Expresso 2000

O medo de contar verdades incómodas, por António Silva Carvalho

6 março 2011 10:00

António Silva Carvalho

6 março 2011 10:00

António Silva Carvalho

Na edição em que o Expresso desafiava os leitores a dizerem-lhe como é visto por eles, o seu mais destacado colunista escrevia: "Entre a classe política, se bem que todos apelem a que se diga a verdade toda, não há um só - partido ou candidato presidencial - que se atreva a dizê-la. (...) É que a verdade mata: quem contar aos portugueses a verdade inteira do buraco em que estamos metidos, nem para uma Junta de Freguesia consegue ser eleito. E se a classe política tem medo de dizer a verdade, os cidadãos nem querem ouvir falar disso..."  (Miguel Sousa Tavares, 15.1.2011).

Admitamos duas coisas: 1ª, o Expresso quer mesmo saber como os seus leitores o veem; 2ª, as afirmações transcritas retratam fielmente o modo como os portugueses encaram ouvir as verdades sobre os males que os afetam - que fogem de as conhecer.

Se isto é assim (será??), então sejamos sérios: não são só os políticos que não se atrevem a dizer as verdades incómodas em público - por temerem não ser eleitos na próxima vez. Os jornalistas e os analistas com acesso regular ao espaço público também não ousam dizer "toda a verdade" sobre o estado real do país, por recearem afugentar os leitores/consumidores e anunciantes das empresas que lhes pagam. Daí a existência de um clima geral de tibieza e faz-de-conta, que é fácil de detetar nos nossos media.

Horror ao 'politicamente incorreto'

É este, de resto, a meu ver, o traço mais comum aos media nacionais, inclusive o Expresso: o horror ao "politicamente incorreto". Ao mesmo tempo, o consumo de entretenimento e "lixo" é crescente. Deste modo,graças ao esforço conjunto de políticos e órgãos de comunicação - que, pelos vistos, tentam apenas não desagradar ao cidadão comum -, o ciclo vicioso da falsidade e da mediocridade está instalado... e ninguém, a não ser os abominados "vencidos da vida", fará seja o que for para o quebrar.

É certo que, uma vez por outra, este ou aquele órgão de comunicação social aparece com peças que fogem ao tom geral desta nossa "vida habitual" democrática. Foi o caso do DN, que em meados de janeiro surpreendeu os seus leitores com um vasto conjunto de informações e opiniões, sobre a nossa vida pública, a que eles não estavam acostumados ("O estado do Estado"). Quando tal acontece, as pessoas aparentemente ficam satisfeitas; mas, ao mesmo tempo, com uma sensação de indigestão e de espanto. Pensam: se o jornal sabe e pode fazer trabalho de tanta qualidade, porque é que, normalmente, nos dá coisa tão inferior? (Não aparece é alguém que esclareça a pertinente dúvida...)

Fuga ao interesse público

Desgraçadamente, nem sequer o próprio colunista atrás citado, apesar da sua lendária coragem, escapa à influência nefasta do nosso meio. Nem ele, nem nenhum dos restantes "opinion makers" mais reputados e disputados do País, está isento dos seus tabus, medos, telhados de vidro - por menos que isso se note. Basta reparar que há assuntos de enorme interesse público nos quais, semana após semana, ano após ano, eles fogem de tocar, por mais criminoso, anormal, injustificável e "atual" que seja o estado das coisas nas matérias em causa - para o País e para milhões de portugueses.

Não será já tempo de os nossos órgãos de comunicação assumirem, também eles, as altas responsabilidades que lhes cabem no atoleiro em que estamos metidos? 

António Silva Carvalho

Lisboa 

  1. A opinião dos leitores
  2. Um apoio na vida pessoal e profissional, por Almor Serra
  3. O Expresso só à 2ª (ou mesmo à 3ª de manhã), por Santiago Macias
  4. Velhos problemas muito atuais, por Raul da Silva Pereira
  5. Papel por todos os cantos da casa, por Margarida Cunha
  6. Saudades de outros tempos, por João Bernardo Lopes
  7. Uma pedrada no charco, por João Pinto
  8. Leitura com música, por José Rodrigues Franco
  9. Três ou quatro semanas de costas voltadas, por José N. Celorico
  10. Em busca do humor, por Maria José Azevedo
  11. 'Conselhos' do Expresso para negócios de família, por José Manuel Bastos