Precisamos “desesperadamente de aumentar salários”
O antigo e o atual ministro da Economia, Pedro Siza Vieira (presente na conferência) e António Costa Silva, enfrentaram contextos muito distintos
Tiago Miranda
Empresas: as medidas do Orçamento do Estado apontam no sentido certo, mas podem ser insuficientes para lidar com uma crise de dimensão e duração incertas. Agentes do tecido económico destacam a complexidade e apelam à resiliência
O que hoje é verdade, amanhã pode ser mentira, e o aforismo não perde atualidade. É só atentar no caso do petróleo, cujo preço foi utilizado para previsões que muito pouco tempo depois ficaram obsoletas, quando a OPEC anunciou uma quebra na produção, o que implicou uma subida no custo. O exemplo foi utilizado pelo sócio das áreas de bancário e financeiro e de mercado de capitais da PLMJ, Pedro Siza Vieira, e ilustra a complexidade do atual panorama global e as dificuldades em ter bases sólidas para certas decisões necessárias no Orçamento do Estado para 2023.
Temos “novidades quase todos os dias” e, nesse contexto, o OE 2023 “dá um sinal de que continuamos comprometidos com a redução da dívida pública e capazes de reagir”, acredita Pedro Siza Vieira, sobretudo quando nos encontramos naquele que continua “a ser um dos países mais endividados da Europa”. O “incentivo à capitalização das empresas” e a possibilidade de as mesmas “abaterem prejuízos fiscais nos exercícios posteriores” foram medidas elogiadas pelo ex-ministro da Economia, uma vez que são instrumentos “positivos para que” o tecido económico tenha “mais recursos à sua disposição”. Já “o Acordo de Médio Prazo” na concertação social também mereceu palavras elogiosas, com a certeza de que “aumentar produtividade e aumentar salários devem estar a par”.
E se parece óbvio, reforça Pedro Siza Vieira, que “estruturalmente” Portugal “precisa desesperadamente de aumentar os salários”, o antigo governante também deixa um aviso à navegação: “Estamos num momento em que a principal preocupação é reduzir a inflação o mais rapidamente possível”, explica. “Uma das medidas que sabemos que reduz a inflação é reduzir o consumo privado.” Segundo as diretrizes do FMI, “os Governos não devem lançar estímulos”. Por outras palavras, atualmente “não se pode pensar que a prioridade da política económica seja aumentar o rendimento disponível, por muito que isso custe às pessoas”.
Custa porque “64% do PIB nacional é consumo privado” e porque também é importante perceber “como é que as pessoas vão absorver a subida dual da inflação e das taxas de juro”, aponta Luís Miguel Ribeiro, presidente da AEP. É uma das razões pelas quais os representantes do tecido empresarial acreditam haver margem para fazer mais, apesar de algumas medidas positivas para a “melhoria do rendimento disponível das famílias”. É essencial “valorizar o papel das empresas”, defende, o que implica criar “um contexto favorável”. O cenário macroeconómico que serve de base ao documento do OE 2023 até mantém uma previsão de crescimento reduzido para 2023 (1,3%), e o responsável afirma mesmo que se trata de um panorama “propositado, para que as medidas não sejam tão robustas quanto deveriam ser”.
Luís Miguel Ribeiro destaca a “falta de capacidade para colocar medidas em prática” e manifesta dúvidas quanto a algumas presentes no OE 2023, como, por exemplo, a que diz respeito ao imposto sobre lucros extraordinários na energia, pois “temos que ter em conta que as grandes empresas já pagam outras taxas. Depende da forma como essa medida for aplicada”.
Resposta mais robusta
Para Maria de Lurdes Rocha da Fonseca Torres fica claro que “há folga orçamental para apoiar de forma mais robusta a economia”, quando se verifica um “excedente orçamental de 0,8% do PIB”. A diretora do Departamento de Estudos e Estratégia da AEP defende “uma redução da carga fiscal mais significativa e estrutural do que é proposto neste documento de OE 2023” e realça que as medidas de apoio às empresas são “de magnitude insuficiente”, até porque “não há nenhuma projeção que aponte para uma recessão”. A opinião da representante empresarial não deixa margem para segundas interpretações: “Percebemos a prudência, mas, se olharmos para as medidas e somarmos tudo, os valores são substancialmente baixos.” Maria de Lurdes Rocha da Fonseca Torres chama também a atenção para a necessidade de “desenvolver medidas com impacto no nível de remuneração. O país e as empresas precisam muito de reter mão de obra qualificada”, lembra.
“Importa que algumas medidas se mantenham como estruturais e que não andem ao sabor das legislaturas”, salienta Serena Cabrita Neto, sócia e coordenadora da área fiscal da PLMJ, para quem “competitividade fiscal é simplificar, e é o que interessa ao investidor”, além de destacar pela negativa as “zero medidas” relativas à justiça tributária. A hora é de resiliência, e Luís Miguel Ribeiro deixa uma nota de esperança, apesar do quadro difícil: “Os portugueses, quando colocados perante grandes desafios, conseguem surpreender.”
Principais medidas de apoio fiscal às empresas
Prazo-limite para as empresas reportarem prejuízos fiscais — que atualmente se situa nos cinco períodos de tributação posteriores ou em 12 anos para as PME — deixa de existir, ao mesmo tempo que o limite dedutível da coleta baixa de 70% para 65%.
É criado um mecanismo de incentivo à capitalização que prevê, em sede de IRC, a dedução de aumentos líquidos de capitais próprios à taxa anual de 4,5% (5% nas PME) ao longo de 10 anos.
Com o incentivo fiscal à subida de salários o objetivo é suportar em 50% os custos, seja da remuneração, seja das contribuições sociais, das empresas que aumentem os salários em linha com o acordado na concertação social. A medida pode beneficiar mais de 500 mil empresas e vai custar €75 milhões.
É criado também um incentivo fiscal à fusão de empresas que contempla a aplicação excecional da taxa reduzida de IRC ao longo de dois anos.
Aumenta a comparticipação no regime fiscal de apoio ao investimento.
APOIOS ÀS EMPRESAS: INCERTEZAS MARCAM DEBATE
Fernando Veludo/NFactos
O Auditório da AEP, em Matosinhos, foi o palco da conferência “OE 2023: As respostas da política fiscal aos desafios das empresas portuguesas”, que juntou Luís Miguel Ribeiro (na imagem em cima), presidente da AEP, Maria de Lurdes Rocha da Fonseca Torres, diretora do Departamento de Estudos e Estratégia da AEP, Pedro Siza Vieira, sócio das áreas de bancário e financeiro e de mercado de capitais da PLMJ, e Serena Cabrita Neto, sócia e coordenadora da área fiscal da PLMJ. “O tempo das empresas não tem sido o tempo da política. Espero que a política se adapte”, confessou Luís Miguel Ribeiro.
Orçamento do Estado
As soluções que o Orçamento do Estado para 2023 apresenta para apoiar o tecido empresarial estiveram em discussão no evento “OE 2023: As respostas da política fiscal aos desafios das empresas portuguesas”, uma conferência da PLMJ com o apoio do Expresso.
Textos originalmente publicados no Expresso de 14 de outubro de 2022
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