Geração E

Há cada vez mais gente a fazer autodiagnósticos de saúde mental com base em "informação descontextualizada" da internet: entenda os riscos

Há cada vez mais gente a fazer autodiagnósticos de saúde mental com base em "informação descontextualizada" da internet: entenda os riscos
ArtistGNDphotography / Getty Images

Gosto após gosto, partilha após partilha, criam uma lista de sintomas que associam a certas perturbações mentais. Os jovens procuram respostas “que lhes tragam algum sentido de controlo e de segurança sobre si próprios e sobre as suas vidas”, mas por vezes acedem a informação “desprovida de contexto” nas redes sociais. Aqui explicamos os cuidados a ter

Aquilo que o algoritmo das nossas redes sociais nos mostra diz muito sobre nós. Pelo menos é assim que os jovens olham para os feeds do Instagram e para as for you pages do TikTok. Enquanto fazem scroll pelas redes sociais, cruzam-se com #depressão, #ADHA, #ansiedade. Mas o que é que isso realmente diz sobre eles?

O Expresso falou com a psicóloga Ruth Ministro e a psiquiatra Mariana Duarte Mangas para perceber o fenómeno que leva, por vezes, os millenials e a Geração Z a autodiagnosticarem-se com perturbações mentais.

1.

Há muita informação

“A oferta de informação nas redes sociais é imensa. Existem muitas páginas de Facebook e Instagram ou contas de TikTok relacionadas com Saúde Mental, mas nem todas contêm informações confiáveis e baseadas na evidência científica”, explica Mariana Duarte Mangas, psiquiatra do Hospital de Braga.

Ruth Ministro, psicóloga clínica na REACH, acrescenta que o conteúdo que chega através das redes sociais às pessoas “não tem um filtro”. Apesar de existir “informação disponível sobre tudo”, esta acaba por estar “muitas vezes descontextualizada”. A abundância de informação pode ter consequências: “a pessoa que absorve a informação não consegue distinguir o que é falso, distorcido, cientificamente incorreto”.

2.

Ter um sintoma não é sinónimo de doença

Sem um filtro, acabamos por aceder a informação “desprovida de contexto” e, por isso, segundo Ruth Ministro, “muito facilmente se constroem diagnósticos com base em determinados traços e características isoladas, bem como estados emocionais transitórios, banalizando-se o sofrimento de quem verdadeiramente lida com a doença mental.” É necessário perceber que ter um sintoma de uma doença não é sinónimo de ter a mesma. É imperativo que quem consome este tipo de informação “compreenda as limitações a que estes conteúdos estão sujeitos, e, portanto, não os assuma como verdades absolutas.”

“É muito fácil ouvir dizer coisas como ‘esta semana não tive vontade nenhuma de estudar, devo estar com uma depressão’ ou ‘eu mudo de humor muito depressa, devo ser bipolar’, ditas sem a perceção de que do outro lado pode estar uma pessoa genuinamente deprimida ou bipolar e sem a compreensão da complexidade do diagnóstico e das vivências inerentes a estas problemáticas.”

“Ver os nossos sintomas listados como sinais de doença, não significa que tenhamos a doença, de facto, há uma grande diferença entre identificar sintomas e ter uma perturbação mental”, explica Mariana Duarte Mangas, psiquiatra do Hospital de Braga.

Quando se autodiagnostica uma doença, acabamos por a “banalizar ou magnificar”. Este comportamento “pode ser perigoso”: “o que uma pessoa acha que é depressão pode ser um problema de saúde física, como hipotiroidismo ou diabetes, e neste caso, condições médicas tratáveis não são resolvidas. Ou, o que alguém pensa que é apenas stress, pode ser de facto, uma Perturbação de Ansiedade e não procurar ajuda.”

3.

As pessoas sentem necessidade de se compreenderem

Procuram “respostas”. É também isso, de acordo com Ruth Ministro, que leva ao consumo de tanta informação sobre saúde mental. “As pessoas, e principalmente os mais jovens, têm sentido cada vez mais necessidade de se compreender.” Ao ouvirem e lerem relatos de outras pessoas, acabam por encontrar explicações “que lhes tragam algum sentido de controlo e de segurança sobre si próprias e sobre as suas vidas”.

Apesar dos riscos de consumir este tipo de informação sem nenhum guia, Mariana Duarte Mangas considera que “o acesso à informação sobre os possíveis sinais de uma doença é certamente importante e empoderador.

4.

"É importante normalizar, mas com cuidado”

A quantidade de informação que chega até nós pode ter um risco: “desprover as doenças mentais do seu verdadeiro significado, da sua dimensão, das suas especificidades e das suas complexidades, transformando-as em algo que até ‘está na moda’”, alerta a psicóloga.

“A romantização das doenças mentais nas redes sociais é uma questão premente que as glorifica. É passada a mensagem que as doenças mentais são ‘fixes’ e que ‘nos tornam interessantes’ e muitas vezes não aborda o impacto ou o sofrimento associado a estas doenças”, refere a psiquiatra. “Claro que é importante normalizar a discussão sobre saúde mental, mas com cuidado. Esta romantização em vez de quebrar o estigma, alimenta o mal-entendido e as ideias preconcebidas que as pessoas têm sobre a doença mental; desincentiva a procura de ajuda ou o tratamento.”

5.

Acesso a ajuda é limitado

As pessoas precisam de uma “certa normalização dos seus sentimentos e comportamentos”, e como “o acesso a ajuda especializada é ainda muito limitado”, a psicóloga Ruth Ministro acredita que a solução surge “através das redes sociais e das pesquisas online”. Esta falta de acesso acontece “não por falta de psicólogos, mas por falta de colocação dos mesmos onde são mais precisos”.

“Fala-se muito e cada vez mais de saúde mental - e nesse aspeto as redes sociais também foram e são uma ajuda - mas ainda não se faz o suficiente por disponibilizar o acesso aos profissionais a todos.”

O importante é, no caso de suspeitar que poder ter um problema mental, “procurar confirmação profissional”. Mariana Duarte Mangas realça que “um diagnóstico psiquiátrico é um processo complexo que deve ser realizado por um técnico de saúde.”

Conhece casos assim? Acredita que estes problemas são sub ou sobrevalorizados? Escreva-me para cbarros@expresso.impresa.pt

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: cbarros@expresso.impresa.pt

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