O Estado deve (ou não) investir em habitação social e acessível?
no Bairro social dos Alfinetes
José Fernandes
O Expresso e a Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS) juntam-se para debater as últimas cinco décadas de democracia em Portugal. Nos próximos 10 meses, vamos escrever (no Expresso) e falar (na SIC Notícias) sobre 10 temas diferentes da economia e da sociedade. O primeiro é a habitação
Ana Baptista
Os factos
O artigo 65º da Constituição Portuguesa estabelece que “todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar” e que “para assegurar o direito à habitação, incumbe ao Estado: Programar e executar uma política de habitação; (…) Estimular a construção privada” e “estabelecer um sistema de renda compatível com o rendimento familiar”.
A responsabilidade de construir habitação social tem sido maioritariamente das autarquias.
A habitação social é para pessoas que vivam em casas sem condições de salubridade e segurança; pessoas de baixos rendimentos; desempregados de longa duração por doença; pessoas em situação de insolvência; sem-abrigo ou vítimas de violência doméstica.
2%
é a taxa atual de habitação social em Portugal, das mais baixas da Europa
O maior projeto de habitação social lançado em Portugal foi Plano Especial de Realojamento (PER) que foi aprovado em 1993 e tinha como objetivo acabar com as barracas nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto.
Foram investidos €1,4 mil milhões e entregues casas a cerca de 34.500 famílias.
Em 2018 foi criado, no âmbito da Nova Geração de Políticas de Habitação (NGPH), o programa 1º Direito que tem como objetivo suprimir a falta de habitação social mas, ao contrário do PER, abrange todo o país.
Na altura, foi identificada a necessidade de construir casas para 26 mil famílias.
67 mil
é o número de famílias que 241 dos 308 municípios em Portugal sinalizaram como tendo necessidades de realojamento
Destas, 26 mil terão as suas casas 100% financiadas pelo Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), o mesmo número apresentado quatro anos antes.
Na habitação acessível, as casas são disponibilizadas mediante candidaturas e têm rendas mais baixas que o valor de mercado.
O Porta 65 foi um dos primeiros programas a fazer isso. Existe desde 2007 e comparticipa parte da renda a jovens com baixos rendimentos.
Em 2022 foram, pela primeira vez, apoiadas 100% das candidaturas elegíveis neste programa, num total de 13.909.
Em 2019 foi criado o Programa de Arrendamento Acessível (PAA) com benefícios fiscais para os proprietários que colocassem as suas casas no mercado com rendas mais baixas.
Segundo a Deco, que cita dados do ministério da Habitação, há 771 contratos contratos destes em vigor no país.
Como chegámos até aqui
Olhado para os dados acima é claro que as carências de habitação social são muito maiores que a oferta que tem sido disponibilizada nos últimos anos. Num artigo do Diário de Notícias publicado aquando dos 30 anos do PER, em março deste ano, a vereadora da câmara de Lisboa, Filipa Roseta, dizia que, segundo os Censos 2021, só se tinham construído, em média, 17 habitações sociais por ano entre 2010-2020.
Aliás, o próprio ministério da Habitação diz que “entre o PER e o Programa 1º Direito pouco ou nada se construiu ou reabilitou e as políticas de habitação reduziram-se a programas esporádicos e muito assentes no crédito à habitação”. Mas isto porque os juros estavam baixos.
“O papel do Estado na Habitação tem sido mais de dar apoio aos privados e tem sido muito mais reactivo do que proactivo”, diz o economista do Banco de Portugal e coordenador do Estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos sobre habitação, Paulo Rodrigues
E por isso é que o ministério acrescenta que “investimento hoje em curso e os programas estruturais sedimentados no nosso ordenamento jurídico não têm paralelo no passado, nem mesmo no PER, e assentam na definição das necessidades habitacionais em todo o território e tendo em consideração duas dimensões fundamentais de resposta: as famílias de menores rendimentos e as famílias de rendimentos intermédios”.
Contudo, o nível de execução dos vários programas é ainda muito baixo. Aliás, para Paulo Rodrigues, o problema não é a falta de dinheiro, mas sim haver “os condicionalismos à oferta, como as burocracias e a falta de pessoal nas câmaras” ou “a falta de comunicação com as autarquias”, que são quem aplica esses programas.
Por exemplo, sobre o Programa de Arrendamento Acessível, que já tem três anos completos, o diretor do Confidencial Imobiliário, Ricardo Guimarães, disse na semana passada numa conferência organizada pelo Expresso que “o número de fogos nesse programa é marginal” e que isso aconteceu porque o benefício fiscal que o PAA dá aos proprietários “não compensa”, pelo que acabam por preferir colocar as casas no regime livre onde podem praticar a renda que querem.
Já no 1º Direito, e só na parte que é financiada pelo PRR, estão atribuídos 28,3% dos €1,2 mil milhões disponíveis para esse programa, mas só 4,5% foi executado, escreveu o Público este domingo. E o prazo para ter as 26 mil casas prontas é o segundo trimestre de 2026, ou seja, daqui a três anos.
Medas, em Gondomar, é um dos exemplos da nova habitação social
Ines d’Orey
Para onde caminhamos
Depois de o Governo ter apresentado, refinado e melhorado o Mais Habitação, as soluções em cima da mesa são muitas.
Por exemplo, o Estado vai arrendar imóveis a privados para depois os subarrendar a famílias que tenham perdido mais de 20% do seu rendimento e a famílias monoparentais ou jovens até aos 35 anos. Vai ainda apoiar, com um máximo de €200 por mês, as famílias que tenham uma taxa de esforço superior a 35% com o pagamento da renda. E, no Porta 65, as candidaturas passam a estar abertas o ano todo em vez das actuais três vezes por ano, e criou o Porta 65+, sem limite de idade, mas apenas para agregados que tenham tido uma quebra de mais de 20% nos rendimentos.
O Programa de Arrendamento Acessível também tem novas medidas fiscais, como a isenção de IMT para quem comprar terrenos para fazer casas com rendas acessíveis ou a taxa reduzida de IVA de 6% para quem as construir.
"Vamos ver se o que em conceito parece positivo é também positivo na prática”, diz o presidente da Associação Portuguesa de Promotores e Investidores Imobiliários (APPII), Hugo Santos Ferreira.
E o ministério diz que há muito a acontecer. No PAA, avança que o Instituto Habitação e Reabilitação Urbana tem 500 casas em obra, 2900 em projeto e 1600 em pré-projeto. Que já foram identificadas cerca de 2500 habitações em projetos a promover pelos municípios, em articulação com o Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU); que foram identificados 1.000 imóveis no Estado para fazer casas e que se pretende adquirir, até 2026, mais 500 habitações prontas a habitar.
Já na habitação social, no âmbito do 1º Direito, nota que já deram entrada mais de 650 candidaturas para financiamento, correspondentes a cerca de 9 mil casas, das quais 1400 foram entregues e cerca de mil serão entregues até final do ano.
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