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Uso de máscaras força queda de casos de gripe

Vacinação, etiqueta respiratória e alimentação saudável são importantes na prevenção da gripe
Vacinação, etiqueta respiratória e alimentação saudável são importantes na prevenção da gripe
David Greedy/Getty Images

Projetos Expresso. Saúde. No último ano, a doença foi responsável por mais de 3300 mortes e pelo entupimento das urgências. Agora, em plena pandemia de covid-19, o vírus da influenza está praticamente ausente. Mas pessoas com mais de 65 anos devem levar a vacina

Francisco de Almeida Fernandes

Nem as temperaturas abaixo do normal para a época, nem o novo coronavírus têm sido suficientes para manter a estação gripal de 2020/2021 a par das anteriores — em número de casos e mortes registados. De acordo com o último Boletim de Vigilância Epidemiológica da Gripe, elaborado semanalmente pelo Instituto Ricardo Jorge, a taxa de incidência de síndrome gripal na terceira semana do ano foi de 7,71 por 100 mil habitantes. Em contraste, a incidência de casos covid-19 nos últimos 14 dias foi de 1660,6 por 100 mil habitantes, segundo dados compilados pela Universidade de Stanford. O que está, afinal, detrás da queda acentuada de casos de gripe em Portugal? A resposta é unânime entre os especialistas: as medidas de proteção individual adotadas durante a pandemia têm impedido a propagação do vírus influenza.

São muitos e diferentes os vírus responsáveis pelas gripes e constipações, mas algo que todos têm em comum é a forma como se espalham na comunidade. “Todos se transmitem por gotículas, mas quando o hospedeiro tem um comportamento que implica o uso de máscara e cumpre as regras de distanciamento, o vírus não se consegue disseminar na população”, explica o virologista Pedro Simas, que desde o verão tem vindo a desvalorizar o impacto da gripe na situação sanitária nacional. Ainda que os benefícios destas medidas de proteção sejam evidentes, o investigador do Instituto de Medicina Molecular não defende, ao contrário de outros especialistas, que a máscara deva ser vista como mecanismo de proteção para lá da covid-19 (ver caixa).

Etiqueta respiratória e alimentação previnem

A estação gripal 2020/2021 não está, contudo, terminada. A situação pode alterar-se até maio, embora seja expectável que o número de casos se mantenha reduzido com a ajuda do segundo confinamento geral. Isabel Saraiva, presidente da Respira — Associação Portuguesa de Pessoas com DPOC e Outras Doenças Respiratórias Crónicas, acrescenta que a atual situação beneficiou, também, da existência de “vírus menos virulentos”. “Francamente, nem me apetece pensar o que seria se tivéssemos uma pandemia e uma gripe especialmente virulenta”, confessa.

À chegada do inverno, manda a sabedoria popular que os casacos e agasalhos passem a ser companhia constante para evitar gripes e constipações. Porém, a prevenção não se resume à proteção contra o frio, mas estende-se ao cuidado com a alimentação, à etiqueta respiratória e à vacina. À mesa, Isabel Saraiva diz ser importante garantir o equilíbrio entre o consumo de “frutas e legumes” e a “prática de exercício físico. No entanto, “o grande aspeto da prevenção é a vacina”, garante. “A evidência aponta que as pessoas a partir dos 65 anos devem vacinar-se, porque a partir desta idade a gripe pode gerar pneumonias.”

Em doentes crónicos, a situação pode ser ainda mais preocupante e, em casos limite, fatal. Carlos Rabaçal explica que também as pessoas com menos de 65 anos, em que a taxa de vacinação é “baixíssima”, devem ser vacinados, em especial aqueles com outras doenças associadas. “Se um indivíduo já teve um qualquer problema cardiovascular, diabetes ou doença respiratória grave, não precisa de 65 anos para ser vacinado”, alerta. O cardiologista do Hospital de Vila Franca de Xira apresentará, no Flu Summit Portugal 2021, os resultados do estudo BARI — Burden of Acute Respiratory Infections que avaliou o impacto da gripe nas doenças cardiovasculares. “Já sabíamos que indivíduos com doença cardiovascular tinham mais propensão a ter complicações durante ciclos gripais”, explica ao Expresso, detalhando que “estas pessoas correm o risco até dez vezes maior de ter um enfarte do miocárdio, no AVC oito vezes mais”. Além do aumento substancial do risco, 20% dos idosos com gripe sofrem com as duas patologias — gripe e enfarte do miocárdio — em simultâneo. Aqui, a vacinação preventiva assume um papel essencial.

Mais de 1,4 milhões de portugueses vacinados até dezembro

Este ano, a campanha de vacinação iniciou-se a 28 de setembro, com a disponibilização, pelo Serviço Nacional de Saúde (SNS), de cerca de 2,5 milhões de doses. A estas, juntaram-se 500 mil adquiridas e vendidas pelas farmácias. Dados da terceira vaga do Vacinómetro, o barómetro da Sociedade Portuguesa de Pneumologia e da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar, indicam que, até dezembro, mais de 70% das pessoas com idade igual ou superior a 65 anos já tinham sido vacinadas, o equivalente a mais de 1,4 milhões de portugueses. A mesma fonte diz ainda que a vacina chegou a 61% dos profissionais de saúde, 37% das pessoas entre os 60 e 64 anos e 59% dos doentes crónicos.
Outro aspeto importante para evitar o contágio prende-se com a etiqueta respiratória — lavar as mãos com frequência e proteger o nariz e a boca quando se espirra. “É preciso aqui uma enorme campanha que explique às pessoas a importância destas medidas, absolutamente eficazes e que devem ser praticadas em todo o lado”, avisa Isabel Saraiva. São gestos como estes que, em conjunto com a vacinação e uma alimentação saudável, podem diminuir o risco de complicações graves da gripe, em particular nos idosos ou em grupos de risco.

Debate
Prevenir para não remediar

Apesar de ser muitas vezes vista como uma doença passageira, leve e sem perigo associado, a verdade é que a gripe pode ter consequências muito graves para as pessoas dos grupos de risco. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), o vírus influenza, responsável pela gripe, provoca a morte de 290 mil a 650 mil pessoas por ano em todo o mundo. Na última estação gripal, foram mais de 3300 os portugueses que não resistiram à doença. Para incentivar a prevenção, o Expresso e a Sanofi Pasteur associaram-se no evento Flu Summit Portugal 2021, que junta especialistas e responsáveis pela saúde no país no debate de novas evidências e na busca de soluções. Agendada para 25 de fevereiro, às 10h, com transmissão em direto através do Facebook do Expresso, a iniciativa contará com a apresentação do estudo ‘BARI’ e dos impactos da gripe em Portugal por Carlos Rabaçal (HVFX) e Carlos Robalo Cordeiro (ERS), bem como debates sobre prevenção. Entre os convidados está ainda confirmada a presença do pneumologista Filipe Froes e da socióloga Ana Sepúlveda.

Três perguntas a:
Pedro Simas
Virologista do Instituto de Medicina Molecular

Praticamente não existem casos de gripe em Portugal. Porquê?

Todos os anos contactamos com o vírus da gripe, mas nem sempre apanhamos uma gripe severa. É esse contacto constante que nos mantém imunes, só que às vezes não contactamos tanto e passado uns tempos já não somos imunes. Como as medidas [de proteção individual] são suficientes para controlar a covid-19, vão ser eficientes para controlar a gripe. É tão simples quanto isso. São as medidas que fazem a diferença.

Faria sentido, daqui para a frente, utilizar as máscaras em época de gripe?

Não recomendo isso. O que está a acontecer agora também tem perigo, porque precisamos de contactar com o vírus da gripe para manter a imunidade. Se a pessoa é do grupo de risco e não foi vacinada, talvez possa usar máscara, mas não sou apologista de ficarmos ligados às máscaras todos os invernos. Quem quiser usar máscara, use.

Havendo menos contacto com o vírus, no próximo ano a gripe pode chegar com mais força?

Tenho-me interrogado bastante se um ano praticamente sem gripe é suficiente para causar uma percentagem de pessoas suscetíveis a uma gripe mais severa quando regressar. Temos de esperar para ver. É mais importante vacinar as pessoas para o ano do que agora, porque este ano não há gripe.

Textos originalmente publicados no Expresso de 5 de fevereiro de 2021

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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