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A corrida para digitalizar os serviços públicos

As Critical Sessions, da Axians, juntaram, pela primeira vez, quase todos os organismos do Estado que estão a investir na transição digital
As Critical Sessions, da Axians, juntaram, pela primeira vez, quase todos os organismos do Estado que estão a investir na transição digital
João Girão

Transição: o calendário do PRR está a pressionar as entidades do Estado a avançar com projetos digitais que vão simplificar a vida dos cidadãos e das empresas. Conheça as soluções em curso

Ana Baptista e João Girão

O Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) tem três particularidades que o distinguem de outros apoios comunitários: a maioria do dinheiro é a fundo perdido, os projetos têm de ser decididos em 2023 e executados até 2026 e quando acabar o prazo acaba-se o dinheiro. Não é por isso de estranhar que quase todos os organismos públicos responsáveis pela transformação e capacitação digital do Estado concordem que o ­maior desafio que têm é a concretização do PRR. Até porque uma grande fatia desses fundos são para a digitalização e, ao mesmo tempo, para a simplificação dos processos internos e da vida dos cidadãos e das empresas. Mas para que tal aconteça é preciso existir uma relação e comunicação entre todos os organismos do Estado, o que nem sempre acontece, repara a administradora da consultora Axians, Carmo Palma. Ainda assim, o trabalho que Portugal tem feito coloca-o numa boa posição no índice de digitalização do Estado e nos próximos anos há várias iniciativas em curso e estas são algumas delas.

Portal único do Governo

A Agência para a Modernização Administrativa (AMA) vai criar um portal único que junta todos os serviços públicos de que os cidadãos e as empresas precisam. A ideia é que nesse portal estejam os nomes dos serviços que se procuram, por exemplo “quero registar o meu filho”, “quero registar um carro” ou “quero renovar a carta de condução”, que depois remetem para uma página que dá acesso a todos os procedimentos necessários, explica João Dias, presidente da AMA. Este é um projeto a executar no âmbito do PRR e, por isso, arranca já em 2023, mas, dada a dimensão e a “mudança de paradigma”, “não estará totalmente pronto no próximo ano”.

Novo centro de dados

A Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS) vai substituir os equipamentos e o software que os funcionários de saúde usam e vai construir um segundo centro de dados para garantir que o Serviço Nacional de Saúde (SNS) continua a funcionar se se verificar uma falha no primeiro centro, que já existe no Porto. A localização ainda está em estudo, mas “será no interior do país”, diz o presidente da SPMS, Luís Goes Pinheiro. Lisboa está fora de questão por causa do risco sísmico. Em 2023 serão ainda introduzidos mais serviços na linha telefónica, na aplicação e no portal do SNS24, mas Goes Pinheiro remeteu para breve dados mais concretos. E vão também aumentar o número de balcões do SNS24, que neste momento são 272 e servem para “dar apoio a quem tem menos ou nenhum acesso ao digital”.

Simuladores e apoios automáticos

Os próximos passos da transformação digital na Segurança Social incluem projetos “que tenham inerente uma lógica de proatividade”, ou seja, ser a Segurança Social a ir ter com o cidadão, e não o inverso, que é o que vivemos hoje. “É sempre o cidadão ou a empresa a procurar-nos, por exemplo para saberem os apoios que existem”, explica Paula Salgado, presidente do Instituto de Informática da Segurança Social. Como o caso do abono de família, que passa a ser atribuído automaticamente. Além disso, para simplificar o acesso do cidadão e das empresas aos dados da Segurança Social pretende-se criar “um sítio único, onde estarão registadas todas as interações com esta entidade e as respostas que foram transmitidas, como as prestações ou dívidas em curso”. Este projeto estará concluído “até ao final do PRR”, em 2026. “Mas vamos entregar alguns serviços online já no final do ano”, acrescenta Paula Salgado.

Dar os dados uma só vez

O Instituto dos Registos e do Notariado (IRN) está a trabalhar para que os dados referentes aos eventos de vida dos cidadãos, das empresas e até dos prédios e dos bens móveis estejam todos agregados e disponíveis online. Ou seja, tudo o que acontece na vida de uma pessoa, empresa, carro ou prédio estará reunido num sítio único desde que nasce até que morre (numa empresa, carro ou prédio será em caso de insolvência, abate ou demolição). O objetivo é que os cidadãos e as empresas apenas deem os seus dados uma vez. Por exemplo, no caso de um cidadão, “se os dados já estão no cartão, não faz sentido que os volte a dar à administração central”, repara Filomena Rosa, presidente do IRN. Além disso, disponibilizando estes dados online, “o balcão [físico] fica só para quem precisa mesmo ou para quem não domina as novas tecnologias”.

IA pode não ser solução para tudo

A inteligência artificial (IA) nem sempre serve para resolver ineficiências ou problemas de gestão

Já se sabe que a pandemia acelerou todo o processo de transformação digital, tanto no Estado como nas empresas, como na vida das pessoas, e fez com que palavras como nuvem, inteligência artificial ou automação entrassem no vocabulário mais corrente. Até porque se lida com estes novos conceitos todos os dias. A Alexa da Microsoft ou a Siri dos telefones Apple são robôs criados com base em inteligência artificial.

Para o diretor global da consultora francesa Axians, François Lemaistre, a inteligência artificial veio para ficar. “Isto começou nos anos 50, não é novo, mas começou e parou várias vezes. Houve aquilo a que chamo de invernos de inteligência artificial, um nos anos 70 e outro nos anos 80, mas agora está de volta e não me parece que vá parar de novo”, diz.

Mas, para Ana Pité, diretora de transformação na Worten, “a inteligência artificial não é um santo milagreiro que resolve todos os problemas. Às vezes o problema não se resolve com inteligência artificial. Não é tão sexy, mas o importante não é ter tecnologia por tecnologia”. Aliás, o responsável pela reforma digital do Governo britânico, Tom Loosemore, partilha desta opinião quando se trata de digitalizar os serviços do Estado. Ainda assim, a Worten já está a usar sistemas de inteligência artificial para conhecer melhor os clientes, melhorar as operações e até para definir preços.

Se há área em que a inteligência artificial tem funcionado bem nas empresas é na melhoria das operações. A EGF, responsável pela recolha e tratamento de resíduos, é um exemplo de como a automação e a inteligência artificial podem ser uma ajuda. Por exemplo, as máquinas que fazem a seleção dos plásticos têm capacidade para reconhecer os diferentes tipos de plástico e têm sensores nos contentores que permitem saber se está cheio ou vazio e, assim, redirecionar as rotas dos camiões, conta ao administrador Miguel Lisboa.

François, Tom, Ana e Miguel foram alguns dos convidados das Critical Sessions da Axians que decorreram esta semana em Lisboa. A primeira sessão de trabalho foi sobre a reforma digital do Estado, onde esteve Tom Loosemore e mais 11 representantes de organismos públicos, como a segurança social, a autoridade tributária ou os serviços partilhados do Ministério da Saúde.

A segunda sessão de trabalho foi sobre inteligência artificial nas empresas, em que participaram empresas como os CTT, Worten, EGF ou Luís Simões, todas elas em diferentes estádios de digitalização.

Critical Sessions

A transição digital da Administração Pública está na origem das duas sessões de trabalho — com os principais intervenientes nesta área e denominadas Critical Sessions — organizadas pela Axians, às quais o Expresso se associou. No segundo dia da iniciativa debateu-se o impacto da inteligência artificial nas empresas privadas.

Textos originalmente publicados no Expresso de 11 de novembro de 2022

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