Geração E

Costa não é cabaz de mais

Agora que foram oficialmente divulgados os produtos isentos, Marcelo voltará a incompatibilizar-se com António Costa: a lista é composta por vários alimentos que asseguram uma alimentação nutritiva, mas exclui o Fortimel

Foi a primeira vez na vida que vi um comentador político a ler uma lista de compras. Marques Mendes, no último domingo, antecipou alguns dos produtos que vão constar no cabaz de bens essenciais com IVA zero. Batata, massa, arroz, cenoura, cebola, tomate, leite, frango, pão, maçãs, bananas, laranjas, feijão, queijo, brócolos, curgetes, pescada, carne de porco, ovos, azeite, iogurtes. Infelizmente, Marques Mendes não especificou se, dentro dos iogurtes, estão ou não abrangidos os danoninhos - não tem mal, o comentador sabe umas coisas, mas falta-lhe um bocadinho "assim".

Contudo, pela cadência confiante com que elencou itens de supermercado, conclui-se que Marques Mendes já está a trabalhar na sua candidatura presidencial. Tenciona que o imaginemos como um Presidente que vai à mercearia, como Marcelo. Já Marcelo, agora que foram oficialmente divulgados os produtos isentos, voltará a incompatibilizar-se com António Costa: a lista é composta por vários alimentos que asseguram uma alimentação nutritiva, mas exclui o Fortimel.

O elenco de produtos levanta um manancial de dúvidas. Se o IVA sobre o azeite é 0%, será que estão também isentos de tributação os prémios aos concorrentes dos reality shows da TVI? Outra: por que razão incluíram os brócolos? Não temem tumulto social? Perante este anúncio, é bem possível que haja crianças de oito anos a inscrevem-se no mestrado em Fiscalidade do ISEG para contestarem esta isenção sem que a sobremesa lhes seja sonegada. Se estivéssemos em França, as crianças amotinar-se-iam por causa da inclusão dos brócolos e da exclusão das gomas ursinho, incendiando de imediato os seus carros de brincar. Quanto às leguminosas, era óbvio que a lista incluiria o feijão frade: se está ligado à Igreja, não paga impostos.

Portanto: brócolos, pescada, feijão frade e iogurtes. Admitamos, António Costa acha que estamos rechonchudos. Antes, o Governo queria cortar nas gorduras do Estado; agora, o Governo quer cortar nas gorduras do povo. Contudo, a inflação é sobre os preços, não foram os portugueses que inflaram. Entendo a preocupação nutricional, porém seria mais prático conceder a isenção de IVA somente às lojas Celeiro. Quando esta medida entrar em vigor, não sairemos do supermercado com um talão, mas com um Tallon.

A Ordem dos Nutricionistas já veio dizer que o cabaz de alimentos é “saudável”, o que desde logo me desmotivou. Em princípio, quando um nutricionista elogia um conjunto de alimentos, é porque não são de todo saborosos. Ainda assim, se o objetivo é emagrecer os portugueses, considero bizarra a inclusão da carne de porco. Já tinha dado conta que há dietas muito estranhas por aí, mas ainda não conhecia a que envolve beber smoothies de torresmos.

Na globalidade, as medidas de combate à escassez são escassas. A isenção de IVA beneficia quem precisa e quem não precisa: tanto as pessoas que desesperam por não ter produtos hortícolas, como Horta Osório. Com o défice a ficar 3500 milhões de euros aquém do previsto, António Costa devia ser capaz de mais do que um cabaz. Se olha primeiro para a margem dos supermercados do que para a sua margem orçamental, é porque se preocupa mais com o sector de distribuição do que com a redistribuição. O que é coerente com os últimos sete anos, já que Costa tem administrado a coisa pública sem a reformar, como quem gere uma mercearia parada no tempo. É que estas medidas de apoio às famílias são como alguns produtos que encontramos no supermercado: parecem interessantes no anúncio, mas a quantidade é insuficiente, a qualidade é duvidosa e o maior problema é que vêm praticamente fora do prazo.

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