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Temos o brilho mas falta-nos a estrela

O porto de Sines, e toda a região envolvente, pode estar prestes a ganhar uma nova importância no mundo, se começar a receber o gás dos EUA para distribuir por toda a Europa
O porto de Sines, e toda a região envolvente, pode estar prestes a ganhar uma nova importância no mundo, se começar a receber o gás dos EUA para distribuir por toda a Europa
Getty Images

Análise: Portugal tem algum peso económico, mas falta-lhe coesão para ter regiões que captem “investimento que iria para outros locais”

Ana Baptista

Quando a IKEA decidiu instalar o seu centro de produção europeu em Portugal, escolheu Paços de Ferreira porque havia ali conhecimento, mão de obra qualificada e fornecedores, mas também por estar perto de um aeroporto e de um porto”, conta o professor do Instituto Superior Técnico (IST), Carlos Oliveira Cruz. Com a Autoeuropa passou-se algo semelhante, que escolheu Palmela pela proximidade ao porto de Setúbal e por “haver à volta uma indústria de componentes e metalomecânica”. E, agora, há a possibilidade de o porto de Sines receber gás natural dos EUA para fornecer à Europa, por causa da localização e da capacidade de armazenagem.

Na captação de investimento, nomeadamente estrangeiro, a geografia tem o seu peso, mas não é determinante. São também importantes o conhecimento, as qualificações e a capacidade de inovação; a eficiência das instituições; a tecnologia e as infraestruturas disponíveis; a fluidez de pessoas; a coesão territorial e a conectividade nacional e internacional, repara o pró-reitor da Universidade de Aveiro, Filipe Teles. Porque, diz Carlos Oliveira Cruz, “a proximidade [física e tecnológica] facilita a inovação e o desenvolvimento económico e social”.

Estas são, aliás, as características gerais que a consultora McKinsey encontrou nas 50 regiões a que designou de superestrela, ou seja, que têm vantagens tão únicas que são “capazes de captar investimento que iria para outros locais”. A maior parte dessas regiões estão nos EUA, China e Europa, mas Portugal não figura. E devia, defende Carlos Oliveira Cruz. Ou seja, o país devia ter uma região estrela — composta por áreas metropolitanas e/ou cidades cada uma delas com características e vantagens específicas — que competisse com outras regiões do mundo. Ao ponto de, por exemplo, uma empresa nos EUA pensar em Portugal quando quiser expandir o negócio, refere o economista Fernando Alexandre.

Isso já acontece com os centros de competência que prestam serviços tecnológicos, que, segundo dados da AICEP, eram, em abril de 2021, 192 centros que empregavam 64 mil pessoas, a maior parte com estudos superiores. “Não é uma estrela, mas é um brilho”, porque, como diz Fernando Alexandre, são investimentos atraídos pela mão de obra barata — mesmo tratando-se de licenciados — e porque não estão a criar nada de único. Contudo, com os engenheiros qualificados que são contratados, o que é preciso é transformar esses centros em algo mais, nota o economista. Como aconteceu na Bosch, em Braga, que começou como uma fábrica de peças para automóveis que podiam ser feitas em qualquer parte do mundo e, no seguimento de uma parceria com a Universidade do Minho, desenvolveu produtos que só se fazem cá.

Encurtar distâncias

Mas, então, o que nos falta para passar de brilho a uma estrela? “A proximidade e a coesão”, diz Carlos Oliveira Cruz. Que “não se faz tornando igual o que é diferente, mas valorizando as diferenças entre regiões”, explica Filipe Teles. Ou seja, estas regiões estrela não iriam prejudicar o resto do país, mas sim puxar por elas. Como aconteceu em Braga, onde à boleia da Bosch a população cresceu 6,5% entre 2011 e 2021. Ou em Paços de Ferreira, onde a IKEA fez com que os produtores tradicionais se reinventassem e tornassem exportadores de produtos mais caros.

Esta coesão territorial consegue-se, sim, com um governo “menos centralizado em Lisboa”, diz Fernando Alexandre, porque “a região estrela é onde as decisões são rápidas e flexíveis e isso implica proximidade”. E com “portos, aeroportos e ligações ferroviárias mais eficientes, com mais capacidade, fluidez e menores custos”, nota Carlos Oliveira Cruz. Algo que não acontece hoje porque, por exemplo, “os tempos de viagem entre Lisboa e Porto são de três horas, mesmo de avião, se somarmos o tempo no aeroporto. E entre Lisboa e Corunha são mais de seis horas. Para potenciar a circulação de talento, de capital e de inovação, precisamos de encurtar para metade estas distâncias e diminuir o seu custo total”, remata.

Transportes e infraestruturas

  • Cerca de 20% da população portuguesa vive em sete municípios que abrangem apenas 1,1% do território nacional, dizem os Censos 2021, do Instituto Nacional de Estatística (INE).
  • Em 2001, em Lisboa, a quota de uso de carro era de 39% e do uso dos transportes públicos era de 34%. Vinte anos depois, em 2021, a quota de uso de carro cresceu para 58,9% e a de transporte público caiu para 15,8%, segundo dados da FFMS.
  • Em Portugal, de acordo com os Censos 2021, o carro é o meio de transporte mais usado (47,9%).
  • Em 2021, também de acordo com os Censos, a duração média diária das deslocações para o trabalho ou para as escolas era de 19,9 minutos. Olhando para as regiões, na Área Metropolitana de Lisboa (AML) a média são 25,1 minutos; no norte são 18,6 minutos e no centro, 17,3 minutos.
  • A rede de metropolitano está agora a crescer com o apoio dos fundos do Plano de Recuperação e Resiliência, mas nos últimos anos cresceu pouco, diz o estudo da FFMS. Por 1000 km2, em Lisboa a rede tem 1,48 km e no Porto tem 3,28 km. Na Europa, a média é de 5,15 km por 1000 km2.
  • Em contrapartida, 2021, os portos de Leixões e Lisboa surgiram, respetivamente, em 24º e 36º lugar na lista dos mais importantes do mundo. E o porto de Sines foi o que mais cresceu na Europa entre 2011 e 2018: 291,5%, segundo dados da FFMS.
  • Dados da ANACOM mostram que a cobertura da rede de banda larga é de menos de 1% em mais de 35% das freguesias. Além disso, com uma cobertura de 83%, Portugal está abaixo da média nos 28 países europeus (85,8%), nota o estudo.
  • Os preços da ligações de banda larga móvel e fixa são, respetivamente, 23,6% e 12,7% mais caros que a média europeia.

Os desafios que enfrentamos: debate 5

A coesão territorial e a concentração de recursos serão analisados num debate na SIC Notícias a 13 de dezembro, às 20h, onde estarão presentes Carlos Oliveira Cruz, do Instituto Superior Técnico; Filipe Teles, da Universidade de Aveiro; Mico Mineiro, da Twintex, e Joana Branco, da Biocant. O próximo artigo, no âmbito desta parceria entre a Impresa e a FFMS, que procura dar resposta à pergunta “O que Portugal precisa para crescer”, é publicado a 6 de janeiro, e o debate acontece a 10 de janeiro.

IDENTIFICAR OBSTÁCULOS E OPORTUNIDADES

Os desafios estruturais ao crescimento da economia portuguesa exigem um novo paradigma. A Fundação Francisco Manuel dos Santos — à qual o Expresso se associa — reuniu uma equipa de reputados economistas para realizarem um estudo para identificar os obstáculos e as oportunidades que permitam contribuir para a definição de políticas públicas que sejam promotoras de um crescimento sustentável da economia portuguesa.

Textos originalmente publicados no Expresso de 9 de dezembro de 2022

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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