O lamento vem da presidente do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG), Clara Raposo: “Temos um produto que nós exportamos com bastante qualidade. Exportamos os nossos filhos.”
Mas o país precisa de travar a exportação desta geração mais qualificada, se quiser aumentar a competitividade das empresas e a produtividade da economia portuguesa, através de políticas públicas, incluindo medidas fiscais atrativas para os mais jovens e incentivos às empresas para oferecerem melhores salários.
“A minha geração vai ter de assumir uma responsabilidade especial para com esta geração mais nova, se os quisermos, de facto, aqui, a contribuírem para darmos a volta”, alerta Clara Raposo. Apesar de o país formar gerações cada vez mais qualificadas, “ainda temos no sector produtivo uma percentagem muito grande de pessoas que não são assim tão qualificadas, e temos dificuldade em fazer esta transição dos mais velhos para os mais novos, também porque não estamos a pagar o suficiente para mantermos no nosso país essas pessoas”.
“Os Jovens em Portugal, Hoje” é o título do recente estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos sobre a população entre os 15 e os 34 anos. Três em cada quatro inquiridos (72%) recebem menos de €950 líquidos por mês. Mesmo nas profissões com formação superior ou autonomia criativa, só um quarto (26%) recebe mais de €1159 por mês. A maioria dos inquiridos mostra-se disponível para emigrar — 30% têm mesmo a certeza quanto a ir viver para o estrangeiro.
“Estamos a alimentar a emigração a um nível inacreditável”, diz o professor da Universidade Nova de Lisboa José Tavares. “Julgo que isto não acontece desde os Descobrimentos. Isto é o esvair em sangue da economia portuguesa.” A saída de tantos recursos humanos deve ser alvo de atenção das políticas públicas. “Se nós temos um mercado de trabalho ainda relativamente protetor dos que estão empregados há muito tempo, e que são de uma geração muito menos educada do que aquela que está a entrar agora, então o custo desse mercado de trabalho ser inflexível é muito maior em Portugal”, alerta José Tavares. “Não estamos a dar abertura a uma geração que é muito diferente da anterior.”
E os fundos europeus?
Para Arlindo Oliveira, presidente do Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores (INESC), seria uma oportunidade única para o país executar devidamente os €50 mil milhões de fundos a que terá direito na próxima década em investimentos em prol da produtividade. “Mas não estou muito convencido de que o consigamos fazer”. Afinal, todo este investimento implica trabalho, e “a economia portuguesa está severamente limitada pela falta de recursos humanos altamente qualificados”. Na decisiva área das tecnologias de informação (TI), por exemplo, aponta para a falta de, pelo menos, 20 mil pessoas em Portugal e de um milhão na Europa. “Mas estes números já estão desatualizados e são muito maiores”, diz Arlindo Oliveira.
Portugal só consegue formar cerca de três milhares de pessoas anualmente nesta área. “Acresce que o mercado europeu é extremamente atrativo para os nossos jovens. Qualquer graduado nestas áreas — TI, inteligência artificial, blockchain, segurança, etc. — tem um emprego que lhe paga o triplo no Norte da Europa.” E muitos até podem agora trabalhar à distância, de cá para lá. “Não vai ser fácil, porque as empresas — mesmo que queiram ser competitivas — não podem facilmente pagar um salário de €3500, €4000 ou €5000 ao jovem de que precisam. Até porque têm lá pessoas que trabalham há 10 ou 20 anos que ganham menos do que isso.”
O ministro do Planeamento, Nelson de Souza, fez notar que o primeiro concurso a ser lançado pelo Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) foi precisamente para impulsionar a graduação de jovens em ciências, tecnologia, engenharias, artes e matemática (STEAM, em inglês). As competências são decisivas para o sucesso dos investimentos empresariais. “E o que vamos fazer no Portugal 2030 é pegar numa verba muito substantiva do dinheiro do Fundo Social Europeu — à volta de meio bilião de euros — e meter no programa de inovação para, ao mesmo tempo que estamos a decidir os apoios às empresas, termos ali um instrumento para exigir intervenções nessa área”, avançou Nelson de Souza.
“Tudo o que fizermos do ponto de vista da educação não será suficiente para criar a capacidade de que precisamos no curto prazo”, alertou a diretora-geral da Microsoft, Paula Panarra. Daí a necessidade urgente de requalificar a população adulta e captar talento do estrangeiro para dentro do país. “Nós temos hoje 1300 pessoas a trabalhar na Microsoft a partir de Portugal. São de 25 nacionalidades diferentes. E são todos engenheiros qualificados.”
O tamanho do desastre
António Casanova, CEO da Unilever, concorda que em Portugal existe um “problema de exportação de uma parte importante das nossas elites”, aliado ao problema demográfico que fará o país perder 20% da população ativa nos próximos 30 anos. O pior é que Portugal nunca cresceu tão pouco como nos últimos 20 anos. Nem nas guerras liberais, nem na Primeira República. Só a Grécia e a Venezuela caíram mais a nível mundial. “Quando temos a noção do tamanho do desastre é que se consegue perceber o que se tem de fazer a seguir. Não há nenhuma forma legítima de olhar para isto e dizer que é bom.”
“Não nos podemos esquecer que, desde 2008, a entrada no mercado de trabalho das gerações mais bem preparadas, porventura de toda a história económica portuguesa, foi acompanhada por três crises de forte magnitude e em sucessão: a grande crise financeira, a crise de dívida soberana e a crise pandémica”, disse o governador do Banco de Portugal, Mário Centeno, na sua intervenção inicial. Mas também observou que “todos os países do Leste europeu com quem às vezes nos gostamos de comparar têm mais de 90% dos seus jovens com o ensino secundário ou superior”. E todos já estavam com estas taxas de graduação em 2010. “Esta é a verdadeira fonte do atraso estrutural do nosso país”, diagnosticou Mário Centeno. Daí o apelo ao investimento em mais formação e em mais anos de escolaridade.
Textos originalmente publicados no Expresso de 4 de dezembro de 2021
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