“É feio dizer que é necessário cobrar um imposto para combater a fome”
No segundo painel, a conferência Novos Lucros, Novos Impostos, organizada pelo Expresso e pela CS'Associados, contou com representantes de vários sectores empresariais
ana brigida
Para o Governo, as receitas da nova taxa sobre os lucros inesperados são para redistribuir pelas famílias e empresas mais afectadas pelo aumento dos preços. Mas há muitas vozes contra e muitas incertezas como ficou bem claro na conferência desta manhã organizada pelo Expresso e a CS’Associados
Ana Baptista
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Além de polémico, o novo imposto sobre os lucros inesperados das empresas de energia e de retalho alimentar é também um foco de incertezas. Porque pode ser inconstitucional, porque as empresas podem não pagar e arrastar o caso nos tribunais, porque a receita desse imposto pode não chegar à economia real ou porque pode pressionar ainda mais os fornecedores das empresas que vão pagar aa taxas. Para tentar responder a tudo isto juntaram-se Mafalda Ferreira, António Rocha Mendes e André Salgado de Matos, sócios da CS’Associados; Miguel Cabrita e Duarte Pacheco, deputados do PS e PSD, respectivamente; Pedro Pimentel, diretor-geral da Centromarca; Luís Mira, secretário-geral da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP); Pedro Ginjeira, secretário-geral da Associação Business Roundtable Portugal; Paulo Carmona, presidente do Fórum de Administradores de Empresas; Pedro Mota Soares, vice-Presidente do Conselho Geral da Confederação Empresarial de Portugal (CIP) e ainda o economista Ricardo Reis. Estas foram as principais conclusões.
1. Existem ou não lucros inesperados?
A primeira dúvida sobre a aplicação deste novo imposto começa logo naquilo que vai taxar: os lucros extraordinários ou excessivos ou inesperados. São vários os nomes. De acordo com o governo, eles equivalem aos lucros que as empresas de energia e de retalho alimentar estão a ter neste momento por via de um forte aumento da inflação criada com a guerra na Ucrânia. Mas para deputado do PSD, Duarte Pacheco, é difícil precisar se os lucros que as empresa estão a ter vêm da estratégia de negócio ou se do aumento dos preços ou ainda se vêm das actividades em Portugal ou de fora do país.
O regulamento aprovado pelo Governo estabelece que a base de comparação para cobrar esta nova taxa são a média dos lucros dos últimos quatro anos (2018, 2019, 2020, 2021) que incluem dois anos de pandemia em que o consumo baixou e os custos de produção e da própria atividade subiram, lembra Pedro Mota Soares. Ou seja, qualquer lucro que haja este ano será superior, mas não inesperado ou especulativo, repara Paulo Carmona.
Mafalda Ferreira alerta ainda que “se a média dos lucros dos quatro anos for negativa, tudo é lucro extra, logo é taxável, logo esta medida vai mais além do que devia”.
E Ricardo Reis repara que os lucros extraordinários “já são taxados pelo IRC, que já é bastante elevado” e que "flutuações dos preços das commodities não são assim tão extraordinários. Há sempre eventos que fazem os preços disparar e isso faz parte do risco do negócio.
O primeiro painel incluiu representantes do PS e do PSD
ana brigida
2. O que vai acontecer às receitas deste imposto?
O objetivo por detrás da criação deste imposto é redistribuir as receitas arrecadadas pela população e empresas mais afectadas pela inflação, mas Mafalda Ferreira repara que vão ser levantados “problemas de constitucionalidade e que há espaço para a litigância”, porque há a possibilidade de as empresas não pagarem e arrastarem o caso em tribunal. Mas Miguel Cabrita não se mostra muito preocupado, ressalvando que “o país tem instrumentos que pode aplicar face à constitucionalidade”.
Aliás, Duarte Pacheco diz que este tipo de taxa já foi aplicada noutras ocasiões e, por isso, o precedente já está aberto, mas não deixa de criticar a medida acreditando que, mesmo que as empresas paguem, o dinheiro não chegará às empresas e às famílias antes de “meados de 2023” quando devia chegar “agora, quando é preciso”.
Pedro Pimentel diz mesmo que “é feio dizer que é necessário cobrar um imposto para combater a fome” porque não devia haver fome, mesmo que a inflação subisse. Mas Miguel Cabrita “não colocaria a questão na fome” mas sim no “apoio às famílias mais cadenciadas” que diz ser “relevante neste período em que os bens alimentares e energéticos estão a aumentar”. E recorda que o governo tem criado “medidas de alívio fiscal para as empresas”.
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