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Há esperança “que as novas gerações façam acontecer”

Os primeiros (à dir.) e os segundos (à esq.) classificados do Angelini University Award após a atribuição do prémio, no Museu do Conhecimento, em Lisboa
Os primeiros (à dir.) e os segundos (à esq.) classificados do Angelini University Award após a atribuição do prémio, no Museu do Conhecimento, em Lisboa
Joao Girao

Investigação. Numa altura em que é evidente o impacto que a pandemia provocou nas doenças crónicas, especialistas e responsáveis do sector da saúde pedem ideias inovadoras para ajudar a mitigar a situação. Duas já foram reconhecidas

Reconhecimento facial com recurso à inteligência artificial ou e-learning para entender melhor as doenças raras. São dois dos exemplos das ideias inovadoras com potencial para marcar o sistema de saúde para os próximos anos, com contributo fundamental de alunos universitários.

“Imagine que a sua mãe ou a sua avó está com dores” e não consegue comunicar, “desamparada face a uma situação que não consegue interpretar”, pede Morgane Tomé. A estudante é uma das responsáveis pelo projeto PainChek — que procura trazer para Portugal uma aplicação de reconhecimento facial que ajuda a identificar em três minutos a dor em pessoas com demência — e que ganhou o primeiro prémio do Angelini University Award no valor de €10 mil. Perante uma “população que já está fragilizada” nas suas capacidades sociais, é mais “complicado diagnosticar”, e a ferramenta oferece uma solução. Para Morgane Tomé, parece claro que a “tecnologia está cada vez mais a ajudar a saúde” e importa apoiar a criação de “ferramentas que facilitem a vida dos profissionais de saúde, sem os substituir”.

A pandemia “deixou danos colaterais que ainda estamos hoje a enfrentar, na nossa saúde mental e física”, alerta o diretor-geral da Angelini Portugal, Andrea Zanetti, e os danos colaterais fizeram-se sentir. Segundo dados do INSA — Instituto Nacional de Saúde, 57,8% dos portugueses têm, no mínimo, uma doença crónica. Na opinião de Isabel Saraiva, presidente da Associação Respira, são pessoas que “pela natureza das suas patologias precisam de acompanhamento regular e permanente, seja de consultas médicas, de meios de diagnostico, ou de tratamentos diversos” e, como resultado das contingências da covid-19, “encontraram-se na difícil e angustiante situação de não conseguirem acesso aos cuidados de saúde necessários”.

Segundo o presidente do Conselho Português para a Saúde e Ambiente, Luís Campos, “o excesso de mortalidade entre os doentes crónicos não diretamente relacionadas com a covid-19 aconteceu em várias tipologias de doenças, com destaque para as doenças cérebro-vasculares”, ao mesmo tempo que “aumentou a prevalência da ansiedade e da depressão, e surgiu um novo tipo de doença crónica que é a condição pós-covid”.

Alternativas

37,4% dos doentes crónicos indicaram ter tido dificuldades no acesso a cuidados de saúde relacionados com a sua doença, de acordo com um estudo da Spirituc, e o cenário é de uma “população a envelhecer cada vez mais, com as doenças crónicas e a multimorbilidade a aumentar”. Junta-se a crise económica e a consequência é uma “população pobre, e ser pobre significa ter menos saúde”, ilustra Luís Campos. Ou seja, “estamos à beira dum ponto de não retorno em que ou se faz uma profunda reforma agora, ou o SNS continuará o seu declínio inexorável”, garante o também presidente da Comissão de Qualidade e Assuntos Profissionais da Federação Europeia de Medicina Interna.

“Esperamos que as novas gerações façam acontecer”, exorta o chefe da Divisão de Literacia em Saúde e Bem-Estar da DGS, Miguel Telo de Arriaga. O CPRaR — Capacitar para pensar raro, que garantiu o segundo lugar (e €5 mil) no Angelini University Award, tenta dar resposta. O projeto passa por melhorar a experiência dos doentes e famílias com doenças raras durante a jornada do diagnóstico, promovendo a literacia e a partilha de informações, através de uma plataforma — a primeira do género em Portugal — que disponibiliza conteúdos online para formar e informar. É algo que “faz sentido perante as necessidades do nosso país”, acredita Inês Souto, uma das responsáveis pelo projeto.

Lembra Rubina Correia, membro do Conselho Nacional da Ordem dos Médicos e especialista em Medicina Geral e Familiar, que se atingiu um “ponto de evolução da medicina e da sociedade” em que é necessário “utilizar a literacia digital para chegar mais aos doentes”, com a certeza que “a telemedicina acelerou muito com a pandemia” e “veio para ficar”. Porém, os perigos são muitos, e “a ameaça demográfica põe em causa a dignidade e soberania do país”, atira o professor e médico especialista em saúde pública, Adalberto Campo Fernandes, que deixa um aviso à navegação: “A continuarmos assim, não bastará a inovação terapêutica.”

DOENÇAS CRÓNICAS

68,3%

dos doentes crónicos inquiridos no estudo “Panorama das Doenças Crónicas em Portugal”, da Spirituc, pedem o aumento do número de profissionais para acompanhamento

44,2%

recorrem essencialmente aos cuidados de saúde primários para as doenças crónicas

AS FRASES MAIS MARCANTES

“Se tivermos expostos a uma nova situação pandémica, estaremos na linha da frente do impacto”, Adalberto Campos Fernandes, professor e médico especialista em saúde pública

“Temos a oportunidade para repensar como tratamos as pessoas com doença crónica”, Elsa Frazão Mateus, presidente da Liga Portuguesa contra as Doenças Reumáticas

“Hospitais estão transformados em centros de resolução de problemas sociais dos utentes”, Luís Campos, presidente do Conselho Português para a Saúde e Ambiente

“Não nos podemos limitar tanto às estruturas que existem atualmente”, Catarina Baptista, vice-presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares

Repensar a Saúde

O Expresso associa-se à Angelini University Award (AUA!), prémio de investigação dirigido a estudantes universitários. Nesta 13ª edição são distinguidos dois projetos assentes em soluções para reduzir o impacto da pandemia na vida das pessoas com doenças crónicas.

Textos originalmente publicados no Expresso de 2 de dezembro de 2022

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