito endividadas nem sempre conseguem atrair esse dinheiro. E, por fim, porque “temos uma burocracia excessiva, impostos sobre o trabalho que não são razoáveis e taxas e taxinhas que fazem com que mais de 50% do dinheiro que pomos nas empresas vá para o Estado”, diz Joaquim Sérvulo Rodrigues. De facto, “a incerteza legal e fiscal do país faz com as empresas não arrisquem tanto, não inovem e não mudem de negócio”, acrescenta Isabel Horta Correia.

Unicórnios: inovação e valor para fazer crescer a economia

Por isso é que, nos últimos cinco anos, têm sido as startups a apresentar os projetos mais inovadores e, acima de tudo, “as únicas a criar valor novo”, repara a economista Isabel Horta Correia. Ou seja, inventam produtos tão inovadores que lhes permitem angariar muito dinheiro e, com ele, ir para novos mercados onde vendem mais, mas mantendo em Portugal o centro tecnológico e a maioria dos empregos. Foi o caso Sword Health (fisioterapia digital à distância), a Defined.ai (melhorar a forma de falar dos robots) ou a Remote (contratação de talento), três dos sete unicórnios portugueses (avaliadas em mais de mil milhões de dólares).

Para Isabel Horta Correia, este é o tipo de modelo de negócio que a economia portuguesa precisa para crescer e que pode — e deve — ser aplicado em empresas existentes. Como aconteceu com a Bosch, em Braga, que fez uma parceria com a Universidade e passou a fazer produtos que só se fazem em Portugal. Mas para que existam mais casos destes têm de se eliminar as incertezas e burocracias e atrair outro tipo de investimento direto estrangeiro (IDE), porque parte dele ainda vem de multinacionais que criam empregos, mas que fazem produtos que se podem fazer em qualquer lado, não trazendo valor acrescentado à economia.

O Investimento Direto Estrangeiro e as ineficiências que o travam

  • Segundo dados do Banco de Portugal, o Investimento Direto Estrangeiro (IDE) — que diz respeito a transações de imobiliário ou operações que fiquem com 10% do capital da empresa onde se investiu — foi de €6,8 mil milhões em 2020 e de €7,3 mil
  • milhões em 2021. Em 2019 superou os €11 mil milhões.
  • Em 2022, o IDE tem estado num contínuo sobe e desce e os melhores meses foram fevereiro e junho. Em agosto, o último mês disponível nos dados do Banco de Portugal, o Investimento Direto Estrangeiro foi de €850,3 milhões.
  • O endividamento das sociedades não financeiras privadas (excetuando as atividades das sedes sociais) ascendeu, em 2021, a €257,4 mil milhões, segundo dados da Pordata. Em 2020, chegou aos €248,8 mil milhões.
  • Em 2021, as microempresas foram as mais endividadas, com €79,5 mil milhões. Olhando só para as Pequenas e Médias Empresas (PME), o valor da dívida foi de 180 mil milhões. Nas grandes, passa pouco dos 77 mil milhões.
  • O número de empresas zombie — ou seja, empresas com elevados graus de endividamento e que, muitas vezes, sobrevivem de apoios do Estado para se manter a laborar, mas com salários baixos e sem inovar — representava, em 2019, 3% de todo o tecido empresarial português. Esta percentagem é, contudo, a mais baixa dos últimos dez anos.
  • O tempo que demora a resolver um processo de insolvência desde que dá entrada em tribunal até à resolução do caso e ao decretar do estado de insolvência era, em 2019, de três anos, segundo dados do Banco Mundial. Em 2010, era de dois anos.

Os desafios que enfrentamos: debate 4

O tema analisado neste artigo será também o mote do próximo debate organizado pela Impresa e a FFMS. Passa na SIC Notícias a 15 de novembro, terça-feira, às 20h, e dele farão parte Joaquim Sérvulo Rodrigues, da Armilar Venture Partners, José Dionísio, do grupo Primavera, Isabel Horta Correia, economista, e Daniela Braga, da Defined.ai. A 9 de dezembro será publicado mais um artigo no Expresso e decorrerá mais um debate na SIC Notícias, o último deste ano.

IDENTIFICAR OBSTÁCULOS E OPORTUNIDADES

Os desafios estruturais ao crescimento da economia portuguesa exigem um novo paradigma. A Fundação Francisco Manuel dos Santos — à qual o Expresso se associa — reuniu uma equipa de reputados economistas para realizarem um estudo para identificar os obstáculos e as oportunidades que permitam contribuir para a definição de políticas públicas que sejam promotoras de um crescimento sustentável da economia portuguesa.

Textos originalmente publicados no Expresso de 11 de novembro de 2022

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