O que Portugal precisa para crescer
A inevitável união entre indústria e academia

Análise: digitalização, energia e a melhoria da qualidade do ensino universitário têm sido responsáveis pelo crescimento desta parceria
O que Portugal precisa para crescer
Análise: digitalização, energia e a melhoria da qualidade do ensino universitário têm sido responsáveis pelo crescimento desta parceria
No universo das empresas criadas em Portugal nos últimos 10 anos, boa parte delas tem, pelo menos, duas características comuns: nasceram em universidades e/ou centros de investigação nacionais e atuam na área da tecnologia, aplicada a vários sectores da economia. É o caso da Feedzai (segurança), criada no Instituto Pedro Nunes, da Universidade de Coimbra; da Veniam (mobilidade), nascida na Universidade do Porto e Aveiro ou da Sword Health (fisioterapia), criada na Universidade de Aveiro. E no pacote de empresas e sectores que mais inovaram nesse período, também são várias com as mesmas características. A Bosch Portugal, em Braga, é um dos maiores exemplos, conta José Oliveira, gestor do projeto. Em 2013, aliou-se à Universidade do Minho (UMinho) para deixar os datados autorrádios e produzir painéis digitais e sistemas de navegação e, desde então, já foram investidos €260,8 milhões — de ambas as partes — em vários outros sistemas digitais, originando 96 patentes e transformando a Bosch Braga “num centro de desenvolvimento”, acrescenta António Pontes, gestor do projeto na UMinho.
Mas há outros casos. Como a Simoldes, que desenvolveu uma bateria de sódio para armazenar energia em parceria com um laboratório da Faculdade de Engenharia do Porto (FEUP). Ou a AMF Safety Shoes, uma empresa de calçado de trabalho que, com o Instituto de Ciência e Inovação em Engenharia Mecânica e Engenharia Industrial (INEGI), criou uma palmilha digital que mede e interpreta as pressões colocadas no pé e que vai agora ser testada na fábrica da Heineken, na Holanda. O objetivo, explica Albano Miguel Fernandes, CEO e fundador, é reduzir os problemas de saúde nos trabalhadores e as baixas laborais.
Estes exemplos mostram bem os “progressos notáveis” da academia e da investigação portuguesa e como as parcerias com empresas/indústrias são cruciais para garantir que os alunos têm correspondência no mercado de trabalho nacional, e não no estrangeiro, e para que as empresas inovem e cresçam. Porque é na academia que as empresas encontram o know how que precisam, considera António Pontes, nomeadamente na digitalização, ambiente e energia (renováveis e baterias). “Nenhuma empresa ou país é capaz de se manter na fronteira do conhecimento só pelos seus esforços, mediante a atual difusão da ciência e da tecnologia”, nota Nuno Mangas, presidente do Compete e ex-presidente do Instituto Politécnico de Leiria.
De facto, a tecnologia está — e estará — presente em todos os sectores da economia. “Por exemplo, a inteligência artificial está nos automóveis, banca, saúde... Até as mensagens de alerta que recebemos quando usamos o Visa no estrangeiro são inteligência artificial”, diz António Cunha, presidente da CCDR-Norte e ex-reitor da UMinho.
Estes casos mostram também como esta união é “essencial” para a economia e para o novo paradigma de crescimento baseado em inovação que defende o estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS). As startups referidas em cima, apesar de terem sede nos EUA, abriram centros de desenvolvimento em Portugal. Só a Feedzai tem 400 pessoas a trabalhar cá, cerca de 60% do total, e a Sword Health triplicou o número de empregados em menos de dois anos, tendo agora 160 em Portugal, de um total de 300. Além disso, estão sempre a contratar.
Já no caso da AMF, uma empresa de Guimarães fundada em 1999 com apenas 22 funcionários, há dez anos — desde que começaram a inovar — que pagam um salário extra aos mais de 100 empregados que têm agora. E no caso da Bosch, o impacto foi sentido na empresa, na universidade e na região. As vendas cresceram de €446 milhões em 2013 para €1035 milhões em 2021 e os trabalhadores de 1800 para 3432, “dos quais 402 a trabalhar em Inovação e Desenvolvimento”, um número que chegará aos 600 no final de 2022, diz José Oliveira. Na UMinho, que tem 300 pessoas a trabalhar na parceria, foram reforçados os recursos humanos e criaram-se cursos em áreas mais procuradas pela indústria. Além disso, conta António Cunha, foi criado emprego indireto em empresas locais e, enquanto que “em toda a região Norte houve perda de população, Braga teve um aumento de 6%”.
Quais as áreas de conhecimento em que o país deve investir é o tema do segundo de seis debates que a Impresa e a Fundação Francisco Manuel dos Santos estão a organizar. Para isso contarão com Nuno Mangas, presidente do Compete2020; Cláudia Sarrico, professora de Economia e Gestão na Universidade do Minho; Paulo Barradas Rebelo, CEO da Bluepharma; e Isabel Furtado, CEO da TMG Automotive. O debate passará na SIC Notícias.
IDENTIFICAR OBSTÁCULOS E OPORTUNIDADES
Os desafios estruturais ao crescimento da economia portuguesa exigem um novo paradigma. A Fundação Francisco Manuel dos Santos — à qual o Expresso se associa — reuniu uma equipa de reputados economistas para realizarem um estudo para identificar os obstáculos e as oportunidades que permitam contribuir para a definição de políticas públicas que sejam promotoras de um crescimento sustentável da economia portuguesa.
Textos originalmente publicados no Expresso de 16 de setembro de 2022
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