O que Portugal precisa para crescer

Qualificações: o que ainda temos de mudar

A Casais, uma construtora de Braga, criou a Blubox, um contentor que leva para várias obras no país, onde dá formação de pedreiros e ladrilhadores
A Casais, uma construtora de Braga, criou a Blubox, um contentor que leva para várias obras no país, onde dá formação de pedreiros e ladrilhadores
D.R.

Análise: o desajuste que há entre o que se estuda e o trabalho que se faz combate-se com cursos mais práticos e mais requalificação profissional

Ana Baptista

Se há uma mudança da qual Portugal se pode orgulhar nos últimos 30 anos é a que está relacionada com os níveis de escolaridade. A percentagem de pessoas com ensino secundário, apesar de estar abaixo da média europeia, cresceu de 20% em 1992 para 60% em 2021. E a percentagem de pessoas com formação superior na faixa dos 25 aos 34 anos cresceu de 14% para 47% nos últimos 20 anos. Neste momento, diz Carlos Oliveira, presidente da Fundação José Neves, temos a “geração com as mais elevadas qualificações de sempre”.

Mas, quando estes jovens chegam ao mercado de trabalho, a realidade é outra. As empresas dizem ter dificuldades em contratar, mas muitos ficam desempregados; outros têm salários baixos para as competências que têm ou vão desempenhar funções para as quais não precisavam de ter um curso; e outros ainda acabam por ir trabalhar para o estrangeiro.

Não é, por isso, de estranhar que, apesar do “extraordinário aumento da escolaridade”, não tenha havido um equivalente aumento da produtividade, repara Carlos Oliveira. O problema, diz o professor da Nova School of Business and Economics (SBE), Francisco Queiró, é que “a produtividade das empresas depende muito das qualificações dos gestores, que são de uma geração mais velha”, em que os níveis de escolaridade estão “bem longe” dos níveis dos mais jovens (ver caixa ao lado).

Mas depende também do sistema educativo, onde ainda há cursos muito teóricos ou que não acompanham a evolução da sociedade e da economia, diz Maria do Rosário Vilhena, diretora de Recursos Humanos da Nestlé; ou onde “há um fraco envolvimento dos docentes na investigação, que é o que assegura que os conteúdos são atualizados”, nota Pedro Martins, professor da Nova SBE.

Há, portanto, duas frentes de ataque a este paradoxo. Do lado da academia, seria importante apostar em mestrados articulados com o que as empresas e indústrias precisam, diz António Rodrigues, CEO do grupo Casais. E também adotar, em certos cursos, o modelo dual de ensino, em que os alunos “estão na escola dois ou três dias e dois dias na empresa”, defende Pedro Martins. Por outro lado, devia haver um reforço e uma maior divulgação dos cursos profissionais, que “são mais práticos e orientados para problemas concretos do mercado de trabalho. Aliás, alguns têm mesmo 100% de empregabilidade”, diz Carlos Oliveira.

O exemplo da Casais e da Nestlé

Do lado das empresas, sendo um dos problemas a baixa escolaridade da gestão, o ataque a este paradoxo passa por requalificar os trabalhadores e participar mais na requalificação de desempregados. O grupo Casais e a Nestlé são dois exemplos desta aposta.

“Criámos a Academia Casais há uns seis anos, onde temos estado a ser advogados do que precisamos e o mercado não tem estado a oferecer”, diz António Rodrigues. Por exemplo, têm um curso de pedreiro e ladrilhador, que lecionam na Blubox, uma sala de aula num contentor azul que levam para as obras, e criaram um curso de tecnologia da construção, porque “não havia nenhum no mercado”.

É que, “apesar de ainda ser um sector tradicional, há cada vez mais tecnologia envolvida, o que também nos permite ir buscar pessoas que não são do sector e ter mais mulheres e mais idosos a trabalhar. Tivemos aqui um aluno que era ourives”, conta.

Já na Nestlé, calhou ser uma esteticista e uma empregada de loja a fazer um curso de operador de fábrica que a marca tanto precisa para a sua unidade de Aveiro, onde fazem o Chocapic, o Nestum e a Cerelac. Ambas fizeram parte do primeiro laboratório de indústria lançado em 2021 no âmbito do programa Pro_Mov, onde participam outras empresas e o Instituto do Emprego e Formação Profissional.

Dos 15 alunos que tinham, ficaram com 10, e o próximo curso começa já no início de 2023, com mais 10 a 15 alunos. “É o máximo que podemos ter, porque cada um deles é acompanhado individualmente quando em ambiente de fábrica”, diz Maria do Rosário Vilhena.

O estado da educação em Portugal

  • Dados da Fundação José Neves indicam que 26,5% dos jovens que acabaram o curso estão desempregados nos três anos seguintes à sua conclusão. E que 20% dos jovens estão em trabalhos para os quais não precisavam do grau de formação que tiraram.
  • De acordo com o estudo “Qualificações dos trabalhadores, desfasamentos entre procura e oferta no mercado de trabalho”, do Gabinete de Estratégia e Estudos, do Ministério da Economia, a percentagem de população empregada com um nível adequado de formação era de 65% em 2019, menos que os 77% de 2010. Já a percentagem de população empregada com qualificações a mais e com qualificações a menos cresceu nesse mesmo período, respetivamente, de 15% para 24% e de 8% para 11%.
  • A percentagem de trabalhadores com ensino superior cresceu de 9% em 2000 para 30% em 2020, diz o estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos. Mas se olharmos apenas para o universo dos empregadores, há 47,6% que não acabaram o curso superior, um indicador que está muito acima da média europeia, que está em pouco mais de 15%, acrescenta o trabalho da Fundação José Neves.
  • Dois terços dos empresários portugueses têm 45 anos ou mais e, na faixa etária dos 45 aos 54 anos, apenas 27% têm curso superior. E no grupo dos 55 aos 64 anos a percentagem desce para 18%, diz Francisco Queiró, da Nova SBE.
  • De acordo ainda com a Fundação José Neves, investir em formação tende a aumentar a produtividade em 5% e as vendas entre 5% e 15%.
  • A Academia Casais, criada há seis anos, deu 31.500 horas de formação em 163 ações, entre 1 de janeiro e 31 de agosto de 2022, e tem mais 16 mil horas e 47 ações planeadas.

Os desafios que enfrentamos: debate 3

‘De que qualificações precisamos’ é o tema do próximo debate organizado pela Impresa e a FFMS no ciclo “O que Portugal precisa para crescer”. Passa na SIC Notícias a 18 de outubro, terça-feira, às 20h, com a presença de Francisco Veloso, da Imperial College Business School, Pedro Martins, da Nova SBE, António Rodrigues, CEO da Casais, e Cristina Campos, da Novartis. Se não teve oportunidade de ver o debate transmitido na SIC Notícias poderá fazê-lo através dos seguintes links: Facebook SIC Notícias / Facebook Expresso / LinkedIn Expresso. A 25 de outubro, à mesma hora, decorrerá o debate 2, sobre o tema ‘Em que áreas de conhecimento devemos investir’, que tinha sido adiado.

IDENTIFICAR OBSTÁCULOS E OPORTUNIDADES

Os desafios estruturais ao crescimento da economia portuguesa exigem um novo paradigma. A Fundação Francisco Manuel dos Santos — à qual o Expresso se associa — reuniu uma equipa de reputados economistas para realizarem um estudo para identificar os obstáculos e as oportunidades que permitam contribuir para a definição de políticas públicas que sejam promotoras de um crescimento sustentável da economia portuguesa.

Textos originalmente publicados no Expresso de 14 de outubro de 2022

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