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Mulheres vivem mais do que os homens mas têm menos saúde física e mental

Esta foi a premissa que serviu de gatilho à realização do estudo intitulado “Saúde e bem-estar das mulheres - um potencial a alcançar ”, que foi hoje apresentado e discutido na NOVA Medical School, em Lisboa

A esperança média de vida, em Portugal e no mundo, é superior nas mulheres e inferior nos homens. Mas será que a saúde e o bem-estar das mulheres acompanham esta tendência de aumento da longevidade? Segundo um estudo levado a cabo pela Médis, que contou com a coordenação da Return On Ideas, a resposta é clara e fundamentada: as mulheres, apesar de viverem mais tempo, têm menos saúde.

Depois dos dados recolhidos pelo Projeto Saúdes, intitulado “A saúde dos portugueses, um BI em nome próprio”, realizado em 2021, concluiu-se que as mulheres portuguesas têm maior prevalência de doença e maior pressão emocional, mesmo que estas sejam - aparentemente e comparativamente ao homens - mais vigilantes e mais preocupadas em cuidar da sua condição de saúde. Foi perante esta evidência que nasceu a investigação “Saúde e bem-estar das mulheres, um potencial a alcançar”, com o objetivo de oferecer uma visão sobre a saúde das mulheres ao longo do seu ciclo de vida.



“Este é um estudo inovador porque abre pistas sobre várias situações da saúde da mulher, em Portugal, com uma amostra representativa da população em diversos grupos etários e em capítulos diferentes como a sexualidade, a reprodução ou a investigação científica”, explica Miguel Oliveira e Silva, professor e ginecologista-obstetra que fez o acompanhamento científico do estudo

Mas o que leva as mulheres a terem menos saúde? Será por visitarem mais o médico e, consequentemente, serem mais diagnosticadas? Não. Alguns especialistas sugerem que culturalmente é mais fácil para a mulher assumir o papel de doente porque a sociedade tem tendência a colocar as mulheres num lugar comum de fragilidade. Mas, o que se constatou no estudo, é que as mulheres portuguesas - mesmo estando a passar por um mal-estar evidente - habituam-se a esse desconforto, assimilando-o como algo normal.

76%

das mulheres inquiridas reconhece que houve momentos em que enfrentaram um mal-estar relacionado com alterações expressivas do seu corpo ou algum outro aspeto físico ou psicológico

Muita da dor e desconforto nas mulheres estão associados ao seu sistema reprodutivo. Menstruação, gravidez, maternidade e recuperação pós-parto, ou menopausa, são apenas alguns dos momentos mais sonantes pelos quais só a mulher passa e que fazem parte de uma ciclo considerado propício à instabilidade emocional.

As mulheres têm dificuldade em gerir o seu bem-estar emocional em diversos momentos da vida: 30% sente dificuldades emocionais durante a gravidez; 52% no pós-parto, e 37% durante a menopausa.

Ao nível do desconforto físico, quando se atravessa algum dos momentos acima referidos, também há inúmeros exemplos como este: durante a menstruação, 69% sente dores abdominais/cólicas e 49% sente dores de cabeça durante a menstruação. 42% toma analgésicos.

Outra questão que se alia ao facto das mulheres desvalorizarem os seus próprios sintomas é a forma como o próprio sistema de saúde as trata. Por exemplo, durante a gravidez, 33% das mulheres admite ter sentido em algum acto médico ou de enfermagem descuido ou agressividade que lhe pareceu desnecessária.

Genericamente, o que estudo mostra é que ainda há dissonâncias no acesso da mulher a aspetos essenciais do dia-a-dia, como a medicamentos e consultas.

“Há uma espécie de resignação ou aceitação por parte das mulheres relativamente a deficiências no acesso aos cuidados de saúde e nas práticas médicas, como se de uma fatalidade se tratasse encarada como se fosse normal acontecer nas mulheres, mas não nos homens”, sublinha Miguel Oliveira e Silva

Além da alteração do mindset cultural, para que as mulheres portuguesas tenham mais saúde, os especialistas acreditam que é preciso um aumento da literacia conjugada com um maior acesso aos cuidados. Há, também, um longo caminho a percorrer no sentido de deixar cair o testemunho histórico, sair do lugar onde tradicionalmente foram colocadas, para que se possa recuperar de todos os anos durante os quais as mulheres não participaram em ensaios clínicos - apenas por serem mulheres - ou se mantiveram fora da esfera da ciência.



Conheça as principais conclusões do debate:

  • Segundo os especialistas, o conhecimento instalado deve ser contestado e deve alcançar-se um novo paradigma no bem-estar das mulheres, sabendo que vai ser sempre diferente daquele que se ambiciona para o homem. Atualmente, apenas 10% das mulheres considera que tem alto nível de saúde e bem-estar.
  • A pandemia atrasou mais os cuidados de saúde nas mulheres do que nos homens.
  • Grande parte das preocupações em torno da mulher “carecem de uma intervenção ao nível das políticas publicas”, considera Adalberto Campos Fernandes, ex-ministro da Saúde, acrescentando que a transformação que está em curso tem que ser liderada pelas mulheres.
  • Olhar para a saúde das mulheres, também do ponto de vista económico, pode ser uma mais valia. Segundo um estudo da Mackenzie, 12 triliões de dólares anuais (€11,8 triliões) seriam acrescentados à economia se o potencial das mulheres fosse aproveitado.
  • “A falta de saúde e a pobreza alimentam-se mutuamente”, lembra Maria João Marques, chamando a atenção para a população feminina que vive em condições mais desfavoráveis. Deve-se, assim, trabalhar na literacia em saúde e no acesso aos cuidados para que ninguém fique de fora.
  • Segundo Teresa Bartolomeu, responsável pela Oferta de Saúde do Grupo Ageas Portugal “as seguradoras têm um trabalho a desempenhar nas questões de literacia. "Queremos capacitar as pessoas porque só através do conhecimento é que poderão tomar as decisões certas sobre a sua saúde".
  • A falta de apoios à mulher e à natalidade pode acelerar o inverno demográfico (de recordar que Portugal já é 4º país mais envelhecido do mundo). Se continuarmos a este ritmo, em 2060, Portugal terá menos de 8,6 milhões de habitantes e teremos um país “dominado por mulheres pobres, envelhecidas e doentes”, acredita Adalberto Campos Fernandes, acrescentando que “a mulher sofre mais porque a partilha de papéis é menor”, mas que, no fundo, tem o país “nas suas mãos”.
  • A capacidade de inclusão de Portugal de populações imigrantes, que também podem contribuir para a natalidade no país. Atualmente “26% dos pedidos de aborto no nosso país são feitas por imigrantes, o que significa que o planeamento familiar está a falhar completamente", explica Miguel Oliveira e Silva.
  • Aliar a inclusão de imigrantes numa economia competitiva, capaz de pagar melhores salários às mulheres, pode fazer parte de um leque de incentivos à natalidade, contribuindo para melhores características demográficas que se sustentem no tempo.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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