Transformação da indústria já começou, mas é preciso acelerar
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Portugal: mesmo com a pandemia e a guerra — que fizeram disparar os preços das matérias-primas —, a indústria modernizou fábricas e investiu em renováveis. Mas ainda há trabalhadores a precisar de novas competências e mentalidades para mudar
Ana Baptista
A indústria é um dos sectores mais diversificados e mais relevantes do país. Nele incluem-se a produção de energia, cimento ou aço, plásticos para componentes automóveis, têxteis, cerâmicas ou bolachas. Tudo envolve fábricas, linhas de produção contínuas e fornos de altas temperaturas. Não é por isso de admirar que “entre 2020 e 2021 tenha sido o sector que mais contribuiu para o crescimento do volume de negócios em Portugal”, diz Ana Costa, da consultora Beta-i.Mas a indústria é também um dos que mais contribui para as alterações climáticas. Segundo dados da consultora EY, é o segundo sector com maior nível de emissões, 22% do total emitido, ou 758 mil quilotoneladas de CO2 equivalente. Tem, no entanto, havido um esforço na sustentabilidade, não só na descarbonização e transição energética, mas também nas boas práticas de gestão e na responsabilidade social. Ainda mais numa altura em que na União Europeia se sucedem os planos para apoiar a reindustrialização, ou seja, a sua descarbonização e a criação de novas indústrias que reduzam a dependência externa e a concorrência desleal de preços.
Barreiras externas
Mas, há sempre um mas. E neste caso são vários. Um deles é nessa redução da dependência externa. Na energia tem sido possível encontrar alternativas ao gás natural que se comprava à Rússia e reforçou-se a aposta nas renováveis maduras e nas menos maduras. Aliás, como se pode ver na infografia, em 2050 as fontes de energia e as tecnologias que vão ser usadas na indústria irão ser muito diferentes das que se usam hoje. Mas nas matérias-primas o caminho parece mais difícil.De acordo com Luís Veiga Martins, professor da Nova SBE, as principais matérias-primas que vão ser necessárias para fazer a transição energética — como o lítio — estão em países distantes, como o Chile ou a China, e “onde as práticas ambientais e sociais não são conhecidas por serem as melhores”, acrescenta Tito Silva, da Celoplás.O mesmo se passa, por exemplo, com o açúcar, que vem do Brasil para Portugal, onde é depois refinado, ou até dos cereais, que vêm do Canadá e dos EUA. “Esta é a nossa maior fonte de emissões, porque vêm de navio e não há forma de evitar. Pode produzir-se açúcar a partir da beterraba, mas tem de ser refinado depois de extraído e só dura três meses, não é rentável. Chegou a haver uma fábrica cá em Portugal, mas foi à falência”, conta Diogo Freitas, diretor comercial da Officetotal Food Brands, uma fabricante de bolachas e bolos, como as ‘belgas’ da marca Saborosa.Outro entrave que pequenas e médias empresas (PME) da área da indústria referem é a burocracia nas candidaturas aos apoios comunitários e do Estado português e nos processos de licenciamento. “Recentemente pensei em instalar uma mini-hídrica para autoconsumo, mas a burocracia na Agência Portuguesa do Ambiente (APA) é tão ridícula que desisti”, conta João Pedro Martins, da Lucemplast, uma fabricante de componentes de plástico que tem um canal no terreno da fábrica que lhe permite “reutilizar toda a água usada na produção”. Além disso, os painéis solares que instalaram produzem energia em excesso mas não conseguem vender à rede, porque “isso não é permitido quando estes projetos recebem apoios comunitários”.
Barreiras internas
“O que sentimos é que estes temas da sustentabilidade ainda não estão bem integrados na mentalidade das pessoas e das empresas”, repara Norma Franco, da consultora EY, acrescentando que ainda há muito a ideia de que sustentabilidade é um custo e não uma oportunidade para criar valor e fazer a empresa crescer.De facto, para João Paulo Machado, também da Lucemplast, “não há poesia nas empresas. Elas existem para criar valor para os acionistas. Quando investimos em painéis solares, não é sustentabilidade, é negócio”, vinca, “porque estamos a pensar quanto vamos conseguir ganhar”, acrescenta Hélder Castro, da Angel Smile.Há depois a questão dos apoios a fundo perdido, tanto da Europa como do Estado português. Para muitas PME continua a ser impossível investir em sustentabilidade sem esses apoios, e agora há muitos. Só para reindustrialização há €4,5 mil milhões no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e mais €2,9 mil milhões no Portugal 2030, ambos para investimentos em inovação, tecnologia, renováveis, hidrogénio ou mesmo projetos de investigação.Mas para Diogo Freitas um “investimento tem de ser interessante” sem qualquer tipo de apoio. “Se não der rentabilidade, é porque estou a gerir mal. O que precisa de apoios é, por exemplo, uma produção de algas, cujo mercado não está maduro, não uma indústria madura.” Para o diretor da Officetotal Food Brands faz mais sentido receber benefícios fiscais do Estado quando se investe ou se aposta na sustentabilidade. “Nós não pagamos IRC há cinco anos porque investimos €10 milhões em inovação e emprego nesse período”, conta.
Soluções
Soluções são como os chapéus, há muitas. E nenhuma delas é “palerma”. As indústrias que já estão empenhadas na sustentabilidade investem em renováveis e tecnologia, na substituição dos fornos a gás por elétricos, na criação de comunidades de energia, na redução do consumo de papel, energia, água e resíduos, na reciclagem de matérias-primas ou na plantação de árvores para captura de carbono. Até porque “só uma árvore sequestra 10 quilos de carbono”, segundo Norma Franco.Mas para a maior parte das empresas presentes na primeira sessão do Acelerador de Sustentabilidade de 2023, que decorreu a 19 de maio em Braga e tinha como foco a reindustrialização, o que é preciso fazer agora é investir nas pessoas. Não só porque sustentabilidade é também responsabilidade social, mas porque tem sido difícil reter o talento adequado às necessidades de uma indústria mais moderna e tecnológica. Ou seja, é preciso investir na requalificação dos trabalhadores e dar-lhes novas competências, mas também aumentar a literacia sobre as questões da sustentabilidade, descarbonização, novas energias e redução de desperdício. Não só a dos trabalhadores, mas também dos consumidores, porque “ainda é uma pequena fatia que realmente se preocupa”, remata Diogo Freitas.
O que as empresas estão a fazer
Investimento A Officetotal Food Brands investiu €10 milhões nos últimos cinco anos na modernização e aumento das linhas de produção e em sustentabilidade. Trocou cinco dos sete fornos a gás por fornos elétricos e instalou 400 kW de painéis solares, que “no verão conseguem alimentar esses fornos”. Também apostou em reflorestação, conseguindo absorver 100 toneladas de CO2.
Inovação EDP, Galp, Bondalti, Vestas, Engie, Cartier, A/S., McPhy, Efacec, ISQ, INESCTEC, CEA, DLR e Axelera, é este o consórcio que está a desenvolver o GreenH2Atlantic, um projeto de produção de hidrogénio verde a instalar na antiga central a carvão da EDP em Sines.
Talento Sustentabilidade não é apenas ambiente e energia, mas também o respeito pelos trabalhadores. Com a dificuldade cada vez maior em ter talento, a Bosch está a investir cerca de €2 mil milhões em programas de requalificação e atualização de competências para 400 mil colaboradores nas suas fábricas a nível mundial, incluindo em Portugal.
O acelerador das empresas
Pelo segundo ano consecutivo, Expresso e BPI ativaram, em Braga, o Acelerador de Sustentabilidade, um projeto para ajudar as pequenas e médias empresas (PME) a dar passos para descarbonizar e ter um negócio sustentável.
Textos originalmente publicados no Expresso de 26 de maio de 2023
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