Lisboa só quer estudantes com Moedas
A única hipótese que um estudante português de classe média tem de dormir na residência que Carlos Moedas estreou é a de tentar seduzir uma jovem finlandesa que cá esteja de Erasmus
Humorista
A única hipótese que um estudante português de classe média tem de dormir na residência que Carlos Moedas estreou é a de tentar seduzir uma jovem finlandesa que cá esteja de Erasmus
Na última sexta-feira, o país assistiu a duas grandes manifestações de entusiasmo. O dos benfiquistas, após assistirem ao sorteio da Champions; e o de Carlos Moedas, ao inaugurar uma residência universitária em Lisboa na qual um estudante pode viver se pagar 1000 euros por mês. Em ambos os casos, houve excitação com os quartos.
“Trabalhamos diariamente para aumentar a oferta de habitação”, escreveu com regozijo Moedas no Twitter, assinalando a abertura de uma residência estudantil no Campo Pequeno. Falamos de um empreendimento privado que oferece quartos de 12m2 com uma mensalidade mais cara do que a propina anual das faculdades públicas. Mas, calma, os inquilinos ficam alojados em instalações luxuosas? Não, as cozinhas são partilhadas com sete pessoas. Cenário tranquilo para alunos cuja pirâmide alimentar seja dominada pelos noodles de pacote, porém angustiante para o estudante português, devidamente educado para a ciência do refogado. Um ultraje: a única forma de este empreendimento ser mais ofensivo para os universitários portugueses era se tivesse sido projectado pelo Tomás Taveira.
O Presidente da Câmara aparenta ter-se esquecido que, em Lisboa, quem tem um problema de habitação são os alunos, não os investidores em bolsa. Pessoas que fazem exames, não as pessoas que assinam a revista Exame. Carlos Moedas testa uma nova abordagem ao tema das casas: a política de habitação inacessível. É que, pelos preços praticados, talvez seja impossível que um universitário cujos pais recebam salários portugueses consiga residir na pomposamente inaugurada residência. Moedas diz que Lisboa está a trabalhar para o aumento da oferta de alojamento de caloiros. É verdade: sobretudo, de alojamento de caloiros de olhos azuis.
A única hipótese que um estudante português de classe média tem de dormir na residência que Carlos Moedas estreou é a de tentar seduzir uma jovem finlandesa que cá esteja de Erasmus. O entrave é que os recursos de engate são limitados: "na tua casa ou na minha? Estou a brincar, tem de ser na tua, já que eu habito uma casa de banho portátil situada num estaleiro de obra." Sim, porque a falta de acesso à habitação estudantil também prejudica o salutar desenvolvimento sexual dos jovens universitários. Um estudante português, por um lado, paga a propina; por outro lado, não pina como um pro.
É cada vez mais difícil para um estudante viver em Lisboa. Em breve, Lisboa terá tão poucas casas habitadas por universitários que haverá vizinhos a ligar para a polícia às três da manhã de uma sexta-feira a queixarem-se da falta de barulho. De outro ponto de vista, os alunos da classe média têm sempre a possibilidade de ficar na sala de um amigo. O problema é que a maioria das casas de estudantes que frequentei raramente têm um sofá. Mas enfim, é uma questão de adaptar os ciclos de sono: de manhã, na faculdade, dorme-se durante duas cadeiras; à noite, na sala do colega, dorme-se entre duas cadeiras.
Ou então, sei lá, há sempre a opção de pernoitar no metro. Os alunos americanos dormem no campus; os portugueses, na Cidade Universitária. Acaba por ser igual. Talvez a única solução para os universitários deslocados em Lisboa passe mesmo por construírem uma estrutura precária de habitação feita de tupperwares empilhados. Só vai ser chato quando as mães os pedirem de volta.
Moedas defende-se das críticas, afirmando que a Câmara tem estado a ampliar a oferta deste tipo de alojamento através de investimento público. Mas Catarina Ruivo, presidente da Federação Académica de Lisboa, reclama que o acréscimo da oferta em 900 camas só será uma realidade daqui a três anos. É possível que seja um protesto injustificado - três anos passam num instante, sobretudo naquelas idades. Os caloiros de 2023 vão ter um sítio para dormir em 2026, não é óptimo? É perfeito, basta deixarem cadeiras por fazer em cada um dos semestres da licenciatura e daqui a quatro matrículas já terão onde dormir. Eis o novo lema da política de habitação estudantil de Carlos Moedas: "terás um estrado quando chegares ao mestrado".
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