Foi depois de alguma relutância e até depois de ter dito que não iria acontecer, que o Governo decidiu, no início de outubro, aplicar o recém-criado regulamento europeu e avançar com uma nova taxa sobre aquilo a que chama “lucros excedentários” das empresas de energia. Que são, de acordo com a proposta de lei que cria este imposto, “lucros decorrentes de circunstâncias imprevistas, que não correspondem aos lucros habituais que as empresas com atividades nos sectores de petróleo bruto, gás natural, carvão e refinaria obteriam ou poderiam esperar obter em circunstâncias normais”. Ou seja, se não tivesse começado a guerra na Ucrânia e os preços dos combustíveis e do gás natural não tivessem disparado. Em simultâneo, e indo mais além do que o que está no regulamento europeu, o Executivo decidiu também aplicar o mesmo imposto às empresas de retalho alimentar, ou seja, às donas dos super e hipermercados.
Como justificação para criar este novo imposto, o Governo diz ser uma medida “para gerar receitas adicionais” para poder prestar apoio financeiro às famílias e às empresas afetadas pelo aumento dos preços da energia e dos bens alimentares. Por isso é que lhe chama Contribuição de Solidariedade Temporária (CST) (ver caixa ao lado).
Mesmo assim, a medida é polémica e o único consenso que tem gerado é o de oposição à sua criação. Desde logo por estar a taxar lucros que advêm de um aumento dos preços provocado por um evento extraordinário. É que “flutuações dos preços das commodities não são assim tão extraordinários. Há sempre eventos que fazem os preços disparar e isso faz parte do risco do negócio. Não é algo tão invulgar quanto nos é vendido”, nota o economista Ricardo Reis. E depois porque é “injusta”, uma vez que é aplicada a apenas dois sectores que tiveram um “aumento brutal dos custos de operação por causa do covid e da guerra” e que, no caso do retalho alimentar, “só está a repercutir 35% desse aumento no consumidor”, repara Pedro Mota Soares, vice-presidente do Conselho Geral da Confederação Empresarial de Portugal (CIP).
Então, qual é a alternativa? “É não aplicar a taxa e ficar tudo como está”, diz Paulo Carmona, presidente do Fórum de Administradores de Empresas. “Porque as empresas já pagam IRC”, explica Ricardo Reis, e ele “é proporcional aos lucros, se sobem, paga-se mais IRC”, repara o deputado do PSD, Duarte Pacheco, acrescentando que, com “este novo imposto parece que esses lucros extraordinários não iam ser taxados, mas seriam, como sempre” e a uma taxa que é a “quarta mais elevada da OCDE”.
Dinheiro pode não chegar à economia
O deputado social-democrata tem, contudo, uma alternativa: “A fixação de tetos máximos para os preços.” Diz ele que desta forma é que se estaria, “efetivamente”, a ajudar os consumidores. Contudo, admite que “não é uma medida fácil de implementar”, porque o mercado é livre. Com ou sem taxa, para Pedro Ginjeira, secretário-geral da Associação Business Roundtable Portugal, o que está mal é insistir no modelo de dar apoios estatais. “Isso não funciona e viu-se nos últimos 20 anos. Demos dinheiro a empresa zombies que o têm parado e o nível de pobreza das famílias aumentou, mesmo estando a trabalhar.”
Um dos problemas deste imposto, diz a maioria dos oradores da conferência que o Expresso e a sociedade de advogados CS’Associados organizou terça-feira, é que as receitas podem não chegar às empresas e às famílias ou podem chegar tarde, por exemplo, quando a empresa já estiver na falência. Desde logo porque “há muito espaço para litigância”, repara a sócia da CS’Associados, Mafalda Ferreira, notando que as empresas podem não pagar e apresentar vários argumentos para não o fazer, como uma possível inconstitucionalidade da medida ou por ser um imposto retroativo. Além disso, repara Ricardo Reis e Pedro Gingeira, nada impede as empresas de pegar nos lucros deste ano e transferi-los para daqui a dois anos ou então gastar parte deles a aumentar salários, distribuir bónus, fazer novos investimentos ou pagar mais dividendos. Desta forma o lucro final seria inferior e já não teriam de pagar o novo imposto.
Daí que “o Governo não esteja à espera de conseguir uma soma astronómica”, diz uma fonte do PS que pediu para não ser identificada. Até porque, “a taxa aplicada está no patamar mínimo do regulamento europeu”, repara o deputado do PS, Miguel Cabrita, um dos oradores que diz haver “instrumentos” para lidar com a possibilidade de litigância. Por isso é que, contestada ou não pela oposição e pelas empresas de uma forma geral — não só as de energia e retalho alimentar —, a CST está criada e aprovada e vai entrar em vigor até ao final do ano para ser cobrada sobre os lucros de 2022 e 2023.
Em que consiste este novo imposto
Chama-se Contribuição de Solidariedade Temporária (CST) e aplica-se sobre empresas que tenham “pelo menos 37,5% do seu volume de negócios anual” na área do petróleo, gás natural, carvão e refinação — CST Energia — e sobre as empresas que tenham mais de 25% do volume de negócios anual no sector da distribuição alimentar — CST Distribuição Alimentar.
É para ser cobrado em 2022 e 2023, a uma taxa de 33%, e é pago sempre que os lucros estiverem 20% acima da média dos lucros dos quatro anteriores (2018 a 2021).
Se a média de lucros desses anos for €100 milhões, os 33% só são cobrados sobre o montante que estiver acima de €120 milhões (100+20%). Ou seja, se a empresa tiver lucros de €120 milhões paga o IRC, mas se tiver lucros de €150 milhões paga IRC até aos €120 milhões e mais 33% sobre os restantes €30 milhões.
Se a média dos lucros dos quatro anos anteriores for negativa, tudo o que se tiver acima disso em 2022 e 2023 é considerado lucro extra, logo é taxável.
A forma como as receitas deste novo imposto vai chegar às famílias e empresas não está explicada na proposta de lei.
O impacto da inflação nas empresas
O Expresso organizou em conjunto com a CS’Associados o debate “Novos lucros, novos impostos: impacto e perdas nas empresas”. Foram analisadas tanto as organizações que estão a obter lucros extraordinários com o aumento dos preços, como as que estão a perder dinheiro com os novos impostos.
Textos originalmente publicados no Expresso de 2 de dezembro de 2022
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