Juventudes partidárias ainda fazem sentido? Para uns são "academias de carreirismo", para outros são "essenciais"
Se antes as juventudes partidárias eram parte integrante de todos os partidos, agora há quem defenda que estas estruturas criam “divisão” e uma “mesa dos pequenos”. Do outro lado, defende-se que se mantêm “essenciais” para levar temas da juventude aos partidos e às estruturas representativas como a Assembleia da República. Em que é que ficamos? Os jovens, dentro e fora de partidos, respondem
São vários os exemplos de dirigentes políticos que deram os primeiros passos nas juventudes partidárias - de Pedro Passos Coelho, antigo primeiro-ministro do PSD, a Pedro Nuno Santos, anterior ministro das Infraestruturas e da Habitação do PS, ou Francisco Rodrigues dos Santos, ex-líder do CDS. Por isso mesmo, as juventudes partidárias são, muitas vezes, vistas como portas de entrada para a vida política e até para cargos de liderança dentro dos partidos. Contudo, a participação política dos jovens tem-se afastado destas estruturas, transferindo-se para “movimentos sociais” e atividades como “assinar petições” ou “abaixo-assinados”, confirma o último estudo do Conselho Nacional da Juventude (CNJ), “Projeto ‘Politicamente Desperto’: Mais Informação, Melhor Participação”.
Isto não significa que os jovens tenham menor interesse ou participação política. Pelo contrário: “apenas 4,4% dos/as participantes inquiridos não participam em nenhuma das formas de participação política [das sete incluídas no estudo]”, lê-se no relatório.
Quererá isto dizer que as juventudes partidárias e os partidos, tal como existem hoje, já não conseguem atrair os mais jovens? Ou será que estas estruturas ainda são relevantes para fazer cumprir a “agenda” da juventude? Os jovens dentro e fora de partidos políticos apresentam argumentos contra e a favor, explicam a importância da “comunicação” e o papel dos movimentos sociais e das organizações apartidárias.
Importância para cumprir “agenda juvenil”
O PS e o PSD, os dois maiores partidos com assento parlamentar, reúnem o maior número de jovens militantes nas suas juventudes partidárias. Ana Sofia Loureiro, de 26 anos, presidente da JSD de Marco de Canaveses e vice-presidente da JSD nacional, considera que não há “desconfiança” por parte dos mais jovens em relação a estas estruturas, mas estas acabam por “beber das consequências dos partidos”. “Há um estereótipo relacionado com as juventudes partidárias. Parece que estamos cá só para arranjar emprego, mas dentro da JSD senti cada vez menos isso. Há cada vez mais jovens empreendedores que não estão à espera que o compadrio os leve onde quer que seja”, disse ao Expresso. Para a jovem que faz parte da juventude social-democrata desde os 18 anos, estas estruturas são "essenciais" para manter a luta pelas “melhores soluções para a juventude”.
Quanto à escolha dos novos partidos em abdicar destas estruturas, a vice-presidente da JSD nacional desvaloriza. “Dentro da IL ou do Chega há grupos de jovens que trabalham para os partidos e esses grupos, apesar de informais, não deixam de ser juventudes partidárias”. E acrescentou: “A IL tem um grupo de jovens é óbvio e precisa de o ter. Precisamos de um meio para reivindicar [medidas para os jovens] dentro do partido. Eles próprios reconhecem a importância que os jovens têm nos partidos”.
Apesar de estar do outro lado do espectro, também Inês Rodrigues, da distrital de Braga da Juventude Socialista, concorda com a importância da manutenção destas estruturas políticas. “Não se pode cair no erro de considerar obsoleto um modelo de participação que tem apresentado dezenas de propostas reais para a vida dos jovens”, defendeu. A bracarense considera que as juventudes partidárias, que acolhem “dezenas de milhares de militantes”, defendem uma “agenda comum” para a juventude que “só valoriza” os mais novos.
Inês Rodrigues, da JS de Braga
Estruturas “obsoletas” e de “carreirismo” político
Alguns dos partidos que ganharam lugar na Assembleia da República em 2019, como a IL ou o Livre, optaram por abdicar das juventudes partidárias. “Não haver juventude partidária já era algo que estava relativamente consolidado [dentro da IL]. A questão colocou-se com o crescimento do partido, porque não ter uma estrutura autónoma poderia dificultar o seu funcionamento”, explica Pedro Pereira, de 26 anos, membro do Conselho Executivo da IL. Depois de algumas discussões dentro do partido, a decisão inicial manteve-se. “As juventudes partidárias são pouco mais do que academias de carreirismo político. É uma incubadora de pequenos vícios partidários e da sua perpetuação. Essa divisão cria uma ‘mesa dos pequenos’, mesmo que seja com boas intenções. E cria um partido com inércia e rigidez. Se todo o partido tiver de responder aos jovens, este é obrigado a adaptar-se”, criticou o liberal.
Embora acredite que possam ser “boas escolas” e formar “pensamento crítico”, também André Tenente, membro do Livre, considera que estas estruturas “já não fazem sentido”. “Hoje não há temas de jovens. Não é contemporâneo pôr os jovens a discutir à parte porque o que os preocupa, preocupa a sociedade inteira. São temas como habitação ou saúde. Faz sentido um diálogo intergeracional”. Além de militante do partido liderado por Rui Tavares, André Tenente integra o projeto apartidário Próxima Geração, que tem como objetivo “revitalizar a democracia portuguesa”, lê-se no site. “Sou o único em 30 [membros] que está num partido. Apesar de politicamente ativos, quase ninguém está interessado em militar. Isso é bastante revelador e preocupante”. Sobre este afastamento dos jovens das estruturas partidárias, André Tenente acrescentou: “Tenho pena que a maioria dos jovens não queira entrar em partidos. Não tem menos impacto estar na sociedade civil, mas a política baseia-se em partidos. Se não existirem jovens [militantes], os partidos vão ficar esvaziados de pessoas com vontade de transformar e a política ficará esvaziada de ideias”.
André Tenente, do Livre
Verónica Silva
Miriam Sabjaly, de 24 anos, é uma destas jovens que se considera “politizada”, mas que se sente “desencantada” com os partidos. “Sempre achei que havia uma dissonância entre as preocupações de pessoas como eu, racializadas e que se inserem num grupo precário, e aquilo que os partidos têm na sua agenda”. Quanto às juventudes partidárias, Miriam Sabjaly é “cética” e classifica a proximidade etária, só por si, um “marco vazio”. “A idade significa muito pouco. Não basta existirem deputados de 30 anos, se depois estes têm uma experiência totalmente diferente dos jovens comuns. Queremos ver no parlamento quem tenha experiências de vida que correspondam ao que é ser um jovem em Portugal”.
A questão da representatividade, explicou a jovem muçulmana, é especialmente importante para os jovens racializados. “Quando havia três mulheres negras no parlamento [Joacine Katar Moreira, do Livre, Beatriz Gomes Dias, do BE, e Romualda Fernandes, do PS], havia um entendimento de que os interesses [das pessoas racializadas] estavam a ser representados por quem os compreendia. A partir do momento em que partidos deixaram de insistir nestas pessoas, voltamos à estaca zero”. E deixou a crítica: “Agora há mais extrema-direita e menos representatividade. Isso é preocupante e culpa dos partidos”.
Miriam Sabjaly, jurista e estudante de Direitos Humanos
Movimentos sociais onde a “voz” dos jovens é “ouvida”
Afastados dos partidos, os jovens com interesse em política multiplicam os projetos independentes e engordam os movimentos sociais apartidários. “Os 230” é um dos projectos de responsabilidade cívica que surgiu das mãos de jovens durante a pandemia. “Podemos fazer muita coisa para lá das máquinas partidárias, temos mais autonomia. [Com “Os 230”] quisemos dar um contributo para uma sociedade mais participada e exigente”, explicou Beatriz Ferreira Santos, de 21 anos, coordenadora do projeto Democracia nas Escolas, uma chancela do “Os 230”. Com o objetivo de melhorar a “literacia política”, Beatriz Ferreira Santos dedica parte do seu tempo a ir a escolas explicar “conceitos políticos” e a desmistificar o funcionamento dos partidos ou as competências dos deputados. “Somos apartidários, o que nos abre algumas portas, porque ainda há uma visão desconfiada da política. E depois temos o cuidado de manter o rigor técnico e científico, por isso damos formação a todos os voluntários”. No total, o projeto Democracia nas Escolas já foi a “seis cidades”, visitou “dez escolas” e teve contacto com “mais de 500 alunos”. “Somos 12 voluntários, a maioria estudantes, que vimos na literacia e na capacitação uma forma de participar ativamente na sociedade”.
Quanto às juventudes partidárias, Beatriz Ferreira Santos não tem dúvidas de que se trata de um modelo “ultrapassado”. “Fechar os mais novos numa sala e, só depois, ir falar com os adultos não faz sentido. Temos de abordar a política de forma intergeracional. Devemos sentar-nos e pensar em conjunto, todos com o mesmo grau de igualdade”.
Beatriz Ferreira Santos, do projeto "Os 230"
Apesar de não fechar totalmente a porta à possibilidade de vir a integrar um partido, a jovem estudante prefere exercer política “no sentido amplo de serviço à comunidade”. Também Miriam Sabjaly, que chegou a ser assessora de Joacine Katar Moreira, se sente mais "produtiva" em “movimentos sociais paralelos”, como o antirracista, por sentir que a sua voz é “realmente ouvida”. Para ambas as jovens, a preferência por este tipo de participação política por parte da geração a que pertencem não é um problema. “Estes movimentos ‘de rua’ são menos restritos, dão mais palco às comunidades para fazerem as suas crenças serem ouvidas. O facto de os jovens preferirem estes meios de fazer política não é mau e faz avançar muita coisa”, defendeu a jurista. E Beatriz Ferreira Santos acrescentou: “Hoje os partidos dominam o sistema político e acabam por tomar decisões sem consultar a sociedade civil. Uma sociedade civil mais forte, com mais associações e mais movimentos, vai obrigar a que exista um diálogo recíproco e virtuoso”.
Comunicação: o novo “desafio” dos partidos
“Os jovens acedem à informação pelas redes sociais. Hoje, este é o mecanismo que mais comunica com os jovens. Enquanto que na televisão existe uma relação unidirecional, nas redes sociais há bidirecionalidade: os jovens podem dar opinião e participar na conversa”, apresentou Rui Oliveira, presidente da CNJ, como outra das conclusões do estudo “Projeto ‘Politicamente Desperto’: Mais Informação, Melhor Participação”. Assim, para chegar aos mais novos, os partidos cada vez mais se vêem obrigados a aderir às redes sociais e a manuseá-las de forma atrativa. “O maior desafio atual dos partidos e das suas juventudes é a comunicação. Comunicar bem não é igual ao que era há 10 ou cinco anos. A JSD tem tentado acompanhar o desafio das redes sociais que é onde estão os jovens. Temos apostado na digitalização, já temos uma app para nos aproximar da sociedade civil e da própria JSD”, contou Ana Sofia Loureiro. E atirou: “Não ficar obsoleto depende das próprias juventudes”.
Um dos partidos que mais tem apostado na comunicação é a Iniciativa Liberal, seja com os cartazes chamativos seja com a presença nas redes sociais. “A IL ficou conhecida pela irreverência na comunicação e por não ser tão institucional”, comentou Pedro Pereira. Para o jovem liberal, uma comunicação “eficaz” é essencial para chegar aos mais novos e uma das razões para o sucesso do partido entre esta faixa etária. “Os partidos têm de adaptar a comunicação aos jovens e os partidos mais recentes têm mais facilidade nisso. Se os partidos se mantiverem só focados na base da sociedade, os jovens não vão sentir essa tentativa de aproximação”.
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