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Paulina Chiziane: Pioneira entre as mulheres

29 abril 2013 17:08

Mafalda Anjos e António Silva

29 abril 2013 17:08

Mafalda Anjos e António Silva

Os olhos azuis, surpreendentes e hipnotizantes, transparecem serenidade. "Mudaram de cor aos 25 anos, como os da minha mãe. É um mistério", diz sorrindo. No seu quintal, em Albasine, à sombra de uma frondosa amargoseira a que chamou árvore de Salomão (o rei da sabedoria), Paulina Chiziane passa horas a fio a ler, a escrever, a pensar.

Optou por viver nas Maotas, nos subúrbios profundos, longe da confusão da cidade de Maputo. Todos a conhecem naquela pequena comunidade de estradas de terra batida. Não é de estranhar, Paulina é uma senhora respeitada: é a primeira escritora moçambicana negra. À sua porta passam todos os dias a pé centenas de homens e mulheres com os filhos aconchegados às costas, num vai e vem permanente tão típico de África. Vende-se de tudo pelo caminho: sanitas, chamuças, sutiãs coloridos, galinhas, sofás, cartões de telemóvel. No quintal de Paulina, debaixo daquela sombra fresca, ouvem-se os vendedores, uma canção da moda aos berros. "Escuto o vizinho a discutir, os gritos de quem passa, a música. Até acordo à noite com os tambores a rugir nas cerimónias que fazem para os antepassados!", diz com uma gargalhada. "Uma vez estive na Alemanha numa casa tão limpa, tão limpa, numa rua tão silenciosa, tão silenciosa, num bairro tão ordeiro, tão ordeiro, que parecia que não vivia lá ninguém! Aqui as dificuldades são enormes - não há estradas nem transportes, mas temos uma vida que vibra!", declara.

Nos seus livros, Paulina fala de tudo isto e daquelas personagens com que se foi cruzando ao longo dos seus 57 anos, Muda-lhes os nomes e os lugares, mas não precisa de inventar nada. "As histórias estão por todo o lado."

Nasceu em Manjacaze, no Sul de Moçambique, onde os espaços dos dois sexos estavam bem delimitados. "Homem, pai e Deus estão lá em cima num mesmo patamar, as mulheres, o diabo e o resto ficam na cozinha", diz. Nos seus livros, como "Balada de Amor ao Vento" e "Niketche", fala da vida sofrida das mulheres africanas, das humilhações a que estão sujeitas, da poligamia. A escrita não foi uma opção fácil. "Apanhei muitas sovas do meu pai por gastar os cadernos. Quando me casei tive muitos dissabores - queria estar sozinha e ninguém me entendia." Divorciou-se, dedicou-se aos livros. E foi difícil impor-se como escritora. "O lugar da mulher na escrita eram os contos, as poesias, as crónicas. E apareço eu, a Paulina, que vem do chão e faz romances. O grande debate foi 'quem é Paulina, quem é que ela julga que é?'" A sua teimosia e o enorme talento levaram a melhor. Conta com oito livros publicados e traduzidos em várias línguas, e o nono vem a caminho.