Portugal Moçambique - Ligações Fortes

Moçambique por baixo dos panos

20 maio 2013 10:00

Nicolau Santos

Nicolau Santos

Diretor-Adjunto

Para quem quer investir ou trabalhar na pérola do Índico convém lembrar que o país que cresce 7% ao ano tem enormes contrastes.

20 maio 2013 10:00

Nicolau Santos

Nicolau Santos

Diretor-Adjunto

Moçambique é hoje em dia uma realidade multifacetada. Para investidores, empresários e quadros técnicos surge como um país de enormes oportunidades. Para economistas e analistas as potencialidades existem mas os riscos não são despiciendos. A economia cresce a taxas asiáticas mas a desigualdade na distribuição da riqueza é agora particularmente percetível aos olhos da população. E ao lado dos megaprojetos e dos investimentos internacionais, a economia informal dispara violentamente. É esta miscelânea de tendências, esta realidade profundamente contrastada, que António Francisco, professor associado da Universidade Mondlane, apelida de 'economia de bazar' que, diz, atravessa uma crise semelhante à da zona euro, em particular a grega: enorme informalidade, fuga fiscal em larga escala e descrédito da população nas instituições do país.

No plano económico, António Francisco lembra-nos onde o país se encontra. A Grécia produz em 26 dias e Portugal em 31 dias toda a riqueza que Moçambique produz num ano. É um facto que tem havido progressos consistentes, embora lentos. Em 1990, o Botswana produzia em seis meses o mesmo que Moçambique num ano. Em 2010, a relação passou a ser de nove meses para um ano. Também em 1990, a África do Sul produzia em apenas sete dias tudo o que Moçambique produzia num ano. Em 2010, Moçambique tinha reduzido esse gap em mais sete dias.

Em agosto de 2010, a Standard & Poor's sublinhava que o país desfruta de um panorama relativamente estável, mas condicionado à expectativa de que "o apoio dos doadores vai continuar a ajudar os défices fiscal e externo, que o forte crescimento económico continuará e que a situação política permanece relativamente estável". Acrescentava que poderia baixar os ratings (B+/B para as notações de crédito a curto e a longo prazo em moeda estrangeira e local) "se o apoio dos doadores vacilar, os défices fiscal ou externo aumentarem, a inflação voltar para taxas de dois dígitos ou a agitação social e tensões políticas se agravarem".

Ora nos últimos meses quase todos estes receios se confirmaram. Três dos 19 principais doadores de Moçambique ameaçaram deixar de dar o seu apoio, que no que toca ao Orçamento do Estado já chegou a representar 50% das receitas e hoje ultrapassa ainda os 30%). Na última reunião com o G19, no início de maio, o embaixador dinamarquês Mogens Pedersen repetiu uma velha crítica que tem sido formulado pelos países doadores, FMI e Banco Mundial, que tem a ver com o fosso que se alarga entre ricos e pobres. "Na área macroeconómica e do crescimento inclusivo", disse, "felicitamos o Governo pelo sucesso das políticas macroeconómicas com taxas de crescimento económico altas, uma inflação baixa e reservas de divisas fortes. No entanto, está reconhecido que o alto crescimento e a baixa inflação são condições necessárias para o crescimento inclusivo, mas por si só não suficientes. O grande desafio é transitar de um processo de crescimento forte para um crescimento fortemente inclusivo e abrangente - um desafio claramente reconhecido no PARP, Plano de Ação de Redução da Pobreza".

Para quem fala com cidadãos moçambicanos em Maputo (motoristas, comerciantes, vendedores) constata-se que existe a clara perceção de que há uma elite no país que está a enriquecer rapidamente, ao passo que a generalidade da população enfrenta crescentes dificuldades no dia a dia. Com efeito, com a chegada de sucessivas hordas de técnicos estrangeiros, há uma generalizada subida dos preços da restauração e hotelaria, alimentação, casas e muitos outros produtos básicos. Isso está a levar a que muitos cidadãos estejam a ser empurrados para viver nas periferias das cidades, em piores condições mas com menos encargos mensais. O salário mínimo ronda os 3000 meticais (cerca de 100 dólares) e só com um rendimento mensal de 12.000 meticais (400 dólares) se consegue ter um nível de vida minimamente digno. Em maio deste ano, aumentos de preços de bens essenciais como o pão ou os transportes motivaram a revolta das populações, que tiveram de ser resolvidas através de intervenções policiais.

No plano político, a tensão está também a subir (ver abaixo a entrevista do secretário-geral da Renamo). Ninguém quer o regresso da guerra mas a repartição das riquezas minerais agora descobertas (gás natural) ou já em exploração (carvão) está a levar ao endurecimento do discurso político do maior partido da oposição e mesmo a um grave incidente em abril em Muxungué, no centro do país, onde a polícia local deteve 15 homens na sede da Renamo e, em resposta, guerrilheiros daquele partido atacaram no dia seguinte a sede da polícia, causando a morte de 4 agentes das forças antimotim.

O país tem ainda enormes carências de infraestruturas rodoviárias, ferroviárias, portuárias, de telecomunicações e de recursos humanos, o que dificulta o aproveitamento das suas enormes potencialidades agrícolas, minerais e industriais.

É claro que este retrato que aqui se traça, além de incompleto (ver as três edições anteriores do Expresso), não põe em causa as extraordinárias perspetivas que Moçambique tem pela frente. Saber aproveitá-las é o desafio que se coloca aos moçambicanos.