Nos últimos cinco anos, a palavra sustentabilidade nas empresas ganhou uma nova dimensão: deixou de se referir apenas ao ambiente, incluindo também valores sociais e éticos, e passou a ser uma exigência em vez de uma simples preocupação. Não só porque as metas ambientais foram ficando mais apertadas em termos de objetivos e de datas mas também porque começou a criar-se “uma pressão social para saber mais sobre a informação não financeira das empresas”, diz a professora do ISCTE, Ana Isabel Lopes. Por exemplo, hoje, a sociedade exige saber mais sobre o que consome, sobre a forma como os produtos são feitos e sobre os valores das empresas e das suas ações, por exemplo, se usam plásticos, se recorrem a trabalho infantil ou se poluem os rios. Uma exigência que parte dos trabalhadores, que muitas vezes escolhem a empresa onde querem trabalhar pela responsabilidade social e ambiental, mas também dos consumidores e clientes, principalmente os mais jovens que “querem fazer do consumo um ato de cidadania”, considera o secretário-geral da BCSD Portugal, João Wengorovius Meneses.
Perante isto, a sustentabilidade nas empresas já não significa apenas reduzir as emissões de carbono ou instalar painéis solares na cobertura. Implica também governar com ética e respeito pelos trabalhadores e pelas pessoas, protegendo o meio ambiente, contribuindo para a região e para a igualdade de género e de oportunidades. Porque se não o fizerem “vão estar a ignorar os clientes” e até a arriscar o acesso ao financiamento. É que, hoje, já há analistas do mercado de capitais que avaliam o que as empresas fazem em termos de sustentabilidade, tal como avaliam as suas contas. E os bancos passaram a incluir a sustentabilidade nos critérios para a atribuição de crédito. “Avaliamos sempre primeiro se pode pagar, mas hoje, uma empresa mais sustentável tem financiamento mais fácil e mais económico. Uma empresa que não o seja, vai ter mais restrições no acesso e vai pagar mais caro”, diz Gonçalo Regalado, da área de marketing do BCP. Até porque, acrescenta, a própria banca está mais escrutinada, com Banco Central Europeu (BCE) a avaliar se a carteira de crédito inclui mais ou menos empresas “verdes” e com o Banco Europeu de Investimento (BEI) a exigir que “um euro em cada dois seja de financiamento verde”.
Certificar e medir
No amor, costuma dizer-se que os atos valem mais do que as palavras. Na sustentabilidade, é igual. Uma empresa pode dizer ou escrever páginas e páginas sobre o que fez para reduzir as emissões, proteger o ambiente ou ser mais responsável socialmente, mas se isso não for verdade, não serve de nada. Foi por isso que a Comissão Europeia aprovou uma nova diretiva que, a partir de janeiro, obriga as grandes empresas a apresentar um relatório de sustentabilidade certificado que confirme e ateste que a informação veiculada é verdadeira. Este certificado terá de ser passado por uma entidade independente e há quem defenda que devem ser os contabilistas (que esta semana se reuniram num congresso nacional) a fazê-lo, apesar do desafio que isso trará à classe, diz Paula Franco, bastonária da Ordem dos Contabilistas Certificados (OCC). Contudo, diz Ana Isabel Lopes, neste momento ainda só se está numa primeira fase deste processo, porque “este certificado apenas garante que a empresa não está a mentir, não mostra se ela fez tudo o que pode e deve para ser mais sustentável”. Por exemplo, uma empresa diz que reduziu o consumo de energia em 5% e a entidade independente certifica que isso é verdade. Mas, mais à frente, a ideia é verificar se havia soluções no mercado que lhe permitiam fazer ainda mais reduções, sempre tendo em conta a sua atividade e se as suas condições financeiras permitiam fazer mais investimentos sem comprometer a solvabilidade. É que, estes processos, principalmente os de transformação energética, são dispendiosos. “Basta haver uma pressão para as garrafas de água serem mais sustentáveis e a linha de produção tem de mudar toda”, repara Ana Isabel Lopes.
Para que este nível de certificação mais avançado seja possível são precisas métricas de sustentabilidade que meçam e, em alguns casos, monetizem o que se fez. “Se uma empresa é poluente e isso traz problemas de saúde, esse valor é monetizável e isso devia ser reduzido nos lucros”, considera João Wengorovius Meneses. Há até quem defenda a criação de uma espécie de um certificado energético para as empresas, tal como já existe para as casas e eletrodomésticos.
Neste momento, repara João Wengorovius Meneses, temos vários índices, como o Dow Jones Sustainabilty Index, e sistemas de reporte, como o GRI, que as empresas têm usado nos seus relatórios de sustentabilidade, mas ainda não há uma métrica universal como a que existe para os relatórios financeiros. Paula Franco diz que vai levar o seu tempo. Já Ana Isabel Lopes acrescenta que a uniformização financeira “levou uma década”. Para já, a International Financial Reporting Standards (IFRS), que emite normas dos relatos financeiros, está a desenvolver métricas não-financeiras que estiveram em consulta pública até 29 de julho e deverão ser publicadas “no final deste ano”, repara Paula Franco. Mas, ressalva Ana Isabel Lopes, não há uma obrigação em usar essas métricas, apenas uma recomendação.
Congresso termina esta sexta-feira
Ambiente, oceanos, desafios populacionais, saúde mental, responsabilidade e empreendedorismo social, ética empresarial, relato não-financeiro, métricas e índices de sustentabilidade, novas regras europeias. Estes foram alguns dos temas debatidos no 7º Congresso da Ordem dos Contabilistas Certificados (OCC), que termina esta sexta-feira na Altice Arena, em Lisboa, e que terá como tema central o peso da sustentabilidade no financiamento às empresas. No total, foram três dias de congresso, onde se juntaram sete mil contabilistas e 25 oradores, entre os quais quatro ministros e o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, que hoje encerra o encontro.
CONGRESSO
O 7º Congresso da Ordem dos Contabilistas Certificados, ao qual o Expresso se associou, decorreu de 21 a 23 de setembro e teve como foco a sustentabilidade, não só ambiental, mas também social e de governança. Temas que ganham cada vez mais peso nas empresas e cujas boas práticas vão passar a ser certificadas, muito provavelmente, por contabilistas certificados.
Textos originalmente publicados no Expresso de 23 de setembro de 2022
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