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O betão também pode ajudar a construir um mundo melhor

Futuro: os responsáveis pela indústria que alimenta a construção não escondem a necessidade de mudar para tentar reduzir ao máximo as emissões de gases com efeito de estufa. Traçado o diagnóstico, está agora em curso o tratamento urgente

O betão também pode ajudar a construir um mundo melhor

Tiago Oliveira

Jornalista

O betão é o segundo bem mais consumido no mundo, a seguir à água. O seu impacto económico e ambiental é evidente: segundo um relatório da ONU, apresentado na COP27, a construção civil foi responsável por mais de 34% da utilização de energia e cerca de 37% das emissões de CO2 relacionadas com energia em 2021.

Os especialistas falam na necessidade de darmos passos urgentes rumo a uma construção mais sustentável, até porque ainda há muito a fazer. “Na Europa, o consumo de energia nos edifícios representa cerca de 40% do uso final de energia e de 36% das emissões de gases com efeito de estufa. Por outro lado, os edifícios representam cerca de 50% dos materiais utilizados na economia e cerca de 35% da geração de resíduos, e isso resulta em que mais de 5% dos gases com efeito de estufa estejam associados à produção destes materiais”, enumera Paulo Ferrão, professor catedrático no Instituto Superior Técnico e membro da missão da UE Climate Neutral and Smart Cities​.

Por outras palavras, “estamos longe de ter uma construção sustentável, sendo que há que apostar muito na promoção da eficiência energética dos edifícios, que pode reduzir o consumo a menos de metade, e estimular tanto o projeto de edifícios para a reciclagem e reutilização dos seus componentes”, sumariza Paulo Ferrão. Daí que em 2021 a Associação Técnica da Indústria de Cimento (ATIC) tenha lançado o “Roteiro da Indústria Cimenteira para a Neutralidade Carbónica 2050”. De acordo com o documento, é possível alcançar até 2030 uma redução das emissões de CO2 de 48% ao longo de toda a cadeia de valor face a 1990. Agora a intenção é complementada com o “Manifesto do Cimento e do Betão para a Construção Sustentável e para as Cidades do Futuro – O Novo Bauhaus Europeu”.

Reduzir pegada

60% do carbono vem da própria matéria-prima, pelo que uma das principais preocupações é a de inovar na produção do betão e do cimento. “Nesse sentido”, explica Luís Fernandes, CEO da Cimpor Portugal e Cabo Verde​, aposta-se “no desenvolvimento de novos tipos de cimento produzidos a partir de clínquer [material que é o principal componente do cimento] de baixo teor em carbono”. O desejo é atingir “uma maior reciclagem do betão de resí­duos de construção e demolição como matéria-prima para a produção de cimento e agregados para a produção de betão”, por se tratar da abordagem que permite mais eficazmente “reduzir a pegada de carbono ao longo da cadeia de valor sem prejudicar o desempenho dos materiais e da obra”, afiança o também presidente da ATIC.

O sector já investiu €206 milhões em medidas de redução do impacto ambiental e em investigação, e na opinião de Carlos Mineiro Aires, presidente do Conselho Superior de Obras Públicas​, “a indústria sabe que se não se adaptar é uma questão de tempo”, até porque as “alterações climáticas são o maior desafio que a humanidade tem” e “é impossível que a curto prazo o cimento vá ser substituído”, pelo que “não vale a pena estarmos a criar problemas nesse sentido”. Para a presidente do Conselho Diretivo da Região Centro da Ordem dos Engenheiros, Isabel Lança, “não conseguimos otimizar se não tivermos as melhores práticas e materiais”; com Nuno Lacasta, presidente da Agência Portuguesa do Ambiente, a deixar críticas à falta de preocupação com o urbanismo em Portugal e com um alerta: “É preciso saber se a cadeia de valor está preparada para responder” aos desafios de aumento de procura de habitação e de responsabilidade ambiental que se colocam. A vereadora da Habitação e Obras Municipais da Câmara Municipal de Lisboa, Filipa Roseta, reforça que o “grande desafio é que o sector responda em qualidade e quantidade” e que o foco seja conseguir “executar”.

Com este cenário, “a reabilitação e a renovação do edificado assumem-se como pilares decisivos para o cumprimento das metas climáticas”, garante Otmar Hübscher, CEO da Secil ​e vice-presidente da ATIC, que salienta a vontade da indústria cimenteira e do betão de “continuar na vanguarda da inovação, contribuindo para a construção sustentável e para as cidades inteligentes do futuro”.

Roteiro para construção mais amiga do ambiente

Neutralidade carbónica

Objetivo 2050 é o ano definido por Portugal para atingir o valor nulo de emissões líquidas de gases com efeito de estufa, e parte importante da redução virá do sector da construção.

Economia circular

Reutilização É essencial recorrer a materiais sustentáveis que incorporem resíduos e sejam, os próprios, possíveis de ser objeto de reciclagem.

Durabilidade das construções

Sustentável Importa privilegiar construções mais ecológicas, duradouras e com reduzida manutenção, que valorizem abordagens de ciclo de vida.

Inovação

Investigação Precisa-se de um grande investimento em novos processos para fabricação de cimentos, por exemplo, com menor teor de CO2.

Responsabilidade social

Proximidade Valorizar aspetos como produção e economia local ou a cadeia de fornecimento dos materiais pode fazer a diferença.

Vamos falar de Sustentabilidade

O papel da indústria de betão na promoção de soluções sustentáveis para o futuro da economia e da sociedade esteve em debate na conferência “Cimentar o Futuro — O Novo Bauhaus Europeu”, organizado pelo Expresso com o apoio da ATIC, Associação Técnica da Indústria de Cimento.

Textos originalmente publicados no Expresso de 20 de janeiro de 2023

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: toliveira@impresa.pt

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