Combatentes do isolamento: voluntários, padres e polícias
Dona Milu, 83 anos, põe a sua malinha a tiracolo para receber à porta a voluntária que lhe entrega as compras da semana em casa
José Fernandes
Projetos Expresso. Esperança. Portugal é dos países mais envelhecidos da Europa, com 42 mil idosos a viverem isolados. O interior regista os números mais expressivos. Mas há projetos que prometem aproximar seniores e tornar a vida menos solitária
André Rito
Milu recebe a visita de uma voluntária em casa todas as semanas. Não se conheciam antes do início da pandemia, quando o vírus impôs o confinamento e isolamento social à população. Para os mais velhos, a covid-19 condenou-os ainda mais às dificuldades próprias da condição sénior: falta de mobilidade, solidão e saúde frágil. “Aderi ao programa quando comecei a sentir dificuldades em andar na rua”, confessa a ex-funcionária de uma farmacêutica, hoje com 83 anos, quando abre a porta a uma voluntária que lhe entrega as compras da semana.
“Inicialmente, os clientes ficavam desconfiados e pouco à vontade”, conta Tânia Meneses, voluntária do Grupo Jerónimo Martins para o Programa Voluntários Clientes 70+, uma iniciativa para combater o isolamento dos mais velhos e as dificuldades provocadas pela pandemia que começou em março do ano passado, quando chegaram os primeiros contactos de clientes idosos em dificuldades. “A solidariedade é também uma forma de tornar a vida dos bairros mais feliz. Nestas ações existe verdadeiramente a sensação de partilha e, ao fim de algumas visitas, sentimos uma grande cumplicidade e gratidão”, diz a voluntária.
Inês Carvalho, provedora do cliente e coordenadora do Programa Voluntários Clientes 70+, recorda os “contactos aflitos” desta população em março de 2020. “Estamos a falar de pessoas que não tinham ninguém. Com a pandemia, o simples facto de abrir a porta já lhes causava medo. Foi assim que lançámos o desafio às nossas equipas de prestar apoio a esta população mais desprotegida”, afirma.
Ir ao encontro dos idosos
Se a pandemia veio alterar a vida em praticamente todo o mundo, esta franja da população foi das mais afetadas pelo isolamento. Um drama que não afeta apenas os idosos das cidades, confinados em apartamentos nos bairros de Lisboa ou Porto, mas também — e sobretudo — a população sénior do interior. Dados do último balanço da Operação Censos Sénior 2020 revelam que o isolamento atinge mais de 42 mil idosos em Portugal. O objetivo do projeto era identificar e sinalizar a população idosa mais isolada e vulnerável.
“O isolamento, os problemas que a sociedade enfrenta em relação aos seniores, não começou apenas na pandemia”, diz ao Expresso o mestre em Psicologia Clínica Afonso de Herédia, um dos oradores convidados do webinar realizado na passada terça-feira, com o tema “Solidão e Isolamento dos Idosos — Presente e Futuro”. O evento decorreu no Dia Mundial da Consciencialização da Violência contra a Pessoa Idosa. Um dos temas em discussão foi a forma mais eficaz de chegar até esta população, cujo isolamento também provoca uma desconfiança natural perante quem chega para ajudar.
“É preciso ir ao encontro dos idosos”, diz Lisete Gonçalves, mestre em Psicologia, lembrando as dificuldades que vai encontrando no trabalho diário nas visitas domiciliárias. “É uma geração que não está habituada a lidar com tecnologia, que tem dificuldade, por exemplo, apenas para responder ‘sim’ por mensagem para marcar a vacina.” Para a psicóloga, uma das ideias para melhorar o convívio e acesso aos idosos — e a sua vida de bairro — passa por ter uma relação de proximidade com agentes locais: “Muitas vezes através das juntas de freguesia, do pároco, da GNR. Estas sinergias são necessárias para chegar a estas pessoas com confiança. E mesmo quando chegamos, as pessoas só abrem a porta se telefonarmos”, recorda.
Na zona de Pedrógão Grande, por exemplo, foi realizado um contrato local de desenvolvimento social (CLDS) para levar a cabo um projeto de promoção do envelhecimento ativo e apoio à população idosa. Chamado Aproximar Pedrógão, o projeto passa por desenvolver ações de apoio e atividades de animação dos habitantes mais idosos da região. Aqui o termo bairro não se aplica, já que estamos a falar de um concelho com uma população altamente dispersa, mas a felicidade pode chegar de forma simples, através de uma simples visita de um voluntário. “Muitas vezes o trabalho passou por ir porta a porta, mas conseguimos chegar a 90 pessoas”, diz Catarina Teixeira, técnica superior de psicologia do Aproximar Pedrógão.
Uma das ideias defendidas por Catarina Teixeira para melhorar a vida dos idosos e dos seus bairros passa pela regularidade das visitas. “É preciso voltar, criar uma relação de empatia e carinho, regressar para ganhar confiança. Algumas pessoas depois acabam até por tirar selfies”, diz a psicóloga. Diana Fradigano, coordenadora do projeto Nós e (A)vós, de inovação social dirigido à população da freguesia de Avelar, no município de Ansião, acrescenta a importância de ter proximidade com os agentes locais: farmácias e equipas de proximidade da GNR. “Uma das visitas que fizemos acompanhadas pelas autoridades foi essencial para ajudar a ganhar confiança”, reforça Diana. Se no interior os números do isolamento são mais expressivos — com o distrito de Vila Real a concentrar o maior número de casos —, dos 42.439 idosos a viver sozinhos ou em situação de vulnerabilidade nos 18 distritos do país 857 foram sinalizados no Porto e 767 em Lisboa. É a solidão das grandes cidades. Como acontece com a dona Milu, que ainda assim consegue combater o silêncio com a tecnologia. Fez um curso de informática, usa telemóvel e tem redes sociais. “Uso todas, Facebook, WhatsApp e Instagram.”
O que é o “Bairro Feliz”
O projeto Programa Tem como objetivo incentivar a mobilização de vizinhos e comunidades para lançarem ideias para tornar o seu bairro mais feliz. Enquadrado na política de responsabilidade social do Pingo Doce, pretende ser uma forma de fortalecer vínculos e relações mais próximas entre moradores dos bairros, através de causas comuns. No final do programa serão os membros destas comunidades a eleger uma ideia por cada loja, que será apoiadaaté €1000
Os prazos Último dia As causas e ideias podem ser inscritas até 1 de julho
Os requisitos Inscrições As candidaturas estão abertas a grupos de cinco ou mais vizinhos ou a qualquer entidade, como associações, instituições privadas de solidariedade social, fundações, cooperativas, entidades públicas ou privadas
As áreas Ideias Cada comunidade deverá apresentar ideias que se enquadrem nas áreas definidas no programa “Bairro Feliz”: Saúde, Bem-Estar e Desporto, Apoio Social e Cidadania, Cultura e Património, Turismo e Lazer, Educação e Ambiente e Causa Animal
As avaliações Votação A avaliação por parte do júri ocorrerá entre 6 de julho e 17 de setembro. Já a votação nas lojas estará aberta entre 28 de setembro e 2 de novembro. No dia 3 de novembro serão apresentadas as causas vencedoras e feita a entrega do donativo
Como se candidatar Concorrer As inscrições deverão ser feitas AQUI
Textos originalmente publicados no Expresso de 18 de junho de 2021
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