Nuno Rangel, CEO da Rangel Logistics Solutions, foi entrevistado em palco para o podcast do Expresso “O CEO É o Limite”
Rui Oliveira
Debate: a evolução da inflação e das taxas de juro é a grande incógnita deste início de ano, mas o impacto não é igual para todos. Há empresas onde a sustentabilidade, a dependência da China e a falta de mão de obra são os maiores desafios
Ana Baptista
É inevitável. A cada ano que começa fazem-se previsões e estimativas do que aí vem, quase sempre com base nos acontecimentos do ano anterior. E 2022 começou com a guerra na Ucrânia a atrapalhar as cadeias logísticas de abastecimento e a fazer disparar ainda mais os preços da energia por conta da dependência energética que a Europa tem da Rússia. Depois, a inflação subiu e com ela os preços dos bens de uma forma geral, como “os pneus ou o material de embalagem”, conta Nuno Rangel, CEO da empresa de transportes Rangel Logistics Solutions. Por fim, para tentar combater a inflação, as taxas de juro passaram a positivas depois de mais de 10 anos em terreno negativo. Para o administrador executivo da Caixa Geral de Depósitos (CGD), Francisco Cary, “a situação anormal era a de antes, e não a de agora”, mas isso não impediu que as famílias e as empresas vissem o seu rendimento disponível diminuir.
Ora, 2022 começou mal, não há dúvidas, mas no decorrer do ano as cadeias de abastecimento foram-se adaptando à nova realidade geopolítica. Os preços da energia baixaram, porque o inverno foi mais ameno e a Europa está a esforçar-se para arranjar novas fontes de fornecimento. E “para já não há um aumento material dos níveis de incumprimento [bancário] e o consumo não está ainda a cair a pique. O que não quer dizer que as pessoas não estejam a sofrer, mas estão a aguentar-se”, repara Francisco Cary. Só que tudo isso pode mudar se a inflação e as taxas de juro continuarem a subir. Por isso é que, para o gestor, essa é “a grande questão para 2023”. Neste momento, acrescenta, as previsões apontam para uma “contenção da inflação” e para uma subida das taxas de juro dos atuais 2,5% para os 3% ou 3,5%, mas tudo não deixa de ser uma incógnita. Ou seja, neste momento a incerteza é a única certeza que a generalidade das empresas e das pessoas tem.
No entanto, o que ficou claro no “Encontro Fora da Caixa” que decorreu esta terça-feira em Vila Nova de Gaia é que o grau de impacto varia de sector para sector e de empresa para empresa, até porque muitas delas têm outros desafios pela frente. Por exemplo, na Artevasi, uma empresa que vende vasos de plástico, há uma preocupação com o impacto da inflação e das taxas de juro no consumo, mas, de acordo com o administrador financeiro (CFO), Joaquim Ferreira, uma das grandes prioridades para 2023 é a sustentabilidade. Porque o plástico não é o material mais consensual neste momento, repara.
Já na iStore, que é representante da Apple em Portugal, do lado do consumo não se antevê problemas, porque é uma marca que “está um bocadinho fora das crises”, diz o administrador, João Lemos. “O maior problema é a Apple ser muito dependente da China. Uma das maiores fábricas fechou lá por causa da covid e houve falta de iPhones no Natal”, conta, acrescentando que isso os obriga a “fazer mais stock”. Mas o grande desafio desta empresa para este ano até é outro: “A captação de mão de obra nas áreas da engenharia e do desenvolvimento de sites”, informa.
De facto, a falta de trabalhadores tem sido uma queixa constante por parte dos empresários, e constatam que “não há só escassez de engenheiros e médicos. Também há escassez de motoristas para empresas de transportes”, nota o presidente da Comissão Executiva da Caixa Geral de Depósitos, Paulo Macedo.
Paulo Macedo, CEO da Caixa Geral de Depósitos, abriu o primeiro “Encontro Fora da Caixa” de 2023 com uma apresentação sobre os desafios e os riscos esperados para este ano
Rui Oliveira
Há, contudo, uma preocupação que é comum a todos: as pessoas. Paulo Macedo conta que, se disser que vai fazer uma apresentação sobre taxas de juro e outra sobre governança, a maior parte das pessoas escolhe ir à das taxas de juro. Mas o gestor reforça que a governança “não é só essencial entre sócios, mas para a organização como um todo”. Aliás, “todos temos de ter a possibilidade de entrar em casa a ganhar”, repara Tiago Vasconcelos, sócio-gerente da I-SETE, uma empresa de eficiência energética.
Fazer o que ainda não foi feito
A referência à letra da canção do Pedro Abrunhosa não é por acaso. Como é costume nos “Encontros Fora da Caixa”, o cantor voltou a atuar no final do evento, onde o CEO da CGD, Paulo Macedo, afirmou que o país tem problemas que persistem e que têm de se resolver, a bem da competitividade do país.
A demora na justiça é um deles. “Ainda hoje estão a resolver-se créditos de grandes empresas concedidos na crise de 2008. Temos forçosamente de agir mais depressa”, considera. Outro problema são as empresas zombies, cujo número “é preciso reduzir”. “São empresas que não conseguem crescer nem desenvolver-se, mas que também não desaparecem, e por isso são negativas para a economia e fazem competição desleal às outras que estão bem e com tudo em dia”, esclarece.
Claro que há depois as questões da fiscalidade e da rigidez do mercado laboral, mas os problemas do país não são todos culpa do Estado. No ranking da competitividade Portugal aparece mal classificado nas práticas de gestão das organizações, repara Paulo Macedo. Porque lhes falta “agilidade e tempo de reação”, pois “demoram a convencer-se de que é preciso mudar”, ou ainda porque não fazem uma “utilização inteligente dos dados”. Em contrapartida, “estamos melhor na diversidade dentro das administrações e no empreendedorismo e nas startups”, remata.
Frases
“Há escassez de pessoas qualificadas e não qualificadas”
Paulo Macedo CEO da CGD
“Preocupa-nos a instabilidade política na Europa e no mundo”
Tiago Vasconcelos Sócio-gerente da I-SETE
“Simplificação fazia falta ao Estado. As pessoas e as empresas estão carregadas de processos”
Joaquim Ferreira CFO da Artevasi
“O maior problema é a Apple ser muito dependente da China”
João Lemos Administrador da iStore
PRÉMIOS PME
Na próxima edição, a 3 de fevereiro, conheça as empresas que foram as grandes vencedoras dos Prémios PME
“ENCONTROS FORA DA CAIXA”
Os desafios de Portugal para 2023 vão marcar os “Encontros Fora da Caixa”, ciclo de conferências organizado pela Caixa Geral de Depósitos que o Expresso acompanhará ao longo do ano e por todo o país.
Textos originalmente publicados no Expresso de 27 de janeiro de 2023
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