Geração E

Os jovens não querem saber se o mundo está em "retrocesso democrático"? A política precisa de "falar dos problemas concretos das pessoas"

Os jovens não querem saber se o mundo está em "retrocesso democrático"? A política precisa de "falar dos problemas concretos das pessoas"
Barbara Alper

O Conselho da Europa está preocupado com o retrocesso democrático e com o alienamento das pessoas - e também dos jovens - em relação à Democracia. Mas estarão os jovens assim tão afastados? E como se combate o desencanto? É importante que a política não pareça um “jogo palaciano” que nada diz aos “problemas concretos e reais das pessoas”

“Nós [o Conselho da Europa] vemos a democracia como a única forma de garantir a todos a possibilidade de viver numa sociedade pacífica, próspera e livre. Cumpriremos as nossas obrigações sob o direito internacional. Preveniremos e resistiremos ao retrocesso democrático no nosso continente, inclusive em emergências, crises e conflitos armados…”

A fenómeno não é novidade. Na Academia, considera-se que a tendência decrescente dos níveis globais de democracia começou a fazer-se notar a meio da primeira década dos anos 2000. Mas a preocupação está suficientemente destacada na agenda para valer um destaque especial na declaração final da cimeira do Conselho da Europa (CoE), que terminou esta quarta-feira em Reiquiavique.

Assumindo o compromisso com as instituições e valores democráticos, assim como o reforço da própria instituição do Conselho da Europa, os estados-membros adotaram os “Princípios Democráticos de Reiquiavique”. Isto claro, porque reconhecem “a necessidade de ação rápida e baseada em princípios para enfrentar o retrocesso e outros desafios em evolução aos direitos humanos”.

A preocupação do CoE com este tema já tinha sido notada, no final de abril, pelo vice-secretário-geral da instituição. Em declarações aos jornalistas portugueses em Estrasburgo, Bjørn Berge definiu o retrocesso democrático como “uma tendência em toda a Europa e em todos os países europeus”, desde a sua Noruega até Portugal.

A sociedade civil está a “perder espaço de manobra”, vaticinou. Há novos desafios relacionados com a proteção da liberdade de imprensa e com a independência dos tribunais. “Até um certo grau vemos uma desilusão com as instituições democráticas.” Há o problema da corrupção, lista.

“Podia continuar, mas é uma longa lista e é bastante preocupante. E quem neste mundo vai lidar com isto se não for o Conselho da Europa? Estes desafios não pertencem a um pequeno grupo de países. Isto afeta todos os 46 Estados-membros. Claro que em diferentes níveis, mas afeta todos.”

E isso é visível na própria relação das pessoas com a Democracia. “Vemos um certo grau de desilusão com as instituições políticas estabelecidas, as instituições democráticas. Vemos isso na juventude que está a perder a fé na Democracia. Se perdermos os jovens, como será a Europa daqui a 30 ou 40 anos?”

Mas estarão os jovens europeus assim tão desencantados e desapegados da Democracia?

Para reforçar o seu ponto, Bjørn Berge dá o exemplo de um estudo da Universidade de Amesterdão que em 2021 concluiu que só um terço dos jovens entre os 12 e 14 anos sabia que vivia em democracia e apenas 49% considera que viver num país democrático é importante.

E acrescenta: “Não acho que os Países Baixos sejam únicos nisso, não sei se há as mesmas tendências em Portugal ou noutro país, mas acho que se verá isso em muitos países europeus”.

No entanto, Tom van der Meer (um dos responsáveis pelo estudo) discorda da conclusão do vice-secretário-geral. “Não acho que os jovens dêem pouca importância à democracia. Há um apoio considerável e não há evidências [científicas] de que esse apoio seja seriamente menor do que há décadas atrás.”

O cientista político holandês contextualiza os resultados da investigação mencionada. “O nosso estudo teve como objetivo investigar o apoio dos jovens à democracia, os seus princípios e valores, e acompanhar o desenvolvimento desse apoio durante a adolescência (dos 12 aos 16-18 anos).” Para isso, fazem entrevistas anuais aos jovens a partir dos 12 anos, estando já recolhidos quatro anos de dados.

Sobre os resultados que mostram uma aparente desvalorização da democracia, o investigador contextualiza. “Há duas razões importantes para isto, na minha opinião. Em primeiro lugar, muitos jovens com 12 a 14 anos não pensaram ainda nessa questão. Portanto, muitos precisam de a considerar no momento do inquérito e isso leva a muitos 'não sei'. Em segundo lugar, mesmo entre os adultos, a política e a democracia não ocupam o primeiro lugar na lista de prioridades. Família, amigos e trabalho são considerados mais importantes pelos adultos, o que é um reflexo direto da maneira como as pessoas relacionam as diferentes esferas das suas vidas diárias. E isso é particularmente relevante para jovens estudantes. Embora eu mesmo seja professor de Ciência Política, não acho que teria considerado viver em democracia particularmente relevante quando tinha 13 anos.”

E os dados refletem o “efeito da idade”. “De facto, à medida que os alunos envelhecem, o seu apoio explícito à democracia aumenta.” A idade de cada um, mais do que a pertença a uma geração, tem um “papel mais importante” nestas questões, acrescenta o cientista político.

“Por outras palavras, [as conclusões do estudo] não são uma indicação de que os jovens de há 10, 20 ou mesmo 50 anos atrás seriam ‘mais democráticos’ quando tinham 12 ou 14 anos. O facto de atribuírem mais importância à democracia aos 20, 30 ou 60 anos não representa necessariamente uma diferença geracional”, conclui.

E onde fica Portugal?

Quanto à internacionalidade desta questão, Tom van der Meer considera ser “difícil” saber se as conclusões são exclusivas dos Países Baixos. “Falta informação sistematizada sobre as relações com os Estados democráticos.”

Para Portugal, a Fundação Calouste Gulbenkian promoveu no ano passado o “Estudo sobre a Participação Política da Juventude em Portugal”. Da análise estatística feita por Pedro Magalhães no primeiro capítulo, conclui-se que efetivamente “nos últimos 20 anos, participaram politicamente menos do que a maioria dos seus congéneres europeus”.

Esta tendência “foi especialmente visível no que diz respeito ao voto”, tratando-se isto da “mais preocupante para a qualidade de uma democracia representativa”.

“Temos aqui um problema de uma necessidade de revitalização do interesse das pessoas no voto, talvez associado a uma necessidade também das pessoas sentirem que o seu voto faz a diferença”, corrobora Isabel Menezes, uma das autoras.

“A democracia representativa assenta muito nesta ideia de uma participação sistemática dos cidadãos e das cidadãs nas eleições. Se as pessoas não se mobilizam para votar nas eleições, isso questiona a própria legitimidade do processo democrático e empobrece a democracia seguramente.”

No entanto, salvaguarda o estudo, o voto é a exceção. De resto, “ao longo dos últimos 20 anos, e particularmente na última década, a participação política dos portugueses aumentou”.

E “pelo menos no que diz respeito à participação não-eleitoral, os jovens não participam menos do que o resto da população”, afirma a investigadora.

“O que o estudo mostra é que esta ideia de que os jovens estão muito desinvestidos, desengajados, desligados da política não é uma ideia correta. Os valores democráticos até estão em alta. As formas de participação é que têm vindo a diversificar-se.”

A investigação remete assim para uma visão mais abrangente de participação política, que considera tanto a “formas convencionais” de participação (voto, contacto com políticos e trabalho nos partidos), como “formas não-convencionais” (participação em petições, manifestações e boicotes a produtos). E se as “essas formas mais tradicionais estão em declínio, por outro lado há um incremento de outras formas de participação menos tradicionais, mais inovadoras”.

O que, salienta Isabel Menezes, é “um fenómeno recorrente, geracional”. “As formas como se participava na década de 60 não eram as mesmas da participação na década de 30. Cada geração encontra formas que lhes são mais típicas, em especial quando sentem que não têm muitos espaços para participar nas formas mais institucionais, em que é difícil uma penetração de alguns grupos. As pessoas vão encontrando outras formas e sempre o fizeram.”

Os jovens e o retrocesso democrático

Quando se fala de jovens e política, há uma propensão para projetar a conversa para um tempo que não é o nosso. “Claro que há uma perspetiva de futuro aqui, mas há uma perspetiva de presente também. Os jovens já são cidadãos agora. Para que esse desencanto não se verifique, isto implica um compromisso a todos os níveis, incluindo da parte dos políticos tradicionais”, considera Isabel Menezes.

Por isso, “a responsabilidade pela educação democrática e política das novas gerações tem que ser uma responsabilidade de todos os adultos. Essa consciência tem que ser muito clara. E tem que ter implicações na forma como os professores educam nas escolas, como os pais ensinam em casa, como os jornalistas reportam e como os políticos fazem política. Não pode ser visto como um problema dos outros.”

E dá o exemplo dos próprios partidos, que “nem sempre estão muito disponíveis para esta interação com estas causas” e movimentos sociais que mais mobilizam os jovens. Isabel Menezes refere como exemplo o ativismo climático, “que é um movimento muito ao lado dos partidos políticos”. “Poucas vezes se viu claramente os partidos a reconhecerem e a mobilizarem-se no apoio a estes jovens e a dizer ‘não, eles não estão sozinhos, não estamos aqui com eles’”.

Para a especialista, seria importante “encontrar espaços de diálogo, de envolvimento e de conversa”. “Não é colonizar os movimentos sociais e colectivos, mas é reconhecer que há aqui muito de inovador que poderia e deveria estar em diálogo com aquilo que é a experiência dos partidos políticos.”

É preciso “falar para aquilo que são os problemas concretos e reais das pessoas e dos jovens também.” Porque “se a determinada altura, a sensação que dá é que o jogo da política é um jogo que se joga a outro nível, muito um jogo palaciano de conflitos e discussões que pouco se articulam depois com a minha vida em concreto, não é só dos jovens que nós corremos o risco de estar a alienar.”

O que dado o contexto é perigoso. “O apoio das pessoas pela Democracia é uma garantia importante contra o retrocesso democrático, assim como é o apoio dos jovens”, sublinha Tom van der Meer.

Isabel Menezes corrobora. “É preciso haver um reconhecimento de que se a democracia está em risco e que há coisas que todos nós podemos e temos que fazer aos vários níveis para contrariar esse risco.”

A investigadora lembra o famoso poema de Martin Niemöller (que começa “quando vieram buscar os comunistas, eu fiquei em silêncio, porque eu não era comunista” e termina “quando eles me vieram buscar, já não havia ninguém que pudesse protestar”) para assinalar o poder destas “ausências de consciência e da ação”.

“As pessoas gostam muito desta ideia de que se atravessam pela defesa da Democracia quando a Democracia está em risco. E nós gostamos muito de pensar na Segunda Guerra Mundial ou na ditadura como períodos críticos. Estamos num período crítico e é o momento de começar a atravessar-nos pela Democracia”, alerta.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: calmeida@expresso.impresa.pt

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