Novos fundos podem ser oportunidade perdida

Europa: agricultura vai receber mais de €6 mil milhões até 2027, mas o sector teme que o “desnorte” do Governo atrase a implementação do novo programa de investimentos do PEPAC
Europa: agricultura vai receber mais de €6 mil milhões até 2027, mas o sector teme que o “desnorte” do Governo atrase a implementação do novo programa de investimentos do PEPAC
Pela primeira vez, o Plano Estratégico da Política Agrícola Comum (PEPAC) para os próximos quatro anos foi desenhado por cada país, mas as associações do sector garantem ser desadequado por não responder aos reais problemas de Portugal. Como consequência, os €6,7 mil milhões destinados ao país e considerados como uma “oportunidade única para fazer crescer o sector” correm o risco de não chegar a quem deles precisa. O alerta foi partilhado pelos vários participantes no debate “Prioridades para a Agricultura: Rejuvenescer, Digitalizar, Inovar”, um projeto que discute o futuro da política agrícola. Em causa está a entrada em vigor, a 1 de janeiro, do novo programa de investimentos da Política Agrícola Comum, que se prolonga até 2027.
“Se existem várias agriculturas e várias regiões, então as regras não podem ser as mesmas” resume Miguel Viegas, professor auxiliar da Universidade de Aveiro, antes de concluir que o Plano Estratégico é “muito amarrado às regras do passado e pouco orientado para os desafios do presente e do futuro” e “falhou redondamente”. Já José Firmino Cordeiro, diretor-geral da Associação dos Jovens Agricultores Portugueses (AJAP) aponta o dedo ao Governo pela falta de “visão estratégica”, nomeadamente para o interior do país que “não é contemplado” pelos fundos da União Europeia. As ajudas, sublinha, não são uma esmola, mas naturalmente “fazem parte da constituição dos preços dos produtos”.
Eduardo Oliveira e Sousa, presidente da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP) acusa diretamente a ministra da Agricultura de ter aprovado um “mau PEPAC”, em Bruxelas. Por isso, reivindica, já para 2023, “propostas de alteração para adequar melhor àquilo que são as necessidades do sector”. Para Gabriela Cruz, presidente da Associação Portuguesa de Mobilização de Conservação do Solo, o problema vem a jusante: o PEPAC é “seguramente pior” do que programas anteriores e “não contempla necessidades da Europa nem de Portugal”. A consequência é o “fim” do mundo rural e a “substituição dos agricultores por fundos de investimento, levando ao desaparecimento da figura do pequeno e médio empresário agrícola”.
Agricultura 5G
Destacada como uma prioridade no novo PEPAC, o combate à desertificação das regiões do interior, bem como a digitalização têm como principal adversário a nua e crua realidade vivida no terreno: “Como vamos aprovar um projeto de modernização com tecnologia e agricultura de precisão, se não temos internet? O mundo rural precisa de 5G, de investigação e de promover os seus produtos”, exemplifica o diretor-geral da AJAP, que defende ainda apoios e oportunidades para atividades económicas complementares, como o turismo rural, o enoturismo e o turismo associado às próprias produções agrícolas. “Ninguém vai para a agricultura desenvolver um projeto de vida a começar com uma visão de ruína. Ou isto se altera ou o empobrecimento do país vai continuar”, alerta o presidente da CAP que ressalta o fosso cada vez maior existente entre os agricultores portugueses e os de outros países da União Europeia. O académico Miguel Viegas aponta os caminhos estratégicos fundamentais para uma aplicação eficaz dos novos apoios comunitários: “Apoiar menos atividades que já são rentáveis; regionalizar; e melhorar a distribuição das mais-valias pelos diversos atores da cadeia.” Considerando que o país está perante uma “oportunidade única para fazer crescer o sector”, António Nunes, CEO da Treemond, empresa dedicada à produção de frutos secos, defende que os novos fundos devem ser aplicados em projetos estratégicos em que “a prioridade seja autossuficiência, até porque a próxima guerra pode ser por alimentos”.
Governo desnorteado
Num momento governativo conturbado, em que o lugar da Secretaria de Estado da Agricultura continua por ocupar, os agricultores estão na rua manifestando-se contra a secundarização do sector nas prioridades políticas do Governo e a transferência das competências das Direções Regionais de Agricultura para as Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regionais. Mais: dizem que os €6,7 mil milhões do PEPAC, a que se juntam outros mil milhões de euros provenientes do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), não vão contribuir para mudar o cenário existente, isto, além de todas as questões administrativas e legais que, por não serem conhecidas, condicionam projetos e candidaturas. “É importante que os regulamentos e as portarias do novo PEPAC a aplicar em Portugal sejam divulgados o mais rapidamente possível para vermos que situações e pontos é que poderíamos alterar porque, definitivamente, não são incentivadores nem protetores dos rendimentos dos agricultores portugueses”, alerta Gabriela Cruz, que teme ainda o arrastar da situação devido “ao desnorte” no ministério liderado por Maria do Céu Antunes: “Não sabendo as linhas com que se cosem, os agricultores não vão saber os instrumentos. O dinheiro não vai chegar onde é preciso.”
Em conclusão, José Firmino Cordeiro, considera existir “um diferencial enorme entre o montante falado e o que realmente nos chega”. Por todas estas razões, denuncia a existência de projetos “que não estão a conseguir ser executados porque a despesa passou a ser maior, não só em termos de produção como de infraestruturas. Tudo cresceu a 15%, 20% ou 50%. Até agora, não existiu uma atualização dos apoios para evitar que os investidores desistam”.
FUTURO DA PAC
Ao longo dos próximos meses, o Expresso vai discutir o futuro da Política Agrícola Comum (PAC). Prioridades para a Agricultura: Rejuvenescer, Digitalizar, Inovar. Este ciclo de debates é cofinanciado pela União Europeia.
Textos originalmente publicados no Expresso de 3 de fevereiro de 2023
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