Projetos Expresso

Um prémio para empresas que resistem

Desempenho: Pedro Soares dos Santos, CEO da Jerónimo Martins, e a Greenvolt, liderada por João Manso Neto, foram os grandes vencedores de uma noite dominada pelos desafios económicos

Textos: Ana Baptista e João Silvestre; Fotos: Ana Brígida e Nuno Fox

Os números podem não ser redondos, mas são de peso, mais ainda quando se referem a 2021, ano de pandemia e de aumento dos preços da energia e da logística: 1240 empregos criados em Portugal num total de 5248 nos três países onde têm operações; €217 milhões em prémios para colaboradores e €690 milhões investidos, dos quais €160 milhões em Portugal. Marcos que permitiram a esta empresa portuguesa chegar a 2022 com 125 mil funcionários, 5100 lojas onde recebem cinco milhões de visitas diárias e com um plano para investir €900 milhões, dos quais €200 milhões em Portugal.

Falamos da Jerónimo Martins — a dona dos supermercados Pingo Doce — de quem “a face visível”, como o próprio diz, é Pedro Soares dos Santos e, por isso, o escolhido para Empresário do Ano, a mais relevante distinção dos Prémios Economia (ver caixas ao lado). Ele que, em 2023, completará 40 anos ao serviço da empresa, 10 dos quais como presidente executivo (CEO) e, nesse cargo, como impulsio­nador da entrada na Colômbia e de um investimento de €1,5 mil milhões em Portugal. “É um longo caminho”, repara, num sector onde existe muita concorrência, não só em Portugal mas também na Polónia, de onde vêm “mais de 80% dos lucros”.

Na Greenvolt também há números e marcos de peso que justificam a atribuição de outro dos principais prémios: o de Conquista Empresarial do Ano. E todos foram atingidos após a entrada de João Manso Neto para CEO, em abril de 2021. Nos oito meses seguintes, a empresa de produção de energia através de biomassa investiu no solar e eólico; entrou em Bolsa e no PSI-20 e foi para o estrangeiro, onde comprou 100% de uma empresa, participações acionistas em mais duas e uma central de biomassa. Uma “sagacidade” que continuou este ano com a compra de participações em mais duas empresas; a entrada num projeto de energia solar; a compra de um parque solar e de um parque eólico; e ainda com um aumento de capital de €100 milhões.

“Diz-se que uma empresa portuguesa não consegue lá chegar, mas consegue. Diz-se que não temos pessoas, mas temos e com muito valor”, repara João Manso Neto. De facto, diz Pedro Soares dos Santos, ser “empresário em Portugal é quase um ato de resistência”. Porque é “um país que empobrece e com baixos níveis de confiança, um país onde a carga fiscal é esmagadora e a flexibilidade laboral é limitada”. Mas se assim o é, as empresas portuguesas são a imagem dessa resistência.

Como a Casa Santos Lima, cuja história começa “na segunda metade do século XIX” quando Joaquim Santos Lima começou a produzir vinho no Dão e a exportá-lo para o Brasil em barricas. Na altura não havia vinho engarrafado, nem rótulos bonitos, nem uma marca. Isso tudo só aconteceu quando o bisneto de Joaquim — José Luís Oliveira da Silva — criou uma empresa e uma marca na zona de Alenquer. Estávamos em 1996 e, por isso, o prémio Longevidade, que ganharam, justifica-se não só pelos anos de atividade mas por terem um negócio que tem vindo sempre a crescer. De Alenquer foram até ao Algarve, Alentejo, Douro e, em 2022, fizeram “a primeira vindima no Dão e na ilha do Pico, nos Açores”, sendo hoje um produtor multimarca e multirregião que exporta 90% da produção e emprega 320 pessoas. “Fizemos o almoço de Natal esta semana e éramos uns 300. Parece um casamento, mas que acontece todos os anos”, conta, gracejando.

Se a Teleperformance Portugal fizesse um almoço de Natal, seria o equivalente a muitos casamentos. A vencedora do prémio Crescimento do Emprego contratou “2000 pessoas por ano nos últimos dois anos” e tem agora uma força de trabalho de “pouco mais de 14 mil empregados”, diz o argentino Augusto Martinez Reys, CEO desde 2021, para quem este é um prémio especial, porque “mostra o retorno que a empresa dá à comunidade”. Aliás, um dos objetivos para 2023 é investir na qualificação superior dos trabalhadores.

Os desafios que aí vêm

E por falar nisso, a Safe-Life — que pertence à multinacional alemã ZF — foi igualmente distinguida, com um prémio relacionado com o crescimento do emprego, neste caso, entre as empresas alemãs em Portugal que mais contribuíram para que a Alemanha fosse distinguida como o país com mais peso no crescimento económico nacional. Um prémio que o ministro conselheiro da embaixada alemã, Ludwig Blaurock, afirma mostrar que “já não é pelo baixo custo da mão de obra que as empresas alemãs escolhem Portugal. É mais por causa do talento e do potencial de crescimento. Se fosse pelo custo de trabalho, iam para a Ásia”, nota.

A confirmarem-se as previsões do ministro das Finanças, em 2023 não haverá recessão, mas haverá muitos desafios para ultrapassar. Desde logo o do financiamento, por causa da subida das taxas de juro, repara José Domingos Silva, CEO da Omatapalo. Aliás, para o CEO da Caixa Geral de Depósitos (CGD), Paulo Macedo, há “um maior rigor nos empréstimos”, mas tudo o que seja para a transição digital e energética está no topo da lista. O mesmo se passa com investimentos para a retenção de talento que, para Gonçalo Quadros, presidente do conselho de administração da Critical Software, é o grande desafio para 2023. Esse e “a pressão para o aumento de salários”, porque “uma grande parte da estrutura de custos de uma tecnológica são os recursos humanos”.

Há ainda a ter em conta as consequências da guerra, que não afetam a todos da mesma forma. Para a Greenvolt, por exemplo, “veio mostrar a importância das renováveis”, mas para a Safe-Life, que faz airbags, veio agravar a já existente “crise dos semicondutores” que, garante a responsável financeira da empresa, Cristina Guerreiro, é o desafio “mais complexo na sua gestão”.

Há ainda o desafio da inflação, que para alguns até está a ser encarado como uma oportunidade. “Assiste-se a uma transferência de consumo para vinhos mais económicos e como sempre tivemos uma boa relação qualidade-preço, este ano já estamos a crescer mais de 11% no mercado nacional”, nota José Luís Oliveira da Silva. De facto, diz Augusto Martinez Reys, “como argentino, sei bem o que é inflação, e é uma realidade em todo o mundo à qual temos de nos adaptar”.

Fernando Medina, ministro das Finanças: “O nosso cenário para 2023 não é de recessão”

Foi um ministro das Finanças relativamente otimista que esteve na Culturgest, em Lisboa, para falar sobre as perspetivas económicas para 2023. Era o tema de mais um Encontro Fora da Caixa, o último do ano, realizado numa parceria entre o Expresso e a Caixa Geral de Depósitos, e a mensagem de Fernando Medina era de confiança. Ao contrário de algumas previsões anteriores — e, diga-se em abono da verdade, também do próprio ministro há poucas semanas —, espera que tenhamos “no quarto trimestre um crescimento positivo, que vai melhorar ainda mais a circunstância de entrada de 2023”. Admite até um andamento do PIB este ano ligeiramente acima do valor previsto na última estimativa do Governo, inscrita no Orçamento do Estado para 2023, que é de 6,7%.

O que abre, na perspetiva de Fernando Medina, boas perspetivas para o próximo ano: “Este ano vamos crescer 6,7% e, quando prevemos um crescimento de 1,3% em 2023, vamos estar a crescer 1,3% por cima de 6,7%.” Uma taxa de crescimento de 1,3% é um abrandamento forte face a este ano, reconhece, mas não deixa de ser crescimento. Queda da economia portuguesa é algo que não está na mente do ministro das Finanças: “O nosso cenário não é de recessão.”

E congratula-se com o facto de estarmos com “80% da capacidade produtiva a ser utilizada” e “uma taxa de desemprego baixa”. Mas não será que isso pode contribuir para a inflação? “Uma taxa de desemprego baixa nunca pode ser um problema”, responde prontamente. Não avança previsões sobre quando poderá a taxa de inflação voltar aos 2% da meta do Banco Central Europeu (BCE), prefere acreditar nas previsões de quem tem mais e melhor informação sobre a evolução dos preços na zona euro: o próprio BCE. Não alinha nas críticas de políticos — portugueses e não só — à política monetária de Frankfurt, já que vê como complementar o papel de Governos e banqueiros centrais, mas também não aceita os alertas de Christine Lagarde às políticas orçamentais dos paí­ses e ao risco de complicarem a vida ao BCE: “Há um clássico da história que é o passa-culpas. É um clássico da política orçamental passar a culpa para a política monetária e a monetária passar a culpa para a política orçamental. Temos tentado ter uma postura de coordenação das políticas, que é sempre bastante mais eficaz do que o jogo do passa-culpas.” Por isso, diz, é que Portugal tem uma política orçamental para 2023 que é “fundamentalmente neutral” e nos preocupamos em fazer acordos de rendimentos no sector público e privado.

Lucros extraordinários rendem dezenas de milhões

Sem avançar um número concreto, o ministro das Finanças revela que espera uma receita de “algumas dezenas de milhões de euros” com a nova contribuição — que não é um imposto — sobre os lucros inesperados nos sectores da energia e da distribuição. Uma medida que, como seria expectável, tem merecido críticas das empresas visadas.

Pedro Soares dos Santos, presidente do grupo Jerónimo Martins, que detém o Pingo Doce, e que esta semana foi distinguido como Empresário do Ano nos prémios Economia (ver texto ao lado), queixava-se recentemente ao Expresso, durante uma viagem à Colômbia para inaugurar a loja mil da cadeia Ara, que “na distribuição está em causa uma punição do Governo sobre as empresas bem geridas”.

A contribuição estará pronta a tempo de ser aplicada ainda aos resultados de 2022. Ao contrário do que aconteceu em Espanha, onde o sector bancário foi também abrangido, por cá esse cenário não se coloca. Foi uma das garantias deixadas por Fernando Medina, já que não faz parte do desenho europeu da contribuição, e Portugal “segue estritamente o quadro europeu”. Até porque, sublinha, Portugal tem já, além de IRC e derramas, contribuições específicas.

Num evento que tinha um banco — a Caixa Geral de Depósitos — como anfitrião não poderia faltar a questão da subida dos juros e o seu efeito nas prestações mensais dos créditos. O ministro das Finanças não entra no debate sobre o ritmo adequado de subida dos juros — na semana de mais uma reunião do BCE, realizada esta quinta-feira, já depois do fecho desta edição da Economia — e relativiza o impacto para as famí­lias. “Metade das prestações são infe­riores a 285 euros e 90% do stock de crédito tem prestações até 400 euros”, começa por real­çar Fernando Medina. Para a maior parte dos empréstimos, mais antigos e de menor valor, o impacto do agravamento dos juros é limitado. A pressão maior está nos créditos mais recentes e de maiores montantes, mas aí, acredita, a solução encontrada será suficiente para lidar com os casos mais graves. Recorda que, “quando houve a contratação dos créditos, a legislação já impunha testes de stresse de 200 e 300 pontos-base, e ainda estamos dentro dessa margem”. E voltou a recusar o regresso das deduções dos juros no IRS, até porque tem efeitos bastante diferidos no tempo.

Lista dos premiados

Empresário do Ano

  • Pedro Soares dos Santos, CEO da Jerónimo Martins

Conquista Empresarial do Ano

  • Greenvolt

Prémios Expresso Economia | Caixa Geral de Depósitos

Categoria — Crescimento do Negócio

Escalão

Até €50 milhões

  • FCM Construções

Entre €50 milhões e €100 milhões

  • Omatapalo Engenharia e Construção

Mais de €100 milhões

  • Reagro (rações para animais)
Categoria — Crescimento do Negócio

Escalão

Até €50 milhões

  • CTR (produção de ambientadores doméstico e inseticidas)

Entre €50 milhões e €100 milhões

  • Talkdesk Portugal (software)

Mais de €100 milhões

  • Purem Tondela (fabrico componentes para automóveis)
Categoria — Crescimento do Emprego (sem escalão)
  • Teleperformance (serviços telefónicos de apoio ao cliente)

Subida de escalão

De até €50 milhões para entre €50 milhões e €100 milhões

  • RVO (reciclagem)

De entre €50 milhões e €100 milhões para mais de €100 milhões

  • Safe Life (componentes de segurança automóvel)

Prémio País

  • Alemanha
Empresas que contribuíram para a escolha do país:

Pelo volume de negócios

  • Continental Mabor (indústria pneus)

Pelo número de empregados

  • Safe-Life

Pelas exportações

  • Volkswagen Autoeuropa

Prémio Longevidade

  • Teleperformance Portugal (serviços telefónicos de apoio ao cliente)
  • Beyond Motors Car (comércio automóvel)
  • TJA (transporte e logística)
  • Casa Santos Lima (produção de vinho)
  • Securitas Direct (serviços de segurança)
  • Critical Software (software e sistemas de informação)
  • Fromageries Bel Portugal (produção de queijo)
  • Damião de Medeiros (retalho alimentar, bricolage e ourivesaria)
  • Interlimpe (serviços de limpeza)
  • Anicolor Alumínios (sistemas de alumínio)
  • Vinhos Aveleda

Como é feita a escolha

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Os vencedores dos Prémios Expresso Economia | Caixa Geral de Depósitos (CGD) são escolhidos no universo das 1000 Maiores Empresas de Portugal, desenvolvida pela Informa DB e pela consultora Deloitte. A primeiro etapa passa por dividir as empresas em três escalões — com volume de negócios inferior ou igual a €50 milhões; entre €50 milhões e €100 milhões e superior a €100 milhões — mas com base em critérios rigorosos. Por exemplo, só são analisadas as empresas que disponibilizaram os resultados do ano; as que não tenham processos de insolvência a decorrer ou dívidas à Autoridade Tributária; ou as que tenham resultados positivos nos dois últimos anos. Além disso, foi avaliada a capacidade de resposta à covid-19.

A Informa DB e a Deloitte escolhem 24 prémios em seis categorias: crescimento do negócio; crescimento das exportações; crescimento do emprego; longevidade (as empresas que registaram um crescimento consecutivo do volume de negócios nos últimos dez anos); subida de escalão e o prémio país (o país que mais contribuiu para o crescimento da economia e as empresas que mais contribuíram para isso). Já os prémios para empresário do ano e conquista empresarial do ano são escolhidos pela redação do Expresso.

Prémios Economia

Os Prémios Economia do Expresso — em parceria com a Caixa Geral de Depósitos — escolhem anualmente os melhores empresários e empresas nacionais, tendo como base os indicadores e a análise da Informa DB e da Deloitte. Foram 26 os galardoados nesta quinta edição: do Empresário do Ano à Conquista Empresarial do Ano, das melhores PME às grandes empresas que mais se destacaram.

Textos originalmente publicados no Expresso de 16 de dezembro

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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