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Encontros de Cascais

IV Encontros de Cascais: as redes sociais podem ser uma catástrofe para as democracias?

O quarto painel de debate centrou-se no papel das redes sociais e no seu impacto nas liberdades de informação e de expressão. Teve a moderação de Francisco Pedro Balsemão, CEO do Grupo Impresa
O quarto painel de debate centrou-se no papel das redes sociais e no seu impacto nas liberdades de informação e de expressão. Teve a moderação de Francisco Pedro Balsemão, CEO do Grupo Impresa
NUNO FOX
Os Encontros de Cascais são uma iniciativa do Expresso com o apoio da AON, Deloitte e Câmara de Cascais, e decorreram na Cidadela de Cascais entre sexta-feira e sábado. Os Encontros são um evento anual, exclusivo e com um número restrito de participantes. Para que a liberdade de debate seja a maior possível, o evento é fechado ao público e à comunicação social e são adotadas as Chatham House Rules, ou seja, tudo o que for dito em cada sessão pode ser citado e utilizado, mas sem identificar o autor

A LIBERDADE DE INFORMAÇÃO TEM LIMITES NA ERA DAS REDES SOCIAIS?

Quando um dos homens mais ricos do mundo compra o Twitter para garantir que será sempre um lugar totalmente livre está a contribuir para a liberdade de informação ou a permitir um sistema anárquico onde a mentira se confunde com a verdade? A primeira guerra em direto nas redes sociais veio ajudar a mostrar duas realidades distintas ou apenas duas formas diferentes de controlar a informação? Como se consegue impor regras? E que regras? E quem tem o poder para as impor?

Este o mote para o quarto e último painel de discussão dos Encontros de Cascais.

Daniel Oliveira e Paulo Rangel participaram no debate com o título "A LIBERDADE DE INFORMAÇÃO TEM LIMITES NA ERA DAS REDES SOCIAIS?"
NUNO FOX

Na discussão, começou por se sublinhar que as redes sociais, com o impacto global que têm, vieram fazer de cada cidadão um potencial editor de notícias. Com isso, viraram do avesso o conceito de público e privado, face ao que existia (no fundo, todos queremos de alguma forma aparecer). Quando alguém passa a pôr a sua vida no Facebook ou TikTok, a partir deste momento todos os cidadãos são figuras públicas ou semi-públicas. E portanto os conceitos alteraram-se. Ao longo da História, esta definição (diferença entre o público e o privado) foi mudando. Estamos, portanto, a abdicar da nossa privacidade, de alguma forma. Isto alterou muito esta discussão.

Ora, isto tem consequências.

Por outro lado, há um eixo político nesta discussão. O que temos hoje é de alguma forma um regresso a formas de democracia direta. Hoje, posso ser convocado a qualquer hora e decidir e votar. Nas redes sociais, vive-se a crise da sociedade das mediações. Como dos mass media. Os mediadores deixam de o ser (os políticos eleitos, como os media).

Esta é uma das razões para a grave crise que a democracia atravessa. Dizem os clássicos que a democracia direta é o caminho mais rápido para a tirania. É por isso que os populismos estão também tão em voga.

Outra intervenção apontou a necessidade da Imprensa cumprir três requisitos: ser mediadora, ter mínimos de independência e ser responsabilizável. Isto por oposição às redes sociais, que seguem o caminho exatamente inverso: destroem os processos de mediação; falta de independência com o processo de concentração a uma escala global (Google e Facebook têm metade da receita publicitária do planeta); e finalmente, existe dificuldade da regulação à escala nacional com regulados à escala global.

Os algoritmos são critérios editoriais não explícitos, ouviu-se. Eles favorecem a polarização porque ela é comercialmente interessante. Até damos ao Facebook e Twitter a função de tribunal, mas sem se assumirem como editores. Isto, acrescentou o mesmo orador, não tem nada que ver com a liberdade de expressão. É um modelo de negócio. Até porque estes gigantes acabam muitas vezes por ser dóceis com as ditaduras e ferozes com as democracias.

E o clima de polarização criado e incentivado pelas redes sociais tende a ser mimetizado por muitos consórcios de media tradicionais. O que assistimos por exemplo nos EUA nos media é o mesmo tipo de polarização que existe nas redes sociais. O mercado da credibilidade passou para o mercado da atenção.

Os diretos que passaram a ser regra tiraram também aos jornalistas a capacidade de mediar. E a sua proletarização é uma enorme vulnerabilidade – são manipuladores manipulados, afirmou-se.

Regulação, regulação, regulação. Esta palavra saiu da boca de muitos dos participantes. Até porque liberdade de imprensa sem regulação destruirá a democracia, ouviu-se: Criámos Frankensteins que nos irão destruir.

Mas se muitas das intervenções foram particularmente críticas (apocalípticas?), também foi sublinhado que a internet e as redes sociais são extraordinárias… têm é pontos negativos. Lembrou-se que também a ciência é neutral do ponto de vista ético, e tanto pode ser usada para o bem como para o mal.

O que é então preciso (ou possível) fazer ?

A principal crise é a crise da autoridade intelectual. Todas as opiniões valem o mesmo. E tudo é opinião. A forma de combater isto é o jornalismo recuperar a credibilidade (Quando os cidadãos deixam de acreditar em seja o que for, como é que a democracia é viável?). Dos jornalistas terem mais meios e mais poder. Hoje os jornalistas não podem chegar em primeiro. Porque têm que confirmar.

Entre oradores e intervenientes no painel, várias medidas possíveis foram sugeridas, embora não tenham brotado panaceias universais para os problemas existentes:

A necessidade de limitar os lucros gigantescos de empresas que se tornaram colossos e podem ameaçar os próprios alicerces das democracias. Há medidas fiscais que permitem que serviços que têm lucros enormes e serviços mínimos. É preciso reduzir as margens de lucro destes colossos porque é preciso que deixem de ser colossos, afirmou-se.

A democracia é inviável sem comunicação social. Não podemos falar desta atividade como falamos de outras. Por agora, o modelo de negócio em que assenta é inviável (para mais em países mais pequenos). Apoio público não priva mais a independência do que o apoio privado. Para isso ser possível teria que ser um apoio sério.

Cancelamentos nas redes. Hoje, os cancelamentos nas redes sociais são como o ostracismo ateniense. Este foi um dos pontos abordados, e também se falou na possibilidade da existência de algum mecanismo de hétero-regulação que permita a uma comissão independente avaliar os cancelamentos de contas nas redes sociais (não apenas pelas empresas).

Desinformação. Desinformação sempre houve. Os mass media tradicionais são tão perversos como a internet. Não há bons e maus da fita. Sabemos hoje que no Brexit a Rússia interveio diretamente, tal como na eleição de Trump. No referendo da independência da Catalunha 80 dos sites estavam sedeados na Rússia. A interferência de Estados é precisamente um dos pontos em que se busca a regulação e formas de regulação efetivas.

Soluções intermédias, como o limite de partilhas. Por exemplo, para evitar a disseminação de fake news ou de conteúdos potencialmente nocivos na internet e nas redes sociais.

A fase de perguntas e respostas permitiu o acentuar das ideias principais focadas pelos oradores. Falou-se aqui de desinformação, das fake news, perguntou-se como é que se pode evitar a difusão de ódio e mentiras ou como é que se pode meter na ordem as redes sociais sem com isso danificar a liberdade de expressão? Porque não se limita a partilha de vídeos embaraçosos e outros? Como é que se financia a comunicação social tradicional?

Um debate mais do que atual, em que foram feitos muitas alertas, sugestões, ideias e propostas.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: mgsilva@expresso.impresa.pt

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